De olho em preservar a evolução do quadro econômico em direção aos seus objetivos de desacelerar a atividade e levar a inflação à meta de 3%, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve manter a taxa Selic em 15% pela segunda reunião consecutiva na próxima quarta-feira. Apesar da melhora recente das expectativas de inflação e de sinais cada vez mais concretos de arrefecimento da atividade econômica, participantes do mercado esperam que o comitê siga com postura conservadora e reforce que a Selic se manterá contracionista por um “período bastante prolongado”.
A expectativa de manutenção dos juros básicos nesta semana é unânime entre as 118 casas consultadas pelo Valor entre os dias 9 e 12 de setembro. Há, porém, discordâncias quanto ao momento do primeiro corte da Selic e sobre a extensão do ciclo de flexibilização monetária ao longo de 2026, período que será marcado pelas incertezas decorrentes das eleições presidenciais.
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Para o economista-chefe do banco Daycoval, Rafael Cardoso, o BC não apenas manterá a Selic em 15% como também fará poucas mudanças no comunicado da decisão, o que deve reforçar a postura paciente do Copom à medida que os dados caminham na direção dos objetivos do comitê.
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Ainda que reconheça alguma evolução diante do arrefecimento da atividade desde a última reunião do Copom, em julho, a melhora ainda é pequena para que o BC altere sua comunicação, argumenta. “Tudo o que está acontecendo faz parte dos objetivos do BC, então imaginamos que o comunicado terá poucas alterações.”
O que o Copom pode fazer nesta semana é retirar da comunicação oficial a possibilidade de voltar a elevar a taxa Selic no curto prazo e, assim, decretar de uma vez que o momento atual é de manutenção dos juros, avalia Cardoso. “Existe a probabilidade de fazer essa mudança, dados os avanços que verificamos da última reunião até agora. Mas isso não sinalizaria uma alteração qualitativa do cenário”, pondera.
O economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, compartilha dessa visão e espera que o comunicado indique um “fim oficial” do ciclo de aperto monetário, com o abandono da expressão sobre a “continuação da interrupção” do aumento dos juros. Para ele, a autarquia deve indicar a entrada no período bastante prolongado de manutenção das taxas de juros. “O juro segue parado, mas a forma de empacotar a mensagem deve migrar de uma interrupção do ciclo de alta para a entrada no período de manutenção da taxa.”
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Secemski observa que a melhora tímida das expectativas de inflação observada desde a reunião de julho e a apreciação de quase 3% da taxa de câmbio devem favorecer uma leve queda da projeção do BC para o IPCA no horizonte relevante (primeiro trimestre de 2027). Em julho, essa estimativa estava em 3,4%. “Essa melhora permite ao BC dar por encerrado o ciclo de alta, mas é importante ressaltar que os componentes da inflação não têm ido todos na mesma direção.”
O economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello, vai na mesma direção ao ponderar que a evolução recente do quadro macroeconômico deve deixar o Copom confortável em retirar do comunicado a menção à “continuação da interrupção” do ciclo de aperto monetário.
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No entanto, apesar da desaceleração da atividade e da taxa de câmbio em níveis um pouco mais apreciados, a trajetória de convergência da inflação para o centro da meta ainda é muito lenta, o que deve fazer com que o BC continue buscando “artimanhas” na comunicação para tentar empurrar os cortes precificados pelo mercado mais para frente.
“Não é uma convergência rápida para os 3%. Na verdade, ela é bastante lenta. Quando você olha para a inflação de serviços subjacentes, ela ainda está rodando por volta dos 6% nas métricas ajustadas. Esse nível, inclusive, não é compatível com o cumprimento sequer do teto da meta, de 4,5%, e sim de uma inflação cheia em 4,6% ou 4,8%”, afirma.
O IPCA de agosto, nesse sentido, emitiu um sinal de alerta entre os participantes do mercado. Apesar da deflação no índice “cheio”, a abertura dos dados voltou a preocupar alguns economistas, especialmente com o desempenho do setor de serviços. Secemski, do Barclays, observa, inclusive, que algumas métricas ainda devem requerer um cuidado maior pelo BC.
“A medida de núcleo EX-3, tida pelo BC como um indicador da dinâmica inflacionária de componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade, voltou a acelerar, atingindo seu maior nível em dois anos, a 5,4% na comparação anual, pressionada justamente pelos serviços subjacentes”, observa o economista.
Secemski, além disso, lembra que, em agosto, a inflação de serviços intensivos em mão de obra saltou de 5,9% para 6,3% na comparação anual, maior nível em 27 meses. “A composição da inflação ainda inspira cuidados.”
“É hora de reter uma postura conservadora para maximizar os ganhos de credibilidade que têm permitido alguma melhora nas expectativas de longo prazo”, defende o economista do Barclays. Para ele, inclusive, o BC poderia conduzir uma mudança sutil no comunicado e indicar que sua estratégia é gerar a convergência da inflação para a meta ao longo horizonte relevante, e não para “ao redor da meta”, como estava indicado no último comunicado. “Seria um passo a mais para reforçar o compromisso do Copom com a meta de 3%.”
Entre as decisões do Copom, houve, de fato, uma melhora nas expectativas de inflação de longo prazo tanto no Boletim Focus quanto na inflação “implícita” de mercado. No Focus, o ponto-médio das estimativas para o IPCA de 2026 caiu de 4,44% para 4,30%, enquanto a mediana das projeções de economistas para a inflação de 2027 saiu de 4,00% para 3,93%. A pesquisa do Valor também capturou uma melhora, com a mediana para a inflação deste ano caindo de 5,1% para 4,8%, enquanto o ponto-médio das estimativas para o IPCA de 2026 passou de 4,4% para 4,3%.
Para Cardoso, do Daycoval, essa melhora não deve ser reforçada no texto do comunicado e será expressa somente por meio do modelo de projeções de inflação no horizonte relevante. “Ainda é cedo para o BC colocar essa melhora das expectativas de forma explícita na comunicação”, diz.
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Pensando nisso, a autoridade monetária deve manter a indicação de que as expectativas de inflação seguem desancoradas e distantes da meta de 3%, avalia a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese. “Claro, pode haver alguma menção a uma melhora, mas ainda temos uma desancoragem”, enfatiza. Ela, inclusive, observa que o cenário de inflação do BC já contemplava números mais baixos que os esperados pelo mercado, o que deve fazer com que eventuais revisões nas projeções para o IPCA sejam contidas. “Se tiver um ajuste, será mais suave.”
E, ao acreditar na manutenção da indicação de juros parados por um período “bastante prolongado”, Veronese só espera alguma redução na Selic no próximo ano. “Estou dividida entre janeiro e março”, diz a economista, para quem só vai haver mais clareza no cenário de atividade e de inflação no começo do ano. “Se tivermos uma continuidade dos dados da forma como estamos vendo hoje, é possível cortar já em janeiro, mas começando devagar. Para o fim do ano que vem, vemos a Selic em 12%. É um corte de juros, mas com um nível final ainda elevado.”
Segundo Cardoso, o cenário-base do Daycoval é de um primeiro corte de 0,25 ponto percentual em janeiro e uma Selic de 11,50% no fim deoa 2026. O viés, contudo, sugere uma postergação do início da flexibilização monetária pelo BC.
“Consideramos baixa a probabilidade de antecipar [o primeiro corte] para dezembro. Com o dinamismo atual do mercado de trabalho e uma inflação que no último mês reverteu um pouco da melhora recente, nos parece mais provável cortar só em janeiro ou um pouco depois.”
Martello, da Parcitas, argumenta que o colegiado poderia tentar dar mais clareza sobre a que ele se refere quando usa o termo “bastante prolongado” para descrever o tempo em que os juros serão mantidos no nível atual.
“Ele poderia ser mais explícito ao dizer que o ‘bastante prolongado’ fosse igual a ficar parado por mais tempo do que em outros ciclos. Nos últimos períodos de manutenção, depois de um ciclo de alta de juros, o BC ficou, em média, quatro reuniões parado. Isso seria na reunião de janeiro. Ele dizer isso estaria indicando que o corte seria mais para frente, em março ou abril”, diz. Segundo o economista, essa não seria uma mudança de comunicação muito drástica, a ponto de se assemelhar a um ‘forward guidance’ [prescrição futura], e ajudaria a convergência das expectativas para o cenário delineado pelo colegiado.
A Parcitas espera que a Selic seja mantida nos 15% até abril do próximo ano, à medida que o BC deve aguardar sinais mais claros de convergência das expectativas de inflação para o centro da meta para iniciar os cortes de juros. “Acredito que, depois de quarta-feira, quem tem cortes no fim do ano vai precisar rever [essas projeções] e jogar mais para frente”, diz.
Fonte: Valor Econômico

