Por Alessandra Saraiva — Do Rio
30/03/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
Discutir a tributação de grandes fortunas, lucros e dividendos e heranças é fundamental para a próxima reforma tributária do país, após concluído o debate acerca da simplificação de impostos sobre o consumo. A ideia foi defendida ao Valor por Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
No entendimento do pesquisador, ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda, os problemas que cercam regras sobre tributos no Brasil não serão superados somente com a PEC 46/2022, a Proposta de Emenda Constitucional da reforma tributária.
A PEC 46 unifica cobrança de ICMS e de ISS e foi apresentada ao Senado neste ano. “Essa [a que trata de impostos sobre o consumo] é a reforma mais amadurecida, do ponto de vista técnico. Agora a discussão que temos que ter é: qual a próxima reforma [tributária]?”, questionou.
Pires reconhece que falar em tributar grandes fortunas, lucros, dividendos e heranças são temas complexos de se debater politicamente. “Ninguém gosta de pagar imposto”, admite. No entanto, reiterou que, em sua análise, o Brasil pode e deve iniciar uma discussão técnica sobre esses temas, caso se queira construir um sistema tributário mais justo no país.
No caso de grandes fortunas, o economista comentou que, no momento, ocorre processo de “revisionismo” dos sistemas tributários no mundo, no que concerne a essa questão. “Havia basicamente entendimento que, se você tributasse menos pessoas mais ricas, elas investiriam mais, criariam emprego e beneficiariam mais pobres”, comenta. “Mas isso não gerou mais crescimento, e sim mais desigualdade.”
Na pandemia, em 2020, a situação ficou mais evidente, acrescenta Pires. Com a crise econômica originada do problema sanitário, tornou-se mais visível a situação de vulnerabilidade econômica dos mais pobres, no mundo. Para ele, ao desonerar pessoas mais ricas, elas simplesmente atuaram para preservar seu poder econômico.
No Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. Ao ser questionado se propostas como a do Projeto de Lei Complementar – PLP 101/2021, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de tributar patrimônios acima de R$ 4,67 milhões seria solução, Pires é cauteloso.
Para ele, é preciso taxar grandes fortunas dentro de um contexto mais amplo, que abarque todas as regras de tributação do país.
Tendo isso em vista, é preciso discutir qual é o melhor desenho para taxação de grandes fortunas, ressalta. O tema exige debater, também e ao mesmo tempo, taxação de lucros e dividendos. O economista chamou a atenção para a correlação entre os dois temas e comentou que, no país, 58% da renda da parcela da população equivalente ao 0,1% mais ricos está na forma de lucros e dividendos, que não são tributados no Brasil.
Na “próxima reforma” o pesquisador defende pensar em ações concomitantes e evitar propostas com medidas únicas – sem se pensar como estão inseridas no sistema tributário brasileiro como um todo.
Pires deu alguns exemplos de como propostas individuais poderiam ser ineficientes. Muito se fala em reformar a tabela de Imposto de Renda, diz, e usar declarações de IR como base de informação para se taxar grandes fortunas. “Será que os países que aplicam imposto sobre grandes fortunas não experimentam movimentos de fuga de capital e de subdeclaração de ativos? Aparentemente sim”, afirma. Para ele, a possível regulamentação de imposto sobre grandes fortunas deve ser acompanhada de medidas de fiscalização eficazes.
Outro exemplo é a taxação de lucros e dividendos. Poucos países no mundo não taxam lucro e dividendo como o Brasil, diz Pires. Mas ele destacou que essa medida não precisaria ser aplicada sozinha. Poderia se estabelecer alíquota de imposto de renda para lucros e dividendos distribuidos por empresas a pessoas físicas ou jurídicas e, ao mesmo tempo, a regra ser acompanhada de redução em alíquota de imposto para pessoa jurídica, sugere. Isso evitaria que a taxação parecesse espécie de punição para empresa que foi eficiente e conseguiu lucrar.
Pires também defende que se tributem heranças. Ele destacou que a medida poderia estimular crescimento econômico. Segundo o economista, sem taxação de herança o que ocorre é acúmulo de riqueza na passagem de gerações de famílias; e não por decisão econômica. “Isso estimula pessoas a produzirem hoje e não somente serem herdeiros”, comentou. Assim, mais empresas e empregos são gerados, com impacto benéfico para a economia e para a arrecadação.
Os temas serão assunto do seminário na FGV, no bairro de Laranjeiras, zona sul do Rio, nesta quinta-feira (30). No evento, Pires e outros pesquisadores debaterão o livro: “Progressividade tributária e crescimento econômico”. Lançada ano passado, a obra é e organizada pelo próprio Pires, com artigos dele e de outros estudiosos. No livro, o economista destaca a importância de se discutir tributação nesses três campos.
Fonte: Valor Econômico

