O juro neutro embutido nas projeções do boletim Focus se descolou ultimamente da meta da taxa Selic, quebrando um padrão que vinha ocorrendo desde a adoção do regime de metas de inflação no Brasil.
Historicamente, havia uma forte ligação entre uma coisa e outra: quando o Banco Central apertava a taxa Selic de curto prazo, as projeções dos especialistas para os juros de longo prazo também subiam.
O economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello, levantou o quanto, exatamente, uma coisa puxa a outra, num trabalho desenvolvido junto o também economista Marcelo Ferman, sócio da gestora. Cada alta de um ponto na Selic leva a um aumento de 0,45 ponto no juro longo.
Mas, ultimamente, esse padrão se quebrou, e o juro de longo prazo tem respondido bem menos. Do ano passado para cá, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC subiu a meta da Selic de 2% para 12,75% ao ano. Mas o juro longo das projeções do Focus se mexeu pouco, saindo de 6% para 7%.
Os economistas fizeram um exercício para estimar onde o juro de longo prazo deveria estar, se tivesse seguido o padrão histórico. A conclusão é que o mercado deveria estimar um juro longo pouco maior que 10%.
Essa quebra de padrão tem repercussões para a condução da política monetária. O juro longo, quatro anos à frente, é uma estimativa da taxa neutra, aquela que não acelera nem desacelera a inflação. Para baixar a inflação, portanto, o BC teria que subir o juro além da taxa neutra.
Se o juro neutro for mesmo em torno de 7% ao ano, como indicam as projeções de longo prazo, a alta de juros para debelar a inflação já é considerável. Se for de 10%, então a dose de juros teria que ser ainda mais forte.
Por que, desta vez, as projeções do Focus de juro longo não acompanharam da mesma forma a alta da Selic? É possível que o BC esteja coordenando melhor as estimativas de juro neutro. O BC passou a falar mais sobre como calcula a taxa neutra e publicou as suas próprias estimativas e as de mercado.
E quais são as implicações disso para a execução da política monetária? Uma leitura possível é que o juro neutro não se moveu muito e, portanto, o nível de juros está bem mais alto do que em ciclos de aperto anteriores.
“Mas e se esse juro neutro estiver errado?” questiona Ferman. “A história diria que esse juro neutro deveria estar mais para 10% do que 7%. Se for isso, o aperto de juros que realmente entra na economia é bem menor que o Focus e o BC percebem.”
Um sinal de que o juro neutro Focus pode estar errado é que operadores de mercado não compram muito essa estimativa. Os juros negociados em mercado quatro anos adiante têm um prêmio de 5% em relação ao Focus equivalente, bem acima da média histórica, de 2%.
Há várias medidas de juro neutro, e os economistas são capazes de discutir por horas qual é a mais correta. O Copom usa nos seus modelos uma medida calculada de forma estatística, que pelo número mais recente estava em 3,5% reais, ou 7% nominais.
Mas o BC costuma ser o primeiro a dizer que não há verdade absoluta e que não é fácil medir a taxa neutra. Em dezembro de 2019, o Copom publicou um box no relatório de inflação que usa exatamente os juros longos previstos pelo mercado como uma aproximação da taxa neutra.
Em tese, a taxa neutra não deveria subir com a Selic corrente. Mas há uma linha de pesquisa exatamente sobre como uma coisa influencia a outra, incluindo um artigo recente de dois economistas do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Phurichai Rungcharoenkitkul and Fabian Winkler.
A ideia básica é que, quando um BC sobe os juros, manda sinais ao mercado sobre qual é a taxa neutra. O setor privado incorpora esses sinais nas suas decisões de consumo e de investimento – o que afeta a dinâmica da economia e volta a alimentar as estimativas do Banco Central.
Fonte: Valor Econômico
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