Por Gabriel Roca, Matheus Prado e Victor Rezende — De São Paulo
05/05/2022 05h02 Atualizado há 3 horas
Ao mesmo tempo em que as projeções de inflação do Banco Central indicam a possibilidade de um caminho mais agressivo para a taxa básica de juros, a linguagem adotada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em relação aos próximos passos dos juros sugere que o ciclo pode estar próximo do fim. A divergência entre comunicação e projeções alimenta o debate no mercado sobre os rumos da Selic, no momento em que o Federal Reserve (Fed) começa a apertar de forma mais contundente os juros nos Estados Unidos. Alguns economistas já avaliam que a taxa básica brasileira terá de ir além de 13,25% ao ano.
O comunicado da decisão mostrou que as projeções de inflação do Copom para 2023 – onde está agora o horizonte relevante para política monetária – são em 3,4%, acima, portanto, do centro da meta do Banco Central, de 3,25%. No encontro de março, o colegiado projetava o IPCA em 3,1% no cenário que considerava mais provável.
Há quem coloque algum viés de alta nas expectativas para a Selic. É o caso da economista-chefe para Brasil do J.P. Morgan, Cassiana Fernandez, cujo cenário básico é o de Selic a 13,25% em junho. Ela continua a esperar um aumento final de 0,5 ponto na taxa em junho, mas reconhece que “a redação do BC e os fundamentos econômicos sugerem que o equilíbrio de riscos agora é assimétrico para o lado altista em relação à nossa taxa Selic final, projetada a 13,25%”.
O superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, Mauricio Oreng, também aponta que o fato de o Copom não ter sido tão enfático sobre o fim do ciclo pode ser interpretado como um sinal de um pequeno risco de alta para além da expectativa do banco de juro a 13,25% no fim do ciclo. “Ainda assim, continuamos achando que estamos próximos do fim do ciclo e, pelo menos por enquanto, não vislumbramos mais movimentos no segundo semestre.”
Segundo a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, o texto deixa uma porta aberta para que o BC encerre o ciclo de aperto monetário na próxima reunião, mas também coloca mais cautela em cima da atuação da autarquia. “Acredito que o BC fez uma comunicação até mais direta em termos de fim de ciclo no comunicado de março e agora deixou esse ajuste final mais em aberto”, aponta.
“Continuo, no entanto, enxergando espaço para que o comitê realize duas altas de 0,5 ponto nas próximas reuniões, chegando a uma Selic terminal [no fim do ciclo de ajustes] de 13,75%”, afirma Damico. A Armor, assim, manteve inalterado o cenário projetado antes da decisão.
Para a economista, a persistência da inflação pode voltar a surpreender o BC, levando a nova atualização de modelos. Damico explica que o fato de o comunicado contratar uma Selic de pelo menos 13,25% sem que a meta de inflação para 2023 seja alcançada mostra que há espaço para isso.
O economista-chefe da Parcitas, Vitor Martello, diz que o comunicação reconhece a persistência das pressões inflacionárias, o que fez com que houvesse mudança na comunicação quando se compara com a reunião de março. “Na minha visão, o comunicado foi uma forma de o Copom mostrar que o patamar de 13,25% será um piso para a Selic neste fim de ciclo. A piora nas projeções de inflação por parte do BC só calibrou a resistência da inflação, o que justifica a mudança no plano de voo”, afirma.
Na visão de Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, o comunicado colocou riscos em maior e menor magnitude para o tamanho do processo adicional de aperto, o que garantiu ao comitê um maior grau de liberdade. Com isso, para ela, o Copom “conseguiu deixar a porta aberta sendo ‘hawkish’ [conservador]”.
“Por meio das projeções de inflação, o Copom está falando que olha com atenção a inflação acima da meta em 2023. Possivelmente, pode precisar dar um pouco mais de juros do que está no Focus. Isso pode ser feito por meio de uma taxa mais alta, ou por uma taxa de juros alta por mais tempo. E essa estratégia ele pode calibrar com o passar do tempo”, afirma Hirakawa.
A economista Daniela Lima, da Kinea Investimentos, acredita que a probabilidade maior é a de que, caso haja necessidade, o BC mantenha os juros mais altos por mais tempo. “Estamos num ponto do ciclo que faz mais sentido manter as taxas elevadas por um tempo maior do que vir mais juros. O risco sempre existe, porque o momento é de muita incerteza. Mas, aos olhos de hoje, o cenário mais provável parece de um juros mais alto por mais tempo”, afirma a economista.
A Kinea considera que a decisão foi correta ao garantir um maior grau de liberdade ao Copom para as próximas decisões e manteve a projeção de uma alta residual de 0,50 ponto na reunião de junho. “O comitê nota que a elevada incerteza da atual conjuntura, e os efeitos da política monetária, ainda por serem observados, demandam cautela adicional”, observa a economista.
Fonte: Valor Econômico

