Nem mesmo a unanimidade na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de manter a Selic em 10,5% conseguiu amenizar a desconfiança dos participantes do mercado com os rumos da política econômica doméstica. O alívio durou pouco e se concentrou mais nos juros de curto prazo, que tiveram descompressão diante da sensação de que o sarrafo para elevações na Selic parece alto. O dólar, nesse contexto, devolveu toda a queda do início do pregão, voltou a subir e alcançou o maior nível de fechamento em 23 meses, ao ser cotada a R$ 5,4622, enquanto os juros de longo prazo voltaram a ficar acima de 12%.
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“O Copom deslizou em maio, com o dissenso da forma como foi, mas a grande pedra no sapato do mercado não é o BC, mas sim o fiscal. Desde que a medida provisória (MP) dos créditos do PIS/Cofins foi rejeitada, ficou nítido que a sociedade e o Congresso não aceitam mais impostos e exigiu uma solução pelos gastos. E os gastos do governo estão explodindo, seja via previdência ou BPC… No final, isso se junta à indexação de saúde e educação e espreme a discricionariedade do Orçamento. O limite de 2,5% de crescimento das despesas do arcabouço não parece factível”, diz o sócio e gestor de renda fixa da Legacy Capital, Gustavo Pessoa.
“Já faz uma semana desde que tudo isso aconteceu e nenhuma medida concreta foi tomada. O que parece é que a urgência do governo não é a mesma do mercado. Se realmente houver a intenção de fazer algo do lado do gasto, não parece ter urgência. E aí o mercado testa novos níveis de piora, enquanto uma solução não aparece. O Copom foi no limite do que poderia fazer para tentar acalmar o mercado, mas o BC é passageiro. É preciso uma solução fiscal”, enfatiza.
Nesse sentido, Pessoa afirma que a Legacy está bastante leve em posições nos ativos brasileiros e tem apostado mais em estruturas relativas, como a compra de dólar/real contra outras moedas. “O mundo emergente está cheio de histórias tristes, mas o filme do Brasil tem sido uma história de terror. O Brasil está muito mal, estamos apanhando bem mais que os pares”, afirma o gestor, ao lembrar que, nos últimos dias, os ativos mexicanos, que foram afetados pelo resultado das eleições, têm mostrado alguma recuperação, ao contrário dos mercados brasileiros.
No acumulado desta semana, o dólar exibe uma alta expressiva no mercado local, de 1,49% contra o real, enquanto anota uma queda de 0,46% ante o peso mexicano.
“Eu não lembro de precedente onde a Fazenda é minada pela Casa Civil. É a primeira vez em que eu vejo a Fazenda com tão baixo apoio e esse é o cerne do problema. Desde a distribuição de dividendos da Petrobras, o mercado começou a perceber que a Casa Civil está jogando contra a Fazenda e que parece estar ganhando essa guerra“, afirma o gestor da Legacy.
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A necessidade de maior clareza em relação à condução da política econômica foi reforçada pela economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi. Após classificar a decisão do Copom como “acertada” e dizer que a autarquia “cumpre com o seu mandato, em defesa daqueles que não têm como se proteger contra a inflação”, a ex-secretária do Tesouro Nacional afirmou que “a bola, agora, está com o governo, em mostrar o seu compromisso com a austeridade nas despesas públicas e na melhoria dos mecanismos de gestão desses recursos”.
Em declarações em seu perfil no LinkedIn, Vescovi diz que o Brasil “gasta muito” e que precisa ser “incansável” em tentar gastar menos e melhor. “Quanto mais gastos, mais juros. Há muito espaço para racionalizar recursos e melhorar a vida das pessoas, inclusive permitindo a convivência com taxas de juros mais baixas”, diz a economista.
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É o que também aponta a estrategista-chefe do Inter, Gabriela Joubert, para quem a decisão unânime do Copom foi importante, em um ambiente que compreende um exterior um pouco mais calmo. Ela enfatiza que, localmente, “o peso das questões fiscais continuará elevado, assim como o comportamento do BC, que o mercado espera que continue técnico”.
A executiva acrescenta que momentos de cortes de juros nos Estados Unidos trazem, historicamente, resposta positiva em mercados emergentes e avalia que isso pode ocorrer de novo, a depender do cenário doméstico. “Uma Selic a 10,5% ainda é restritiva e deixa uma gordura para voltar a cortar [os juros] quando o Fed iniciar seu ciclo, mas precisamos, paralelamente, de uma melhora interna. Não dependemos mais só do Fed.”
Enquanto a desconfiança do mercado com a condução da política econômica segue em alta e pressiona os juros de longo prazo, a decisão do Copom conseguiu provocar uma retirada de prêmios dos juros de curto prazo. Nas últimas semanas, o mercado começou a embutir nos preços a possibilidade de uma elevação na Selic até o fim deste ano, na medida em que a piora na percepção de risco afetou em cheio a quantidade de prêmio exigida pelos investidores.
Entre os juros de curto prazo, a taxa do DI para janeiro de 2025 caiu de 10,67% para 10,63%, enquanto a do DI para janeiro de 2026 recuou de 11,295% para 11,23%. Na mesma toada positiva, o Ibovespa encerrou o pregão em alta de 0,15%, aos 120.446 pontos, após oscilar entre margens estreitas ao longo de toda a sessão.
“A reação [ao Copom], pudemos ver na abertura, que foi boa. Ao longo do dia, outros fatores vão entrando nos preços. É difícil dizer que os movimentos intradiários foram causados por algum motivo específico, mas a piora do mercado coincidiu com as declarações do presidente Lula, mais uma vez. Como se fizesse o mercado lembrar de que, apesar de o Copom ter sido bom, o governo ainda não tem ajudado”, afirma Jorge Dib, sócio e gestor da Galapagos Capital.
Com a queda dos juros curtos, Dib avalia que o principal efeito do Copom foi ter diminuído a expectativa do mercado de um BC ainda mais conservador, com possíveis elevações na Selic no curto prazo.
Ele, contudo, nota que os juros longos exibiram um desempenho pior na sessão. “Na medida em que a ponta longa é mais afetada pelos receios com a política fiscal e menos pela política monetária, o cenário acabou não mudando muito após o Copom. E ainda tivemos o efeito do câmbio piorando ao longo do dia”, diz. De acordo com Dib, a Galapagos mantém posições aplicadas (que ganham com a queda das taxas) em juros de curto prazo e tomadas (que ganham com a alta das taxas) em juros longos.
A piora no desempenho dos ativos domésticos durante críticas do presidente Lula à interrupção no ciclo de flexibilização da Selic, também foi notada por um trader de câmbio da tesouraria de um banco local. Em condição de anonimato, ele diz que “o discurso do governo, até agora, é voltado para a sua base, sem uma ação efetiva para melhorar o problema fiscal”. “O Copom, em si, tirou um pouco da volatilidade do mercado, mas o governo foi lá e jogou fogo novamente”, afirma.
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Vale notar, porém, que a sessão também foi marcada pelo aumento dos rendimentos dos Treasuries, ainda que em níveis bastante contidos. “Se continuar assim no exterior [com um ambiente negativo] e conseguirmos melhorar o doméstico, a recuperação pode se dar em estágios, e não uma retomada mais rápida, porque você vai ter uma melhora equilibrada com o risco de fora”, diz o economista-chefe da Western Asset no Brasil, Adauto Lima.
Para ele, o Copom ajudou a reduzir a incerteza criada no passado sobre a condução da política monetária. O economista, porém, ressalta que, apesar de não haver um estreitamento adicional do diferencial de juros, esse elemento não é o único a exercer influência sobre o câmbio e cita outros fatores, como a questão fiscal. “A meu ver, foi mais relevante termos demonstrado que há uma âncora monetária, que busca convergir a inflação à meta.”
Fonte: Valor Econômico
