Os consumidores não estão enganados: os artigos de luxo estão bem mais caros hoje em dia, sem uma melhoria na qualidade para justificar o aumento. As vendas fracas parecem ser um problema mais profundo do que algumas marcas querem admitir.
Uma camiseta básica de algodão com a marca Christian Dior agora lhe custará US$ 1.000. Os mocassins pretos mais simples da Gucci estão custando US$ 990. Que tal um cardigan Brunello Cucinelli por US$ 8.995? Os consumidores compram artigos de luxo exatamente porque se diferenciam dos demais, como pessoas que podem gastar muito dinheiro com eles. Mas as marcas só podem ir até certo ponto antes que as rachaduras comecem a aparecer.
Psicólogos que estudam o comportamento dos consumidores apontam que as pessoas compram produtos de grife por razões emocionais. A principal delas é se diferenciar da multidão e sinalizar onde elas se encontram na hierarquia social. As marcas de luxo gastam bilhões de dólares por ano em propaganda, para garantir que seus produtos se tornem símbolos de riqueza e sucesso na mente dos consumidores.
Alguns compradores de artigos de luxo gostam de exibir sua riqueza mais do que outros. Aqueles que querem fazer uma afirmação tendem a gravitar em torno de marcas com logotipos maiores, para transmitir um sinal mais evidente.
Os ultrarricos, por outro lado, não tendem a exibir tão gritantemente sua riqueza. Eles compram as marcas de luxo mais caras, mas mais discretas, como a Hermès.
Um estudo mostrou que para cada aumento de US$ 5.000 no preço dos artigos de luxo, a logomarca encolhe um centímetro. Em outras palavras, o sujeito que usa logomarcas da cabeça aos pés provavelmente não é um dos maiores compradores de artigos de luxo.
Como os compradores valorizam os artigos de luxo como símbolo de status, eles estão dispostos a pagar um ágio enorme por eles. As marcas de luxo rotineiramente cobram uma margem de lucro de oito a 12 vezes sobre o custo de produção de seus bens, segundo estimativa da Bernstein. Isso torna o negócio de venda de artigos de luxo muito lucrativo. As principais marcas de luxo podem gerar margens operacionais de mais de 30%, em comparação com cerca de 7% para marcas de moda do mercado de massa, como Gap e H&M.
As marcas de luxo são os chamados bens de Veblen: uma categoria de produtos de consumo que inverte as leis usuais da economia. Em vez de sofrer uma queda na demanda quando os preços sobem, os bens de luxo podem se tornar mais procurados se os compradores interpretam os preços mais altos como um sinal de que os produtos são preciosos e escassos.
Artigo de luxo médio é 60% mais caro do que em 2019
Só que não é isso que está acontecendo hoje. O artigo de luxo médio é 60% mais caro hoje do que era em 2019, segundo aponta uma análise do HSBC. Mas o setor está passando por um de seus períodos mais difíceis em anos.
As vendas das oito marcas de artigos de luxo que divulgaram até agora os resultados do terceiro trimestre caíram em média 4% em relação ao mesmo período do ano passado.
Há uma enorme divergência entre as marcas: aquelas conhecidas pela qualidade e criatividade, como Hermès e Miu Miu, continuam vendendo bem. A maioria das outras está sofrendo. A Gucci é a que vem tendo o pior desempenho no setor, com as vendas caindo 25% no trimestre.
Os consumidores chineses, que geraram mais da metade do crescimento do setor de artigos de luxo nos últimos anos, estão retraídos enquanto o valor de suas casas cai.
Mas os consumidores também estão questionando se as marcas de luxo valem os preços que estão cobrando.
As margens brutas aumentaram em todo o setor de artigos de luxo desde o final de 2019 – um período em que as marcas aumentaram seus preços no ritmo mais acelerado em décadas.
A LVMH, controladora da Louis Vuitton, aumentou sua margem bruta em mais de 2 pontos porcentuais nesse período; a Richemont, controladora da Cartier, ganhou 7 pontos porcentuais.
Isso pode ser explicado em parte pelo aumento dos gastos dos consumidores chineses durante a pandemia na China continental, onde os preços dos artigos de luxo são mais altos. Mas margens brutas mais robustas também são um sinal de que as empresas de luxo aumentaram os preços mais rápido do que investiram na qualidade de suas matérias-primas.
“Os preços foram usados como uma forma de lidar com uma demanda enorme por marcas de luxo durante a pandemia”, diz Luca Solca, analista do setor na Bernstein. “Mas se os clientes têm que pagar preços mais altos, você tem que dar a eles algo novo e surpreendente.”
Aumento nos comentários negativos sobre as marcas
Uma maneira de descobrir se os aumentos de preços prejudicaram seu apelo é observar como as marcas estão sendo discutidas on-line. Com base em uma análise da empresa de dados de mídia social Brandwatch, houve um aumento nos comentários negativos sobre as marcas de artigos de luxo nas plataformas on-line no terceiro trimestre, o que coincidiu com polêmicas sobre a cadeia de abastecimento do setor.
Uma investigação italiana descobriu que as bolsas da Christian Dior, que custam cerca de US$ 2.800, são montadas por apenas US$ 58. No entanto, os consumidores seguiram em frente rapidamente, e a repercussão negativa diminuiu.
Mas as conversas on-line especificamente sobre preços continuam muito negativas. Com base em uma análise do humor dominante nas postagens nas redes sociais em discussões sobre preços de marcas de luxo de janeiro a outubro deste ano, a principal emoção manifestada em mais de 60% das postagens foi a raiva, desgosto ou tristeza, segundo a Brandwatch.
Certamente, as marcas de luxo podem estar usando os preços mais altos para administrar uma tensão crescente em seus negócios. Nas últimas duas décadas, elas aumentaram as vendas “democratizando” o acesso aos artigos de luxo. Ao entrar em categorias mais baratas com cosméticos, óculos de sol e pequenas bolsas, elas intencionalmente atraíram milhões de novos consumidores da classe média.
Visar essa base mais ampla de consumidores mais do que triplicou o valor das vendas mundiais do setor desde 2000 e criou algumas das maiores fortunas da Europa. Bernard Arnault, o fundador da LVMH, é hoje a terceira pessoa mais rica do mundo. Por um tempo, sua empresa foi a ação mais valiosa da Europa – então, ela foi superada pela Novo Nordisk, fabricante do medicamento Ozempic, no ano passado.
Mas as redes sociais estão tornando mais difícil para as marcas de luxo manter a exclusividade. “As redes sociais tornam mais fácil ver o que os outros estão usando, mas quando parte do que você está vendendo é escassez, isso pode ser desafiador”, diz Jonah Berger, um professor de marketing da Universidade da Pensilvânia. “As coisas podem parecer menos escassas e as empresas espertas estão tentando pensar em como administrar isso”. Uma maneira de reduzir o risco de exposição excessiva é vender menos itens a preços muito maiores.
O problema é que a mudança das marcas em direção à democratização as tornou muito mais dependentes de consumidores em situação confortável, ainda que não ricos, para uma grande parcela de suas receitas. Mais da metade das vendas do setor de artigos de luxo são feitas para compradores que gastam menos de US$ 3.000 por ano com produtos de grife. Afugente-os com aumentos nos preços e suas vendas inevitavelmente cairão.
Se a verdadeira arte de vender artigos de luxo é fazer com que os consumidores se sintam privilegiados em desembolsar milhares de dólares em produtos com preços muito acima de seu valor funcional, algumas marcas estão perdendo o jeito. (Tradução de Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico