Mesmo com lucros operacionais crescentes e expansão dos investimentos, o setor elétrico brasileiro acumulou uma destruição de valor econômico de R$ 108,9 bilhões entre 2017 e 2023 — ou seja, geraram menos retorno do que o esperado para os recursos aplicados. O dado consta na 6ª edição do estudo elaborado pela KPMG e o Instituto Acende Brasil, que avalia o desempenho do setor a partir da métrica de Valor Econômico Agregado (EVA), considerando os segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia.
Essa aparente contradição é explicada pela métrica de EVA, que compara o lucro operacional das empresas com o custo de manter os investimentos. Quando o lucro não cobre esse custo mínimo, há destruição de valor — mesmo que, no papel, as empresas estejam dando lucro. Ou seja, é preciso que o lucro seja suficiente para cobrir o custo do capital. Se não for, a empresa está destruindo valor econômico.
O estudo analisou o desempenho consolidado de 48 empresas dos segmentos de geração, transmissão e distribuição, considerando dados até 2023, já que os balanços do quarto trimestre de 2024 das empresas ainda não haviam sido publicados.
Laryssa Lomeu, sócia diretora da KPMG, frisa que o setor elétrico brasileiro visa investimentos de médio e longo prazo, o que aponta que investimentos feitos ainda não foram captados com o devido retorno aos acionistas. “O que impacta todos os setores é o aumento de consumo, uma vez que temos a retomada da economia acaba puxando um resultado das empresas”, diz a executiva.
Uma das constatações do levantamento foi que a rentabilidade do setor, dentro deste recorte temporal, segue abaixo do custo de capital regulatório. Ou seja, os investimentos não geraram retorno suficiente para remunerar adequadamente os acionistas.
O EVA mede a capacidade de uma empresa gerar retorno acima do custo de capital. No caso do setor elétrico, os resultados negativos revelam que, mesmo operando com lucro, o retorno obtido não foi suficiente para compensar os riscos e os aportes dos investidores. A principal explicação está na diferença entre o ROIC (Retorno sobre o Capital Investido) e o WACC (Custo Médio Ponderado de Capital) definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O estudo mostra que quase metade do valor destruído no período é atribuível à EletrobrasCotação de Eletrobras. Ao excluir a empresa e suas subsidiárias da amostra, o EVA negativo cai para R$ 56 bilhões, sinalizando que a performance da ex-estatal teve peso significativo no resultado agregado do setor.
Eduardo Müller Monteiro, diretor executivo do Instituto Acende Brasil, explica que isso se deve, em parte, ao grande volume de capital investido pela empresa nos últimos anos, após sua capitalização e mudança de regime de contratos, que ainda não trouxe retorno proporcional nos lucros. “A Eletrobras fez investimentos muito pesados e ainda não deu tempo para o retorno acontecer depois da capitalização”, frisa.
Isso se deve, em boa medida, ao aumento expressivo do capital investido pela empresa após o processo de capitalização. O desembolso incluiu R$ 26,6 bilhões em bônus de outorga e mais R$ 5 bilhões pagos à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2022, além de compromissos anuais que a empresa assumiu até 2047.
No entanto, o lucro operacional da empresa ainda não refletiu os ganhos esperados com os novos contratos de concessão, gerando descompasso entre investimento e retorno. Paulo Guilherme Coimbra, também sócio na área de corporate finance da KPMG, explica que mesmo sem a Eletrobras, a rentabilidade das empresas segue abaixo do que os investidores esperam. O spread médio foi de -1,87% com a Eletrobras e de -0,17% sem ela, o que evidencia que, mesmo sem a empresa, o setor não conseguiu gerar retorno superior ao custo de capital.
Além disso, o estudo mostra que, ao se excluir a Eletrobras e suas subsidiárias da amostra, não apenas o valor destruído cai pela metade — de R$ 108,9 bilhões para R$ 56 bilhões — como também o setor apresenta tendência de recuperação nos últimos anos. O EVA, que ainda era de R$ 18,5 bilhões negativos em 2021, caiu para R$ 10 bilhões negativos em 2022 e chegou próximo da neutralidade em 2023, com um resultado de apenas R$ 2,4 bilhões negativos. Isso indica que, fora o impacto específico da Eletrobras, o restante das empresas do setor vem gradualmente se aproximando de uma rentabilidade compatível com o custo de capital investido.
Procurado, o vice-presidente de estratégia da Eletrobras, Elio Wolf, diz que a partir do segundo semestre de 2022, com a capitalização, a Eletrobras iniciou um processo de mudança com foco em aumento de investimentos, alocação de capital baseada em avaliações de risco e retorno realistas e competitivas e gestão de custos. “À medida em que esta estratégia trouxer resultados, vamos ver a empresa gerar valor crescente ao setor e seus acionistas”, diz o executivo.
Outro dado relevante do estudo é o spread negativo entre o ROIC e o WACC. Considerando toda a amostra, o spread médio foi de -1,87% entre 2017 e 2023. No cenário sem Eletrobras, esse número melhora para -0,17%, mas ainda permanece no vermelho.
O setor apresentou crescimento no lucro operacional líquido (NOPAT), com taxa média anual de 12% no período, e expansão de 7% no capital investido. Em 2021, a alta foi impulsionada pela inflação elevada, aumento do consumo e valorização dos preços da energia.
Fonte: Valor Econômico

