Por Lucinda Pinto — De São Paulo
06/09/2022 05h00 Atualizado há 6 horas
Passado o feriado do Dia do Trabalho nos Estados Unidos, o mercado de dívida internacional deve retomar as atividades com mais força, abrindo caminho para que empresas brasileiras que adiaram suas operações no começo do ano por causa da piora das condições retomem seus planos.
Segundo bancos que atuam na estruturação dessas operações, investidores vêm mostrando bastante interesse em papéis de emissores brasileiros, que há seis meses não fazem nenhuma captação externa. A questão é que, neste momento, o mercado local parece ainda mais atrativo em termos de preço, o que pode manter parte desses emissores ainda distantes do mercado internacional.
Segundo Matheus Licarião, superintendente-executivo da área de mercado de capitais do Santander Brasil, o mercado local conseguiu absorver nos últimos meses a necessidade de financiamento das companhias brasileiras. Segundo ele, o total de captações externas no ano foi de US$ 8 bilhões, metade do que era esperado em termos de volume para esse período. Quando se olha para as companhias que são emissoras frequentes no exterior, ou seja, que já têm bônus no mercado internacional, o total de emissão de dívida no mercado local atingiu US$ 6 bilhões neste ano.
O executivo relata que fez, na última semana, 17 reuniões com investidores em Nova York, com o objetivo de identificar o interesse pelas emissões de companhias brasileiras. Nesses encontros, afirma, ficou claro o apetite que esse investidor tem pelas empresas brasileiras. “Ouvimos muito a pergunta: cadê meu emissor?”, diz. Ele explica que as companhias brasileiras fizeram um árduo trabalho ao longo de mais de uma década para construir um relacionamento com esses investidores e que, por isso, a atenção a essa demanda continua. Ainda assim, o nível de preço a que esses papéis seriam emitidos deve retardar ainda essa retomada.
Hoje, algumas grandes empresas conseguem pagar em operações no mercado local entre 1 e 2 pontos percentuais a menos do que fariam em operações no mercado externo, diz Licarião. Essas taxas chegam a ser o dobro do que foi fixado em suas últimas transações no exterior. Isso por causa da alta dos juros dos Treasuries, que balizam essas operações e que foram ajustadas para cima diante da política monetária restritiva do Federal Reserve (Fed). “A empresa tem que entender que é um mundo novo, que os preços mudaram”, afirma.
Segundo fonte de um banco internacional, que prefere não ser identificada, há, de fato, muitas empresas monitorando o mercado internacional. Mas não se tem notícia de mais de dez companhias efetivamente atualizando os documentos para acessá-lo.
A aposta geral é que duas ou três empresas estariam dispostas a fazer alguma captação ainda em setembro, a depender das condições de preços. E, caso isso se confirme, o provável é que sejam as grandes companhias, emissoras frequentes e de rating elevado, as que puxarão a fila, em uma demonstração de que ainda há cautela sobre a decisão de levantar recursos no exterior.
Um exemplo de companhia que optou por captar recursos no mercado local em vez do exterior é a Cielo, que tem o vencimento de um bônus de US$ 400 milhões em novembro deste ano. No entanto, a companhia anunciou na sexta-feira a emissão de R$ 3 bilhões em debêntures de três anos, à taxa de 1,20% acima do CDI. Procurada, a Cielo disse que não pode comentar a operação por estar em período de silêncio.
Além de volumes maiores, o mercado local tem dado a possibilidade de prazos mais longos aos emissores também, em grande medida por causa do intenso fluxo destinado a papéis de crédito privado. “O mercado local não supre na totalidade, mas foi capaz de absorver a necessidade de financiamento das companhias este ano”, afirma Miguel Diaz, superintendente da área de mercado de capitais, também do Santander Brasil.
Ele explica que, hoje, as empresas brasileiras não vivem um período de fortes investimentos ou gestão de passivo, o que contribui para que o mercado local seja capaz de fornecer a liquidez necessária. “Mas a condição do mercado local dá conforto para o emissor brasileiro analisar o internacional de forma oportunística.”
Segundo Caio de Luca Simões, chefe do mercado de capitais de dívida do Bank of America no Brasil, o nível dos juros americanos neste momento pode, de fato, tornar a retomada esperada para esta semana da atividade do mercado de dívida mais tímida do que em outros anos.
Ele observa que o mercado global chegou a mostrar alguma recuperação em agosto, quando o juro da T-note de dez anos cedeu para perto de 2,60%. Nesse período, houve algumas captações de empresas globais, inclusive da América Latina. Mas, agora, a taxa voltou para perto do patamar de 3,20%, diante da perspectiva de que o Fed siga elevando o juro e mantenha a taxa em níveis mais altos por período mais longo. “O mercado está com perspectiva mais desafiadora.”
Segundo o executivo, essa piora das condições de preços tem a ver com o ambiente geral de mercado, e não com a percepção de risco do Brasil. “O investidor internacional dá sinais de que tem apetite”, afirma. “Vejo uma questão mais do lado da oferta dos papéis.” Simões afirma que o banco tem se reunido com clientes brasileiros que seguem acompanhando as condições do mercado para tomar a decisão de captar recursos no exterior. “Talvez esses emissores esperem ter mais atividade no mercado internacional para tomar a decisão.”
Fonte: Valor Econômico

