Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
24/11/2022 05h02 Atualizado
O ambiente de incertezas no mercado se agravou e a indefinição sobre os rumos da política fiscal se refletiu diretamente no comportamento dos juros futuros, que saltaram aos níveis mais altos desde 2016. O ambiente ainda bastante nublado em relação aos detalhes da PEC da Transição, como o prazo para os gastos fora do teto e o valor total do “waiver” (licença), leva o mercado a colocar no preço a chance de que o Banco Central volte a elevar a Selic, que alcançaria o nível de 15% no primeiro semestre de 2023.
“De todos, o mercado de juros é o que está sofrendo mais. O que pesa nos juros, de uma maneira até desproporcional em relação aos outros, é a incerteza com o pacote fiscal e, adicionalmente, as incertezas de política econômica de longo prazo. O peso é maior na renda fixa porque existe uma certa percepção de que, em um cenário em que ocorre um desarranjo fiscal, a única ferramenta disponível para se contrapor a uma turbulência maior seria a taxa de juros”, afirma o diretor de investimentos da Western Asset no Brasil, Paulo Clini.
Ontem, a sensibilidade do mercado de juros às discussões fiscais ficou ainda mais evidente. Enquanto houve estresse na curva de juros, o dólar terminou o dia praticamente estável, em queda de 0,05%, a R$ 5,3734, enquanto o Ibovespa sofreu leve baixa. Já a taxa do DI para janeiro de 2024 subiu de 14,355% para 14,57% na B3; e a do DI para janeiro de 2025 saltou de 13,665% para 13,945%.
“É compreensível parte do movimento”, afirma Clini. “Primeiro o mercado retirou da curva de juros os cortes que se imaginava que ocorreriam no início do ano que vem. Isso parece fazer sentido. A questão é que, nos últimos dias, o mercado não parou por aí e está indo um pouco além”, observa o executivo, ao notar que a curva de juros começa a precificar alguma chance de a Selic subir no início do próximo ano. “Não nos parece ser o plano de voo do Banco Central neste momento.”
Ao participar de evento organizado pela BlackRock ontem, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, voltou a dar ênfase às questões fiscais e disse que, neste momento, o Brasil está, “claramente, em um ponto de inflexão, no qual fazer mais [política fiscal] pode significar ter um efeito menor ou contrário ao que se espera em termos de geração de emprego e de levar benefício para quem está na ponta”. Além disso, o dirigente novamente lembrou que a curva de juros brasileira abandonou a precificação de redução da Selic e passou a indicar aumento da taxa básica à frente.
“É natural que o mercado cobre um prêmio maior, ao ter em vista a expansão fiscal que aparentemente vai acontecer. Claro que isso tem impacto e mexe nos modelos do próprio BC, que terá de ter ainda mais cautela na condução da política monetária”, alerta Maurício Bernardo, gestor de juros da Vinland Capital. Ele, inclusive, lembra que a inflação “implícita” mostrou alta relevante nos últimos dias e que já houve um movimento até mesmo nas expectativas inflacionárias do Focus.
Sensibilidade do mercado de juros futuros às discussões fiscais ficou ainda mais evidente ontem
“Isso pode fazer o BC voltar a atuar, se identificar que essas projeções e o próprio modelo dele indicam inflação, no horizonte relevante, com risco de desancoragem”, diz Bernardo. “O BC vai aguardar o texto final da proposta. O mercado se antecipa, mas é lógico que vamos ter uma noção melhor quando a PEC estiver pronta e todos tiverem acesso a ela. Acredito que o BC irá aguardar a formulação da PEC para analisar com mais calma o tamanho do impacto fiscal e, a partir daí, tomar decisão.”
Diante de uma política fiscal expansionista e sem contrapartida com reformas no médio e no longo prazo, a autoridade monetária pode ser obrigada a agir e é esse o cenário que o mercado tem colocado nos preços nos últimos dias, aponta Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital. De acordo com ele, os primeiros passos do futuro governo dão um sentimento de “estelionato eleitoral” para o mercado financeiro, o que justifica a piora recente.
“Lula tirou foto com [o ex-ministro Henrique] Meirelles, com os economistas do Plano Real e todo mundo achava que seria um governo de centro. Mas começou mesmo como um governo do PT. Ainda não temos um ministro da Fazenda e as notícias que vazam acabam indicando o nome do [Fernando] Haddad. As primeiras sinalizações são de gastar mais e de pouca preocupação com o futuro. Se fosse um movimento casado, o de abrir espaço fiscal no ano que vem e fazer algumas reformas estruturais, o mercado estaria encarando de outra forma”, diz Portella.
Apesar da precificação agressiva na curva de juros, a Novus não tem como cenário-base uma retomada do ciclo de aperto monetário em 2023. “O mercado tem prêmio de alta de juros em dezembro, mas até lá o novo governo não vai ter assumido e o BC deve esperar novas sinalizações. Na reunião de dezembro, esperamos que o BC seja duro e indique que, caso o cenário seja o de descontrole fiscal, terá que reagir à piora nas expectativas de inflação. Mas fevereiro está longe e dá tempo para reverter tudo isso até lá”, aponta Portella, que aguarda um cenário fiscal mais claro para retomar apostas nos ativos locais.
“É aguardar o desenrolar para ver se voltamos. E, se for confirmado o cenário mais pessimista, temos que olhar para o outro lado, de mais juros, inflação e aquela receita que sabemos qual vai ser o fim. Por enquanto, há muito ruído e nada de concreto. Ainda parece uma situação negativa fácil de ser revertida”, conclui o gestor.
Na mesma linha, o economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, destaca o momento de incerteza elevada, que tem feito o mercado exigir prêmios de risco mais elevados. “O movimento está exagerado? Eu não consigo apostar agora contra a ideia de que não vai ter alta de juros porque a quantidade de incerteza é muito alta”, justifica.
Assim, para Chermont, embora a possibilidade de alta de juros já em dezembro pareça improvável, a chance de a Selic subir em fevereiro ou março configura “uma ideia mais complexa”. “A PEC faz parte de um conjunto de coisas. Mas qual será o ministro? Qual é a linha do governo? Nós não temos a menor ideia. Do pouco sinalizado até agora, é um plano muito ruim do ponto de vista de política econômica.”
Em entrevista coletiva, o chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, afirmou que a política monetária está atrelada ao cenário fiscal. E, ao apontar para as discussões sobre a PEC da Transição, disse que seu cenário abarca gastos acima do teto que fiquem entre R$ 100 bilhões e R$ 125 bilhões em 2023. Nesse caso, a Selic começaria a ser reduzida no segundo semestre do próximo ano e encerraria 2023 em 12%.
Com um valor extrateto que começaria a se aproximar de R$ 150 bilhões, Arruda avalia que começaria a aumentar o risco de não haver redução da Selic em 2023. E, entre R$ 175 bilhões e R$ 200 bilhões fora do teto de gastos, o economista aponta que o debate começaria a se tornar mais complicado. “A barra é muito alta para que o BC volte a elevar a Selic. Seria preciso uma mudança completa de cenário e de deterioração das expectativas.”
Na visão da Garde Asset, o cenário básico é o de aprovação de um pacote fiscal “ruim, mas não o suficiente” a ponto de obrigar o BC a retomar o ciclo de aperto monetário, aponta Eduardo Magozo, gestor de renda fixa da casa.
“Eu acho que o que está implícito na curva de juros é um nível maior de exigência de prêmio de risco. O déficit vai aumentar, o Tesouro vai ter que rolar uma dívida maior no ano que vem e com um cenário externo bastante incerto. Não leio as altas embutidas como sendo uma convicção do mercado de que os juros vão voltar a subir, mas uma leitura de que o mercado está desalavancando e não surgem aplicadores novos porque eles estão pedindo um prêmio maior para ter uma posição construtiva em Brasil”, diz Magozo.
Para o gestor da Garde, o componente técnico do mercado doméstico de juros ainda parece bastante desafiador e, no momento atual, não há como saber se ainda há espaço adicional para altas nos juros futuros no curto prazo. “Esses 14% parecem bastante taxa, mas a dinâmica é bastante ruim neste momento e ainda não achamos que é hora de aplicar [apostar na queda das taxas]. É melhor aplicar a uma taxa mais baixa em um cenário mais claro. Preferimos ter mais convicção.” (Colaboraram Larissa Garcia e Anaïs Fernandes)
Fonte: Valor Econômico

