10 Apr 2023 COLABOROU LUIZ ARAÚJO, ESPECIAL PARA O ESTADÃO JENNE ANDRADE LUÍZA LANZA

O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa 100 dias nesta segunda-feira. Logo na primeira semana de governo, apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes, em uma manifestação contra o retorno do líder petista à cadeira presidencial.
Os atos de 8 de janeiro foram uma virada de chave importante no discurso do Executivo e influenciaram a relação do governo com o mercado. “Esse acontecimento moldou muito esses 100 primeiros dias de mandato. Forçou o governo Lula a adotar um tom muito mais reativo”, diz Mário Lima, analista político da Medley Advisors.
Na visão de Lima, o Executivo teve bons resultados ao lidar com a invasão dos bolsonaristas e intervir na situação dos yanomamis, que estavam largados à própria sorte desde o início do governo Bolsonaro. Contudo, Lula, pessoalmente, mergulhou em discussões de temas considerados polêmicos na economia, que, segundo analistas, atravancaram possíveis ganhos na Bolsa e melhorias nas perspectivas para juros e inflação. “Foi um tempo perdido. O maior erro foi o presidente ter entrado na briga com o Banco Central. Isso causou ruídos que pioraram o cenário para a economia.”
Entre ruídos políticos e fatores de mercado impossíveis de serem previstos ou evitados – como o colapso da Americanas e o avanço da inflação e dos juros pelo mundo –, esses 100 primeiros dias de Lula 3 foram os piores para a Bolsa de Valores desde o início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995.
Dados levantados por Einar Rivero, diretor comercial do TradeMap, mostram que o Ibovespa acumula uma baixa de 8,12% em 2023. O resultado negativo só perde para a queda de 28,5% registrada nos primeiros 100 dias do FHC 1.
O desempenho negativo neste início de 2023 não foi causado apenas pela mudança de governo, mas por uma série de fatores que aconteceram no exterior e pressionaram as Bolsas mundiais. A volatilidade política, no entanto, teve seu papel, afirmam analistas.
Nos 100 últimos dias, Lula alimentou uma narrativa de contraposição entre os interesses do governo e do mercado financeiro. Classificou a independência do Banco Central como “bobagem”, disse que a taxa Selic em 13,75% ao ano é uma “vergonha” e sinalizou o desejo de elevar as metas de inflação.
O assunto virou uma queda de braço entre governo e BC, que foi agravada pelo tom mais duro que a instituição monetária passou a adotar em seus comunicados. No fim de março, ao optar pela manutenção dos juros em 13,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a repetir que pode tornar a aumentar a taxa em caso de descontrole da inflação.
Esse contexto ajudou a acentuar um sentimento de incerteza no mercado financeiro. “As declarações e posicionamentos de Lula são, até certo ponto, uma estratégia para colar em (Roberto) Campos Neto (presidente do BC) a pecha de vilão caso a economia não avance”, diz Erich Decat, diretor de análise política da corretora Warren Renascença. “Mas isso cria um ambiente de apreensão dentro do mercado.”
Essa também é a visão de Lima, da Medley Advisors. “A comunicação mais raivosa do governo Bolsonaro não fica bem para o governo do PT, porque não foi para isso que Lula foi eleito. Ele tem de buscar um meio termo na própria maneira com que se comunica, até para desradicalizar o outro lado.”
ÂNCORA FISCAL. Se a pressão política pela queda dos juros foi considerada um dos principais erros, por outro lado a apresentação de uma nova âncora fiscal em substituição ao teto de gastos (regra de controle das despesas públicas criada no governo Michel Temer) é tida pelos especialistas como uma das grandes vitórias deste início de mandato. A proposta que, em linhas gerais, limita o crescimento da despesa a 70% do aumento das receitas do ano anterior, foi relativamente bem recebida pelo mercado.
“É o ponto alto até o momento. Havia um receio estrondoso por parte dos investidores tendo em vista que o presidente já disse, em dezenas de ocasiões, ser contra qualquer tipo de ‘amarras’, uma vez que já governou duas vezes sem um teto de gastos”, diz Decat.
Para frente, as discussões continuam, principalmente em relação a como aumentar as receitas e atingir as metas de superávit primário atreladas ao novo arcabouço. “A grande pauta será como arrumar R$ 150 bilhões somente com cortes de isenções fiscais”, ressalta Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora.
A previsão é de que o texto seja entregue ao Congresso nesta semana. Vencida essa etapa, entram em cena outras discussões, como a da reforma tributária. Nada disso será fácil de ser aprovado e os benefícios podem só vir no longo prazo. “A reforma tributária é a bala de diamante do governo, mas tem uma regra de transição de 20 anos. Ou seja, durante duas décadas vamos conviver com dois sistemas”, diz Gardimam. “Não sei como isso catapultará o crescimento em um ano ou dois (como necessário para viabilizar o arcabouço)”. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

