Os mercados iniciam a semana sob forte estresse após as repetidas sinalizações do governo de que pretende ampliar a isenção do Imposto de Renda (IR) para os salários de até R$ 5 mil mensais. O tema ajudou a recolocar os preços dos ativos brasileiros em trajetória de crise.
Se parte do mercado nutria a expectativa de alguma indicação sobre a reforma dos gastos obrigatórios para 2025 — após a elevação da nota de crédito pela Moody’s e o primeiro turno das eleições municipais —, o ambiente é de frustração e os investidores buscam calcular o impacto da medida nos cofres públicos.
Outro fator que estará na pauta dos investidores é a China. O país frustrou as expectativas de que faria, no sábado, um grande anúncio de medidas para estimular a economia do país asiático. A China listou ações para recapitalizar bancos e estimular o setor imobiliário, mas não deu grandes detalhes. A decepção pode ter algum impacto nos preços das commodities.
A dinâmica dos ativos locais chamou a atenção dos investidores nos últimos pregões. Desde quarta-feira, quando que foram revelados os estudos do governo para ampliar a isenção do IR, as taxas do DI para janeiro de 2027 saltaram perto de 0,5 ponto percentual, magnitude muito expressiva. Também foram pressionadas por um cenário externo em que crescem as probabilidades de vitória do candidato republicano, Donald Trump, na eleição presidencial dos EUA e de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) não consiga entregar tantos cortes de juros.
O dólar avançou quase 3% frente ao real na semana passada e, assim, voltou a superar a marca de R$ 5,60 na sexta-feira e os preços no mercado de juros já sinalizam uma Selic de 13,25% ao fim do ciclo de aperto.
O mercado vê um juro básico que chega a 11,75% no fim de 2024 e alcança 13,25% em julho do ano seguinte. Nos preços extraídos da curva de juros, não há perspectiva de que s Selic volte a cair de forma significativa no ano que vem, e deve se manter nos 13% ao menos até o primeiro trimestre de 2026.
Mesmo com os juros mais altos, o processo de desancoragem das expectativas de inflação de mercado se intensifica. A inflação “implícita” extraída das NTN-Bs (títulos públicos indexados ao IPCA) disparou nos últimos dias, ao refletir o ambiente de estresse. Ao longo de toda a curva, a inflação precificada pelos investidores está acima de 5,5% e alcança 5,8% em prazos intermediários e longos, muito acima do centro da meta, de 3%.
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Para o economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, os preços dos ativos locais começam a incorporar as perspectivas de que o governo não deve fazer nenhuma entrega no campo fiscal até 2026 e, portanto, as conversas sobre dominância fiscal podem ser retomadas pelos agentes.
“A precificação de mercado caminha na direção de uma repetição de erros na gestão de política macroeconômica semelhantes àqueles vistos no governo Dilma Rousseff, no âmbito da Nova Matriz Econômica. Um dos pontos diferentes atualmente é que a dívida é cada vez mais curta e indexada à taxa Selic, ou seja, há maior exposição a riscos do ponto de vista do endividamento e o governo tem menos tempo do que no passado para endereçar minimamente os desafios estruturais”, afirma Leal.
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É o que também ressalta a diretora de macroeconomia para Brasil da UBS Global Wealth Management, Solange Srour, ao avaliar que o caminho mais provável é o de medidas que estimulem ainda mais a demanda, colocando em dúvida a sustentabilidade da dívida pública. Ela cita as promessas de isenção de impostos e de políticas para subsidiar o crédito, que começam a ser formuladas e postas em prática pelo governo.
“A economia segue aquecida com a taxa de desemprego especialmente baixa. Se, por conta do resultado das eleições municipais, já estamos antecipando uma agenda que vai nos custar uma dívida mais alta e cara, fica a dúvida pertinente do que ocorrerá com nosso fiscal se a economia der sinais de esfriamento”, diz Srour em post em seu perfil no LinkedIn.
A economista dá ênfase à precificação da Selic acima de 13% ao mesmo tempo em que o câmbio tem desempenho negativo. “A continuidade desse enredo por semanas ou meses nos levará a mais inflação e menos crescimento.”
Diante da ausência de discussões mais estruturais do lado fiscal, o mercado tem jogado o peso do equilíbrio macroeconômico sobre a política monetária, exigindo juros cada vez mais altos e embutindo prêmios muito maiores nos ativos locais.
“A história da isenção do IR é potencialmente bombástica, diante do possível impacto que isso teria nas contas públicas. O problema é que isso alimenta o mercado em termos negativos. As narrativas de que, potencialmente, a segunda metade do governo seria mais leniente no lado fiscal são alimentadas e, sinceramente, o fiscal vai mandar na inflação nesse caso. Não tem monetário que aguente”, avalia o estrategista de um grande banco em condição de anonimato. Para ele, “está difícil” ter um gatilho no lado doméstico para uma melhora sustentável dos ativos locais, sobretudo no mercado de juros.
Causa estranheza que, mesmo com a alta dos juros de mercado, o dólar siga em alta e tenha voltado a ficar acima de R$ 5,60. O movimento que contraria as visões mais otimistas sobre uma valorização do real com o aperto adicional na Selic e consequente aumento do diferencial de juros com os EUA.
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Na avaliação do gestor de renda fixa Denis Ferrari, da Kinea Investimentos, com o dólar acima de R$ 5,60 e a inflação corrente deste ano mais alta devido aos efeitos da seca, a inércia deve pressionar as projeções de inflação de 2025 dos primeiros trimestres de 2026. “Ou seja, mesmo com uma Selic mais alta e já incorporada pelo Focus, a projeção do modelo do BC fica parada ou sobe 0,1 ponto”, calcula.
Para ele, o ciclo de aperto na Selic será de 2 a 3 pontos percentuais, o que requer uma aceleração do ritmo de ajuste para 0,5 ponto. “Mas não vejo necessidade de acelerar para mais do que 0,5 ponto. Se fizerem, será outro erro de política monetária. Acredito que o mercado vá pedir, mas espero que o BC não caia nessa novamente”, diz. Na sexta-feira, no mercado de opções digitais, a probabilidade de alta de 0,75 ponto na Selic em novembro estava em 16%.
Ferrari chama atenção para o esforço do governo em isentar uma faixa maior do IR. “Com o presidente [Lula] querendo muito fazer a isenção do IR até R$ 5 mil, custaria algo como R$ 40 bilhões e é difícil fazer com que essa medida seja fiscalmente neutra. A principal medida compensatória é tributar o andar de cima, que sempre acaba conseguindo escapar de um aumento da tributação, criando estruturas diferentes ou fazendo ‘lobby’ no Congresso”, diz.
E é justamente diante da perspectiva de piora na arrecadação que os preços dos ativos têm voltado a operar em níveis de estresse. Alguns participantes do mercado veem chance de alguma melhora, embora não muito significativa.
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É o que aponta Daniel Delabio, sócio e gestor da Exploritas, ao manter na carteira posições aplicadas (que apostam na queda das taxas) em juros de curto prazo e compradas (que apostam na valorização) em real. Para ele, embora haja algum exagero nos preços, os sinais do governo no lado fiscal têm sido ruins e engatilharam um fechamento abrupto de posições (“stop-loss”), sobretudo nos juros futuros. “Isso gera um movimento em que ninguém tem limite de posição. E todo esse risco que o governo coloca ninguém quer carregar”, diz.
Para Delabio, a tendência é que o mercado melhore quando o governo “sentir” a taxa de câmbio próxima a R$ 6 por dólar. Segundo ele, “alguma coisa” terá de ser mostrada na política fiscal para conter a dinâmica negativa dos ativos.
Fonte: Valor Econômico

