Por Martin Arnold — Financial Times, de Frankfurt
25/05/2022 05h03 Atualizado há 6 horas
Os laços cada vez mais profundos entre o mercado de criptoativos e os bancos e gestores de recursos representarão uma ameaça à estabilidade financeira, alertou o Banco Central Europeu (BCE), em mais um sinal de como os bancos centrais e governos vêm intensificando a atenção dedicada ao setor.
Ontem, o BCE informou ter realizado um “mergulho profundo na alavancagem dos criptoativos e nos empréstimos ‘cripto’” e encontrado evidências de que essas atividades vêm se tornando mais arriscadas, complexas e interconectadas com as instituições tradicionais.
“Os investidores conseguiram lidar com o declínio de 1,3 trilhão de euros na capitalização de mercado de criptoativos não garantidos desde novembro de 2021 sem incorrer em nenhum risco à estabilidade financeira”, segundo o BCE. “No entanto, a esse ritmo, se chegará a um ponto em que os criptoativos não garantidos representarão um risco à estabilidade financeira.”
O alerta, primeiro do tipo emitido pela autoridade monetária, foi publicado como parte de sua revisão semestral da estabilidade financeira e seguiu-se a mensagens similares de autoridades dos Estados Unidos e Reino Unido, que têm se inquietado com uma série de recentes tombos no mercado de criptoativos.
O valor do bitcoin, principal criptomoeda do mundo, caiu pela metade desde novembro e recentemente ficou abaixo de US$ 30 mil pela primeira vez desde o verão europeu passado. A “stablecoin” mais importante do mercado, a tether, perdeu temporariamente seu pareamento ao dólar americano, enquanto a rival terraUSD praticamente perdeu todo o seu valor.
Recentemente, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, fez um alerta sobre as stablecoins dizendo que apresentam o mesmo tipo de risco associado às corridas bancárias, reverberando uma comparação semelhante feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
No último fim de semana, a presidente do BCE, Christine Lagarde, disse na TV holandesa que um token de criptoativo “não vale nada, não se baseia em nada, não há ativo subjacente para atuar como âncora de segurança”. Fabio Panetta, um executivo do BCE, recentemente comparou o setor a um “esquema de pirâmide” e defendeu uma ofensiva fiscalizadora para evitar um “frenesi sem lei de assunção de riscos”.
O BCE trabalha na criação de um euro digital e pretende elaborar um protótipo de teste em 2023 para decidir se o lançará três anos depois. Lagarde disse que a moeda digital própria apoiada por seu banco central seria “imensamente diferente de muitas dessas coisas”.
Os laços entre bancos da região do euro e criptoativos “têm sido fracos até agora”, apontou o BCE em seu relatório de ontem, acrescentando: “Os contatos do mercado indicam que houve um crescente interesse em 2021, principalmente por meio de portfólios expandidos ou serviços auxiliares associados a ativos digitais (incluindo serviços de custódia e corretagem)”.
O BCE destacou que grandes redes de pagamento “intensificaram seu apoio a serviços de criptoativos” e que investidores institucionais “agora também estão investindo em bitcoin e criptoativos de forma mais generalizada”.
Recordando que os fundos de investimento institucionais alemães estão autorizados a colocar até 20% de suas participações em criptoativos desde 2021, o BCE ressaltou que esses investimentos têm sido auxiliados pela disponibilidade de derivativos baseados em criptoativos e por papéis negociados em bolsas.
O banco central também citou riscos relacionados às “finanças descentralizadas” (conhecidas em inglês pela sigla DeFi), que consistem em programas de software baseados em criptomoedas oferecendo serviços financeiros sem o uso de intermediários, como os bancos.
“O crédito em criptomoedas nas plataformas DeFi cresceu 14 vezes em 2021, enquanto o valor total bloqueado estava pairando em torno aos 70 bilhões de euros até muito recentemente, no mesmo patamar dos pequenos bancos domésticos da periferia da Europa”, segundo o BCE. Além disso, o refinanciamento das garantias, na qual a garantia de um empréstimo é usada contra outro empréstimo, aumentou as chances de violação dos limites de alavancagem.
Algumas bolsas de criptoativos têm oferecido empréstimos aos clientes, permitindo que eles aumentem sua exposição em até 125 vezes o investimento inicial, de acordo com o BCE. No entanto, “persistem deficiências significativas nos dados e informações”, de forma que “não é possível apurar o alcance total dos possíveis canais de contágio para o sistema financeiro tradicional”.
De acordo com pesquisa recente do BCE, até 10% das famílias da União Europeia “podem ter criptoativos”, embora a maioria tenha investido menos de 5 mil euros no setor. De forma similar, uma pesquisa do Fed divulgada na segunda-feira calculou que 12% dos adultos americanos tiveram ou usaram criptomoedas em 2021.
A UE está concluindo uma lei, chamada de mercados de criptoativos, mas o BCE destacou que ela não entrará em vigor até 2024, pelo menos. “Dada a velocidade dos desdobramentos e dos riscos cada vez maiores das criptomoedas, é importante trazer os criptoativos para o perímetro regulatório e colocá-los sob supervisão em caráter de urgência”, segundo o BCE. (Colaborou Scott Chipolina, de Londres)
Fonte: FT / Valor Econômico

