Por Gabriel Roca e Matheus Prado — De São Paulo
16/05/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
O tombo do Ibovespa desde as máximas recentes registradas no início de abril varreu os ganhos acumulados pelo índice em 2022, e empurrou algumas das métricas utilizadas pelos investidores para calcular se as ações estão baratas ou caras para os menores níveis desde a recuperação da crise global de 2008. Mesmo que os preços pareçam excessivamente descontados, a leitura geral do mercado é que, no curto prazo, ainda faltam gatilhos para impulsionar um novo movimento de alta na bolsa local.
Segundo os cálculos da equipe de estratégia do BTG Pactual, a relação entre preço e os lucros projetados para os próximos 12 meses do Ibovespa está em 7,3 vezes, nível semelhante ao observado durante o auge da crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Quando são retiradas do cálculo as ações da Vale e da Petrobras, o índice é negociado a 9,1 vezes os seus lucros futuros, o que não acontecia desde a recuperação da economia global, após a crise financeira de 2008.
Para Carlos Eduardo Sequeira, chefe da área de análise e pesquisa do BTG Pactual para América Latina, o fato de as ações brasileiras estarem baratas na virada do ano foi um dos motivos que favoreceu o forte fluxo de recursos estrangeiros para a bolsa no primeiro trimestre. Após abril, no entanto, a falta de apetite dessa classe de investidores acabou deixando o mercado local sem sustentação.
“A situação do mundo piorou e pudemos observar isso pela queda forte do S&P 500. Fomos sustentados pelo estrangeiro no início de 2022, enquanto os fundos locais ainda sofriam com resgates. A partir de abril, acabou não tendo sustentação de nenhum dos dois lados, o que levou o Ibovespa a níveis de ‘valuation’ que a gente não via há muito tempo”, afirma o profissional.
De acordo com Sequeira, para quem possui um prazo mais longo de investimento, os níveis atuais de múltiplos do Ibovespa oferecem uma boa oportunidade. “Realmente, parece muito barato”, diz. No entanto, em um mercado como o atual, em que há movimentos intensos de vendas de ações, há riscos de os exageros acabarem comprimindo ainda mais os múltiplos do Ibovespa.
“Estamos negociando com um desconto muito grande. Mas, se houver uma queda adicional de 10% ou 15% do S&P 500, é muito difícil que as ações locais performem bem. Esse é o ponto de maior atenção”, conclui.
Guto Leite, gestor de renda variável da Western Asset, concorda que os ativos de bolsa no Brasil parecem bastante baratos em relação às médias históricas. No curto prazo, no entanto, o cenário segue desafiador e, sem que haja uma visibilidade mais clara para os agentes do ponto de vista da inflação e das taxas de juros ao redor do mundo, é difícil esperar que os investidores globais tenham maior convicção em apostar nos mercados emergentes.
“Por outro lado, a gente respeita muito o valuation. Não vemos condições de abrir uma posição vendida em bolsa hoje ou ficar muito ‘underweight’, já que não há no nosso radar uma grande rodada de revisões negativas de lucros”, afirma o profissional.
O gestor de renda variável da BlueLine, Jorge Oliveira, compila e traça uma média de expectativas de lucro para os diferentes setores do Ibovespa a partir de análises realizadas por profissionais de sell-side de grandes bancos. Ao observar os estudos, ele diz que há espaço para revisões negativas nas expectativas de lucros.
“Analistas esperam, por exemplo, que o lucro do setor de healthcare [saúde] suba, em média, 70% em 2022 e 40% em 2023. Ou que o segmento de bens de capital avance 50% este ano e mais 22% nos 12 meses seguintes. Com os juros subindo e possivelmente afetando a atividade no segundo semestre, é difícil”, diz.
Oliveira defende ainda que, como as bases de comparação registradas nos anos de 2020 e 2021 não são muito fortes, por conta da pandemia e das consequentes restrições de circulação, pode haver certas distorções nas expectativas em relação aos resultados das empresas.
“Com a melhora do Ibovespa no primeiro trimestre do ano, vimos muitas casas atualizando projeções, estimando que o índice pudesse avançar muito até o final do ano. Mas são números pensados de cima para baixo, quando na verdade essa reversão à média pode demorar anos para ocorrer”, opina.
O BTG tem uma estimativa de que o Ibovespa termine 2022 em 132 mil pontos, projeção que ainda não foi alterada pela equipe de estratégia. Sequeira admite que ela parece mais difícil de se concretizar devido ao aumento dos juros reais nos Estados Unidos e no Brasil. No entanto, ele não descarta a volta do fluxo estrangeiro, caso o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) consiga manejar um “soft landing” [pouso suave] da economia americana e após a questão eleitoral no Brasil ganhar visibilidade.
Já na Western, o preço-alvo do Ibovespa para 12 meses é de 134 mil pontos. Para que as previsões se concretizem, Leite diz que as ações locais devem passar por uma expansão de múltiplos, que hoje estão em cerca de 7 vezes os lucros futuros para algo mais próximo de 9 vezes. “Não parece ser uma premissa homérica olhando para a história”, afirma o gestor.
A constatação de que o Ibovespa opera em níveis descontados historicamente também foi feita pelo Bank of America (BofA). Em um exercício, a equipe de estratégia para a América Latina da instituição ajustou os pesos setoriais e removeu as commodities nos índices de mercados emergentes e do Brasil para diminuir distorções comparativas.
“Descobrimos que o Brasil negocia com desconto tanto para emergentes quanto em termos históricos, mesmo ao ajustar a composição setorial e remover as commodities do índice. As maiores indústrias do Brasil – commodities e grandes bancos – negociam com um desconto maior do que o normal em relação a seus pares globais, ao mesmo tempo que apresentam revisões de lucros para cima”, diz o BofA.
Segundo os cálculos da instituição, o Ibovespa é negociado, atualmente, com um desconto de 18% em relação à sua média histórica e 3% frente aos demais emergentes, com os pesos setoriais ajustados e commodities removidas da comparação.
Para Rafael Cota Maciel, gestor de renda variável do Inter, a falta de visibilidade que o mercado apresenta no curto prazo, fruto de eventos imprevisíveis como a guerra entre Rússia e Ucrânia e os lockdowns na China, dificulta um diagnóstico mais claro por parte dos agentes. Apesar disso, não acredita numa piora significativa na performance das empresas.
“O setor de shoppings, por exemplo, é um termômetro interessante. Sofreu em bloco durante a pandemia e agora já voltou a apresentar resultados fortes. Assim como outros setores, em que o macro deixou terra arrasada e empresas ‘largadas’ no índice, ainda dá para enxergar assimetrias nos preços”, diz.
Mesmo acreditando na exposição à renda variável neste momento, Maciel diz que é necessário “ter estômago”, já que os resultados das companhias nem sempre são refletidos nos preços de suas ações. Ele nota que as incertezas ajudam a explicar a volatilidade do momento e do comportamento do investidor, que tende a tomar decisões de curto prazo quando os mercados parecem perder referência.
Fonte: Valor Econômico

