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Em um mercado de ações ainda anêmico no Brasil, os títulos de crédito privado, como debêntures e certificados de recebíveis, têm ganhado mais espaço no portfólio dos investidores e alcançado posição de destaque no financiamento das empresas. Os dados deixam claro que essa indústria ganhou corpo e mais profundidade, algo já evidente no mercado secundário, que é aquele em que se vendem e compram os papéis antes do vencimento.
Em número de negócios, por exemplo, no ano passado o mercado secundário fechou com 2,255 milhões de operações, considerando todos os títulos de crédito privado, um crescimento de mais de seis vezes em cinco anos, conforme números coletados pela B3 ao Valor. Em um ano, o crescimento foi da ordem de 70%, exatamente em um período mais fraco para o mercado acionário, com os juros altos em todo o mundo afastando investidores dessa classe de ativos.
O mesmo se vê em termos de volume financeiro: os negócios de títulos privados no acumulado de 2023 somaram R$ 839,7 bilhões, aumento de quatro vezes em cinco anos. Em 2024, apenas entre janeiro e abril, o volume chegou a R$ 277,95 bilhões.
O número de emissores praticamente dobrou em cinco anos, alcançando 626 no total, com base em dados de 2023. Pela métrica de quantidade de ativos negociados, no ano passado foram 14,5 bilhões, ante 4,4 bilhões em 2019. No primeiro quadrimestre deste ano, o valor já chegou a 5 bilhões, o que já indica o crescimento potencial no ano.
O diretor de produtos de balcão, commodities e novos negócios da B3, Fabio Zenaro, afirma que a evolução do mercado de renda fixa tem sido acelerada nos últimos anos em todas as métricas dessa indústria. “Até há pouco tempo, tínhamos cerca de 3 mil negócios por dia e hoje estamos batendo os 20 mil”, diz.
Mais empresas, lembra o executivo, estão mirando o mercado local para suas captações, atraídas por prazos que estão mais longos e por um mercado que tem absorvido grandes operações, o que ajuda a dar ainda mais relevância à indústria.
Hoje, mesmo com todo o avanço tecnológico, a negociação do crédito privado continua sendo feita quase integralmente no balcão, por meio da intermediação de uma corretora. Segundo Zenaro, apenas 1% das negociações de renda fixa estão em plataformas eletrônicas. No entanto, quando se olha para fora do Brasil, esse número poderia chegar no futuro a mais de 30%.
No dia a dia para o investidor, os contatos com a corretora são no geral feitas pelo telefone, onde se buscam os ativos e se fecham as transações. Se antes esse mercado não tinha tantos negócios, o que obrigava os investidores, incluindo gestores de fundos, a manter seus ativos até o vencimento, hoje a gestão se tornou muito mais ativa e flexível.
Na Legacy, por exemplo, os papéis são mantidos na carteira, em média, por seis meses, conta Leonardo Ono, gestor de crédito privado da gestora. “É como o ovo e a galinha, não sei se a liquidez veio com os prazos mais longos dos ativos, ou os prazos mais longos que trouxeram liquidez”, comenta. Com a liquidez, também vieram cada vez mais investidores, mas também aumentou a volatilidade desse mercado. “Muito investidor reclama da volatilidade, mas esse é um efeito da própria liquidez”, diz.
Segundo Ono, os investidores pessoas físicas contribuíram para tornar o mercado secundário mais robusto no Brasil. “A situação de juros altos deve manter essa tendência de evolução da pessoa física no mercado de dívida privada”, afirma, lembrando que os títulos isentos de Imposto de Renda ajudaram a dar tração a esse mercado junto aos investidores, que têm, por essa razão, privilegiado o crédito privado em relação aos títulos públicos. “Hoje todo investidor tem alocação em crédito”, afirma. Esse mercado pode ainda ganhar um novo salto com a chegada de estrangeiros e fundos de pensão.
O gestor de crédito privado da ARX Investimentos, Pierre Jadoul, aponta, por outro lado, que apesar do crescimento desse mercado no Brasil, o crédito ainda está muito concentrado nos bancos. É diferente do que se vê em países desenvolvidos, em que a participação do mercado de capitais é mais expressiva. “A saída desse crédito para o mercado de capitais é um movimento natural”, diz.
Um aprendizado recente no mercado brasileiro, lembra Jadoul, foi o conhecimento por parte do investidor de que existe volatilidade em renda fixa, algo que passou a ficar evidente nas marcações ao mercado, e que os papéis podem sofrer inadimplência, algo que acabou sendo sentido na pele no ano passado, com os casos de Americanas e Light. A marcação ao mercado, destaca o gestor, trouxe mais eficiência, já que com ela se compra e vende um ativo a preços justos.
Na Anbima, que traz diariamente o preço de parte desses títulos privados, o escopo contemplado tem dado um salto ano a ano. Em cinco anos, por exemplo, os ativos acompanhados triplicaram e hoje são cerca de 900.
Vivian Lee, responsável pela área de crédito da Ibiúna Investimentos, diz que a maior transparência nos preços ajudou a atrair investidores, o que, como consequência, contribuiu para o aumento da liquidez. “Há cinco anos, havia menos ‘players’ relevantes atuantes no mercado secundário”, afirma Lee. Ela aponta que, após a pandemia, tesourarias de bancos e fundos multimercados passaram a marcar mais presença.
Com uma participação crescente das pessoas físicas, o regulador tem olhado de perto esse mercado, para evitar abuso no nível de spread, afirma Zenaro, da B3. Segundo ele, a própria BSM, braço autorregulador da bolsa, pode ser questionada caso algum ativo seja vendido a um preço muito fora do mercado, algo que também tem dado mais transparência à negociação do crédito privado.
Fonte: Valor Econômico