Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
28/09/2022 05h02 Atualizado há 6 horas
Embora o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha mantido um tom conservador na ata da reunião da semana passada, publicada ontem, o mercado optou por voltar suas atenções, em especial, ao alívio na dinâmica inflacionária observado no IPCA-15 de setembro. Nem mesmo o estresse dos juros globais impediu um processo de retirada de prêmio das taxas futuras, que caíram em bloco ontem.
Em prazos mais curtos, a taxa do DI para janeiro de 2024, mais sensível às orientações e perspectivas para a política monetária, caiu de 12,95% para 12,81% no fechamento. Já no longo prazo, a taxa do DI para janeiro de 2029 recuou de 11,81% para 11,70%.
Na medida em que uma parcela do mercado continua a apostar em um início do ciclo de redução dos juros já no primeiro trimestre de 2023, o BC tem adotado uma postura dura em sua comunicação, como mostrou a ata do Copom divulgada ontem. O comitê indicou que irá perseverar em sua estratégia “até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
A deflação de 0,37% observada no IPCA-15 de setembro, porém, dominou as atenções no mercado de juros e ajudou a retirar do preço prêmios de inflação que estavam embutidos na curva. “O ambiente inflacionário segue complexo, mas mostrando alguma desinflação para além do efeito das renúncias tributárias”, observam os economistas José Maurício Pimentel e André Bruno Soares, da BB Asset Management.
Em relatório enviado a clientes, os profissionais apontam que o resultado do IPCA-15 “sugere algum progresso na desinflação”, ao se ter em vista que a queda do indicador foi mais intensa do que o consenso do mercado esperava. Nesse sentido, o recuo firme dos juros futuros também ajudou a reduzir as expectativas de inflação de mercado, que permanecem em trajetória de queda.
Dados da Renascença DTVM mostram que a inflação “implícita” extraída da NTN-B com vencimento em maio de 2023 cedeu de 4,68% na sexta-feira para 4,30% ontem, enquanto a inflação embutida na NTN-B que vence em agosto de 2024 caiu de 5,10% para 5,04%. A alta dos preços do petróleo no mercado internacional, porém, impediu um recuo mais significativo das “implícitas”.
O economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello, avalia que a melhora na inflação corrente tem sido animadora. Para ele, caso ocorram mais surpresas positivas, o início do ciclo de cortes de juros poderia ocorrer antes do previsto pelo mercado. “Nós achamos que a inflação está melhorando bastante e a surpresa de hoje [ontem] com o IPCA-15 foi muito importante nesse sentido”, avalia.
Martello observa que a inflação de serviços subjacentes dá sinais de que está fazendo pico “e o filme para este início do processo de desinflação está se saindo melhor que a encomenda”. “Se mais surpresas forem observadas, não descartamos cortes [na Selic] já em março”, diz.
O economista da Parcitas acredita que os indicadores de difusão devem continuar em trajetória de queda. Além disso, ele observa que as surpresas de baixa foram disseminadas no IPCA-15 deste mês. “Isso indica que algum componente que afeta muitos segmentos está perdendo força, que é uma demanda mais fraca. Há indícios de que os efeitos da política monetária começam a aparecer nos dados”, enfatiza Martello.
A ata do Copom, porém, ainda mostra que a preocupação do colegiado com os níveis da inflação de serviços segue elevada. Na avaliação do economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, sem um arrefecimento nos preços dessa categoria, o BC deve manter o juro básico estacionado em nível bastante restritivo.
“A inflação de serviços é mais resiliente. O BC descreve a inflação corrente com cautela, com os núcleos e a inflação subjacente acima dos níveis ideais. O Copom ainda vai precisar ver uma dinâmica de melhora na inflação para se sentir confortável com o início do processo de alívio monetário e, por isso, as taxas de juros devem ficar paradas por algumas reuniões”, afirma.
Ainda que a autoridade monetária tenha demonstrado cuidado com a comunicação na ata, Serrano diz ser “inevitável” que o mercado comece a embutir na curva de juros um início de ciclo de redução da Selic já no início do próximo ano. “Por mais que ele tenha tomado cuidado, é difícil o mercado não colocar na conta os cortes de juros”, diz.
No caso de um choque adicional, com alta nos preços das commodities, ou de uma mudança na âncora fiscal a partir do próximo ano, uma mudança poderia acontecer. “Mas esse não é o cenário mais provável”, afirma Serrano.
Não por acaso, em relatório enviado a clientes, o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, afirma que há mais riscos para o início do ciclo de cortes, hoje previsto pelo banco para junho de 2023, ser adiado do que ser antecipado. “E novos aumentos não podem ser descartados em caso de um ‘acidente’ fiscal durante as discussões orçamentárias de 2023 ou no início do próximo ano”, afirma. O Barclays, assim, espera que a Selic encerre o próximo ano em 11,25%.
O superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, Mauricio Oreng, acredita que, para haver uma mudança no plano de voo da autoridade monetária, de estabilidade dos juros por bastante tempo, seria exigido um “desvio maciço do cenário do BC”. “Continuamos a ver o BC lidando com os riscos inflacionários a partir de agora, tornando, ‘de forma autônoma’, sua postura monetária mais contracionista ao longo do tempo”, afirma.
O recuo gradual das expectativas de inflação de 2023 no Boletim Focus tem dado apoio adicional ao juro real ex-ante (esperado), que já ultrapassa 8%. “Com base nessa visão, nosso cenário antecipa que o segundo trimestre de 2023 terá a postura de política monetária mais restritiva em quase 20 anos”, escreve Oreng em nota enviada a clientes. O Santander acredita que a Selic encerrará o próximo ano em 12%.
Fonte: Valor Econômico

