Por Sérgio Tauhata*, Valor — Rio
26/09/2023 14h25 Atualizado há 21 horas
A grande história sobre 2023, especialmente nos EUA, foi o declínio extremamente rápido da inflação, sem grandes custos de redução de atividade e emprego, afirmou o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que participou nesta terça-feira da Fides 2023, conferência interamericana de seguros. “Tivemos uma espécie de desinflação imaculada e acho que a história é similar em vários lugares”, disse.
O economista lembrou ter havido um grande debate sobre se a inflação era permanente ou transitória. “O fato de ter subido tanto e ter permanecido elevada por um período longo parecia indicar que não era transitória. Mas agora parece transitória de novo. Estamos vivendo uma espécie de inflação transitória de trânsito longo.”
Krugman também chamou atenção para a percepção de que a grande preocupação com a inflação parece uma história hoje mais restrita ao ano passado. “A inflação era a preocupação predominante [em 2022] para um mundo em que, na verdade, as coisas estão indo muito melhor [atualmente]”, disse. Para o vencedor do Nobel, “a estabilidade financeira se está se tornando uma questão maior [no momento]”.
O acadêmico expressou preocupação com o comportamento do mercado de títulos americano. “Acho que tenho um pouco de medo [da abertura das taxas longas], mas me parece que se trata mais de uma questão de psicologia do mercado financeiro do que de fundamentos”, afirmou.
Krugman lembrou que, durante o período mais agudo da pandemia, os governos no mundo todo se empenharam em proteger a população dos efeitos da paralisação das atividades. “Nos Estados Unidos, o mais importante foi uma enorme expansão dos benefícios de desemprego e, em muitos outros países, como os europeus, a ajuda foi prestada principalmente através de folhas de pagamento. As empresas foram subsidiadas para manter os trabalhadores na folha de pagamento. A renda das pessoas foi mantida. E o bem-estar financeiro foi, em muitos casos, realmente melhor durante a pandemia do que antes. Mas a capacidade de produção da economia foi restringida, enquanto a renda das pessoas era essencialmente mantida. E quando você tem esse tipo de colisão, claro, o resultado é a inflação.”
O economista lembrou que, até o fim do ano passado, houve um grande aumento na inflação. “E então a pergunta foi: quão difícil será reduzir a inflação para níveis aceitáveis? Isso foi assunto de inúmeros debates entre economistas, decisores políticos, especialmente os bancos centrais. Os EUA não tinham uma inflação daquele nível desde o início dos anos 1980.”
O prêmio Nobel lembrou que o controle da inflação no passado sempre gerou um custo enorme para a economia. “Mas a grande história de 2023, que realmente se tornou óbvia agora, é que realmente tivemos um rápido declínio da inflação, sem quaisquer custos óbvios em termos de redução da produção”, considerou.
Conforme Krugman, “sempre existem tentativas de se extrair algum tipo de medida da inflação subjacente”. Para o economista, “a prática padrão, que exclui alimentos e energia [itens considerados mais voláteis], funcionou muito bem no passado, mas não foi adequada neste período”.
O especialista citou outras variáveis que indicam haver mais elementos, potencialmente voláteis, para se levar em conta nos cálculos de inflação subjacente. “Nos Estados Unidos, os preços dos carros usados – ninguém pensaria que fossem uma grande suposição -, mas tivemos aumentos e, posteriormente, quedas de 40% no preço dos carros, isso foi uma grande oscilação.” O acadêmico citou ainda as métricas usadas no setor imobiliário residencial que, segundo ele, “são indicadores muito atrasados dos custos de habitação”.
O especialista afirmou ser necessário observar mais variáveis para se definir a inflação subjacente. “Qual é a inflação subjacente além das coisas que podem ter levado o índice [de preços ao consumidor] a cair de 5,5% em meados do ano passado para 2,7% [atualmente]”, disse. Segundo Krugman, “na verdade, já fizemos a maior parte do caminho para a meta de 2% [de inflação para o Federal Reserve, o BC americano], sem qualquer recessão”.
De acordo com o economista, “então temos, basicamente, algo que se parece muito com uma vitória sobre a inflação, a um custo muito baixo”. É algo, conforme Krugman, que parece acontecer em vários países.
O especialista chama atenção ainda para o fato de que, apesar do forte aumento dos juros globalmente, “a economia tem sido notavelmente resiliente”.
Conforme o economista, do ponto de vista dos BCs, “o fato de a economia não ter desacelerado muito mesmo com os aumentos significa que eles estão com medo de mexer nas taxas de juros, porque isso pode levar a economia a superaquecer e trazer a inflação de volta”.
Segundo Krugman, “de repente, parece que a inflação é quase um problema resolvido, mas agora temos este problema com taxas de juro talvez persistentemente elevadas”. O economista avaliou que “uma possibilidade é que parece-me que os fatores subjacentes que mantiveram as taxas de juro baixas no passado continuam a existir”.
De acordo com o especialista, “algumas coisas que explicavam as taxas baixas, como as mudanças demográficas, esses fatores ainda estão em jogo”. “E eu esperava que as taxas de juros voltassem ao normal.”
No entanto, existem novas preocupações que podem influenciar no comportamento das taxas de mercado. Krugman explicou que, como a economia dos EUA se mantém resiliente, “muitas pessoas estão começando a perder a fé de que as taxas de juro regressarão aos níveis anteriores à pandemia”.
Além disso, “muitas instituições financeiras estão lutando com o mercado em baixa, o que levanta algumas preocupações para a estabilidade do mercado”. O economista citou ainda a questão do orçamento deficitário americano.
No passado, “muitas pessoas, inclusive eu mesmo, diziam que não havia problema porque as taxas de juros estavam tão baixas que não existia um problema real”. Mas, acrescentou, “com o nível atual de juros, essas coisas se tornam uma preocupação muito maior”.
*O jornalista viajou a convite da CNseg
Fonte: Valor Econômico

