O bom humor do mercado com a dinâmica de inflação se esvaiu e deu espaço à percepção de que há, pela frente, um período no qual as pressões nos preços continuarão em alta. Os fundamentos macroeconômicos, com uma atividade pujante e o mercado de trabalho aquecido, sustentam essa sensação, em um ambiente que ainda contempla a persistente desconfiança com a condução da política fiscal e a depreciação do câmbio.
As apostas em uma inflação mais elevada seguem a todo vapor, o que tem distanciado as expectativas do centro da meta (3%), às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O colegiado anuncia sua decisão sobre a taxa Selic na quarta-feira.
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“O mercado deu o benefício da dúvida durante algum tempo ao governo”, afirma Guilherme Foureaux, gestor macro da Truxt Investimentos, ao notar que o prêmio cobrado pelo mercado na inflação “implícita” de dois anos rodou em níveis abaixo da média no início deste ano. A piora, porém, começou em abril, diante de um cenário mais difícil nos ativos globais e das mudanças no ambiente doméstico, com a alteração da meta fiscal de 2025; o abandono do “forward guidance” (prescrição futura) pelo Banco Central; e a mudança no comando da Petrobras.
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A inflação “implícita”, grosso modo, é extraída da diferença entre os juros futuros e os juros reais (as taxas das NTN-Bs, títulos atrelados à inflação). E, no momento, tem alcançado níveis bastante elevados em relação à meta de inflação. A inflação “implícita” de dois anos tem operado nos últimos dias em torno de 4,85%, bem acima do teto da meta (4,5%).
Por ser uma variável constituída por preços de mercado, é comum que haja tanto um prêmio de risco nos valores da inflação “implícita” quanto uma volatilidade maior que a existente, por exemplo, no Boletim Focus. Nos cálculos da Truxt, em média, o prêmio exigido pelo mercado para a inflação de dois anos à frente costuma ser de 1,25 ponto percentual. Porém, segundo Foreaux, essa diferença tem ficado cerca de 1,8 ponto percentual acima da meta de 3%, em um sinal de que o mercado começa a trabalhar com uma mudança na dinâmica de inflação à frente.
“Os prêmios estavam rodando a níveis mais baixos, mas isso mudou muito rápido, na medida em que ficou evidente que estava ocorrendo uma discordância muito grande entre governo e Banco Central, o que fez com que alguns temores voltassem para os preços dos ativos”, afirma.
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No Boletim Focus, essa mudança também já começou a dar as caras, diante da desancoragem das expectativas inflacionárias de médio prazo. A mediana das projeções dos economistas de mercado para o IPCA de 2025 deixou os 3,5% do início do ano e, agora, está em 3,9%. Com isso, está mais perto do teto da meta (4,5%) do que do centro da banda (3%).
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Na visão de Camilo Cavalcanti, sócio e gestor da Oby Capital, o recente movimento de elevação na inflação “implícita “está relacionado, em parte, ao comportamento do dólar. “Demora um pouco, mas esse movimento do câmbio vai chegar aos números de inflação. Essa elevação das implícitas tem a ver com o câmbio se mantendo nesse patamar mais elevado. Hoje [sexta-feira] acaba o período que o Copom usa de corte nas suas projeções e o câmbio deve ter piorado uns 5% desde a última reunião. Isso deveria fazer com que as próprias expectativas do Copom venham um pouco mais altas”, diz.
De acordo com Cavalcanti, o ambiente de atividade econômica resiliente, a depreciação cambial, o mercado de trabalho apertado e incertezas quanto à condução da política fiscal também entram na conta dos participantes do mercado e se refletem nas revisões para cima das projeções de inflação e também na inflação “implícita”.
A Oby Capital, hoje, não tem posições relevantes em inflação. “Exceto nas de longo prazo, que usamos como proteção. Quando ocorre algum choque que não está no radar, normalmente os DIs [juros futuros] acabam subindo muito e as taxas das NTN-Bs subindo menos. Mas, fora isso, não temos muita convicção sobre a inflação ‘implícita’ neste momento”, afirma.
Ainda que reconheça que a inflação de mercado tem operado em níveis altos em relação à média histórica, o gestor não diz ver muito espaço para que a aposta na queda das “implícitas” ganhe espaço na indústria de multimercados. “Os fundos não têm muita gordura para queimar e acho que precisaria de um prêmio ainda maior para isso se tornar uma aposta mais óbvia”, diz Cavalcanti.
O gestor tampouco vê um espaço tão claro para que o juro real retome patamares mais baixos, alterando o prêmio positivo atual em relação às implícitas. “Se o Banco Central precisa mesmo buscar uma meta de 3%, como passou a fazer recentemente, ele vai precisar manter esses juros reais em níveis elevados. Ainda mais com o governo fazendo uma expansão fiscal. O que tínhamos de equilíbrio antes, de juro real mais baixo e ‘implícita’ mais alta, pode não voltar a ocorrer tão cedo”, defende o profissional.
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Nessa dinâmica de piora dos prêmios de inflação, o que tem chamado a atenção do estrategista macro Álvaro Frasson, do BTG Pactual, é a relação entre a inflação “implícita” e o juro real medido pelas NTN-Bs. “Historicamente, sempre tivemos uma inflação implícita maior que o juro real. O mercado normalmente desconfia da capacidade do governo de entregar a inflação que está prometendo. O que acontece agora é que vemos um juro real muito alto e imaginamos que isso não deve ser uma verdade permanente e que devemos ter uma reversão em algum momento”, afirma.
Enquanto a inflação de mercado de dois anos tem rodado em torno de 4,8%, a NTN-B para agosto de 2026 aponta um juro real de 6,65%. E, mesmo em outros vencimentos, com prazos mais longos, os juros reais têm operado bem acima do nível psicológico de 6%.
Um fator que poderia levar a um movimento de queda dos juros reais, de acordo com o estrategista, seria uma função-reação mais “dovish” (suave) do BC no próximo ano. “Aí poderíamos voltar ao velho normal do juro real mais baixo. Haveria uma troca de um juro real mais baixo por uma inflação implícita mais alta”, diz Frasson.
O estrategista avalia, ainda, que a elevação nos juros reais de curto prazo guarda relação com a postergação do início do ciclo de cortes nas taxas pelo Federal Reserve (Fed), nos Estados Unidos, já que o fenômeno pode ser observado em boa parte dos títulos soberanos de países emergentes. O movimento, contudo, também foi potencializado pelos ruídos locais, aponta.
“O governo, nos últimos anos, acabou se comunicando de forma a deixar margem para a incerteza fiscal ou enfraquecendo a credibilidade do arcabouço fiscal que ele mesmo criou. Já a elevação das implícitas pode guardar uma desconfiança com a condução futura da política monetária”, avalia.
Fonte: Valor Econômico

