Competências ligadas a dados são uma necessidade para 44% dos profissionais da área, aponta pesquisa
Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo
20/04/2023 05h02 Atualizado há 3 horas
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Júlio Monte, diretor acadêmico do Ensino Einstein, diz que entre as habilidades digitais reforçadas na graduação está a abordagem na telemedicina — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Os profissionais de saúde estão sob pressão. Além dos desafios trazidos pela pandemia no ambiente de trabalho, correm para não ficar desatualizados diante das novas tecnologias de apoio à prática médica.
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Uma pesquisa realizada pela consultoria Deloitte com 228 médicos no Brasil indica que duas entre as quatro principais mudanças necessárias para o alinhamento da carreira na área, no futuro, serão ligadas à inovação tecnológica. Depois da capacitação sobre empreendedorismo e negócios na medicina, apontada por 55% dos respondentes, e o desenvolvimento de habilidades para trabalhar em equipe (50%); as competências relacionadas ao uso de dados (44%) e o treinamento em novas tecnologias (43%) foram as necessidades profissionais mais citadas. A maioria dos entrevistados atua no Sudeste (73%), em clínicas especializadas (31%) e hospitais privados (21%), com tempo de experiência entre 18 e 26 anos (31%).
“Entre as tendências do setor, observamos que o compartilhamento e a avaliação dos dados de pacientes serão realizados de forma cada vez mais simples nos próximos anos, como na análise de diagnósticos por imagem, que pode usar inteligência artificial [IA] para detectar doenças”, diz Fátima Soares de Pinho, sócia para a indústria de ciências da vida e cuidados da saúde da Deloitte.
A importância da participação do paciente no andamento dos tratamentos também deve evoluir com as novas tecnologias, garante a consultora. “Mais de dois terços dos médicos acham que, em cinco a dez anos, será comum que os pacientes tenham posse e controle dos seus próprios dados de saúde.”
Júlio Monte, diretor acadêmico do Ensino Einstein, braço de ensino e pesquisa do Hospital Albert Einstein, diz que a relação “corpo a corpo” entre médico e paciente jamais será totalmente substituída pelas ferramentas digitais – e que toda “novidade” precisa ser bem avaliada antes da incorporação às atividades de assistência. “O cuidado do profissional se dá pelo contato, o que pode também envolver uma teleconsulta”, pondera. “Mas, mesmo assim, sempre teremos duas pessoas ‘juntas’, uma de cada lado da tela.”
De acordo com levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil, as teleconsultas foram utilizadas por 33% dos médicos do país em 2022 e houve crescimento no uso de rotinas ligadas a sistemas digitais, em comparação a 2019, ano anterior à crise da covid-19.
Os avanços mais acentuados aconteceram no manejo dos dados eletrônicos dos pacientes, como na listagem de medicamentos prescritos (74% de utilização em 2019 e 85% em 2022) e nas anotações de acompanhamento (69% para 79%). Já o monitoramento remoto de doentes cresceu de 9% para 23%. A pesquisa analisou 2,1 mil gestores de estabelecimentos de saúde e 1,9 mil profissionais da área entre abril e outubro de 2022.
Na visão de Monte, a capacitação dos profissionais, durante e depois da vida acadêmica, precisa ir além do trabalho com dados. Ele conta que na graduação em medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, criada em 2016, as aulas já substituem o estudo com cadáveres reais pela anatomia digital, enquanto habilidades on-line são reforçadas em disciplinas que abordam o atendimento por telemedicina. “O potencial de explorar a consulta a distância ocorre desde o início do curso, antes da crise sanitária”, diz, acrescentando que a grade curricular também abrange temas como big data e IA nos eixos relacionados à gestão e liderança.
De acordo com a pesquisa da Deloitte, 55% dos respondentes indicam que tecnologias como IA e redes 5G serão as protagonistas de maior impacto no setor, nos próximos dez anos. “Médicos que não puderam contar com a presença das últimas novidades nas graduações terão de incorporá-las em suas rotinas”, avisa Monte.
Cláudio Saddy Rodrigues Coy, diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), destaca que o curso de medicina da instituição está propondo um novo modelo curricular, para 2024, que inclui disciplinas de saúde digital. “O objetivo é abordar redes, comunicação e segurança on-line, além de IA, telemedicina e robótica”, adianta o médico cirurgião. Mas o maior desafio no aprendizado das capacidades digitais se concentra nas questões éticas, ressalta. “A tecnologia evolui em uma velocidade muito superior às reflexões que deveríamos fazer em torno dela”, explica. “O aspecto ético sobre o tratamento das informações obtidas [nas consultas] requer uma atenção especial para que as inovações não se tornem um problema para o profissional.”
Esse receio aparece na sondagem da Deloitte. Apesar do apetite da categoria de ampliar a adoção de recursos avançados, a responsabilização por eventuais erros, os custos e os riscos cibernéticos ligados às tecnologias estão entre os maiores temores. A definição sobre de quem será a responsabilidade por falhas atribuídas à utilização de novos equipamentos – o fabricante, o vendedor da solução ou o médico – é uma preocupação de seis a cada dez profissionais, sendo que 51% não têm ideia das despesas que arcarão com as novidades nos consultórios, e 49% desconhecem a vulnerabilidade dos sistemas a ataques de hackers.
Na visão do ortopedista Diogo Hiroshi Beçon Kussakawa, formado há 19 anos e fundador da Agilizamed, uma startup de telemedicina focada em reduzir as filas na rede pública de saúde, os médicos ainda precisam vencer a resistência dos enfermos com o atendimento remoto, passo inicial de uma medicina mais “digital”.
Na análise da Deloitte, a capacidade de estabelecer empatia com os doentes é defendida por 37% dos pesquisados como uma das frentes de ação mais importantes para os profissionais, no futuro. “O paciente ainda apresenta desconfiança sobre a assistência a distância e nem todos estão familiarizados com aplicativos de videoconferência e compartilhamento de exames”, afirma Kussakawa.
O médico psiquiatra Napoleão Azevedo, graduado em 2018, diz que com a disseminação das consultas por vídeo precisou aprender mais sobre a adoção da assinatura digital nos protocolos médicos. “Também foi preciso orientar os pacientes com dificuldades no uso dos recursos e saber como avaliar alguns sintomas físicos pela câmera”, detalha. O número de atendimentos on-line do especialista, que desde 2021 integra o corpo clínico da rede de centros médicos dr.consulta, chegou a 100% na crise sanitária. “Hoje, cerca de 50% são realizados de forma virtual.”
Fonte: Valor Econômico