Por Marcelo Osakabe — De São Paulo
31/10/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
O dinamismo do investimento brasileiro tem ajudado a criar uma economia mais pujante no Brasil. Com uma taxa de investimento comparável à dos melhores períodos do PT no poder, o país tem um crescimento potencial – aquele que pode ocorrer sem gerar pressões inflacionárias – de 2,5% nos próximos anos. A avaliação é do economista-chefe do UBS BB, Alexandre de Ázara.
É a crença nesse efeito acelerador do investimento sobre a economia brasileira que sustenta a visão mais otimista do banco sobre o cenário macroeconômico do país. O UBS BB foi um dos primeiros a apostar em um crescimento mais forte e uma inflação mais baixa para 2022. O cenário para 2023 se mantém. Ázara estima projeta uma expansão de 1,4% no próximo ano e um IPCA de 4%. A mediana da pesquisa Focus para esses indicadores é de, respectivamente, 0,6% e 4,9%.
Esse dinamismo pode fazer o Brasil passar, inclusive, com poucos arranhões pela tempestade que se avoluma no exterior, diz o economista. Em um mundo bastante preocupado com a situação da inflação nos Estados Unidos e a desaceleração da China, “o Brasil virou o queridinho, mas num ‘concurso de feiura relativa’”, diz.
No entanto, é essencial saber do vencedor da eleição presidencial qual será o plano de voo para a questão fiscal. “Se sair uma proposta de tirar investimento do teto e um ‘waiver’ [licença para não cumprimento de regras] de R$ 200 bilhões, acho que a reação vai ser muito negativa.”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: O que sustenta a visão mais otimista do UBS sobre o desempenho da economia brasileira?
Alexandre de Ázara: No pior momento de 2020, tínhamos uma projeção de contração do PIB de 6%, 7%, e os mais pessimistas falavam de 10%. Em 2021 a gente esperava um crescimento perto de 2% e terminou em 4,6%. Para este ano, começamos com algo entre zero e 0,5% e vai acabar próximo de 3%. Ou seja, faz três anos que nós, os economistas, estamos consistentemente subestimando o PIB brasileiro. Por isso, quero fazer um preâmbulo para responder à pergunta. O que fiz foi olhar para a perspectiva mais a longo prazo, fazendo aquela decomposição dos fatores de produção segundo capital, trabalho e produtividade. A gente sabe que o crescimento da produtividade foi muito alto durante governo Lula. Entre 2003 e 2013, esteve 1% e 2% o tempo todo, mas colapsou no governo Dilma e nunca se recuperou. A minha leitura de mais longo prazo é que esse aumento de produtividade, que fez a gente imaginar um PIB potencial rodando em 4% ou até 5%, foi efeito da criação do mercado de crédito no Brasil. Até 2003, as empresas não conseguiam fazer um financiamento superior a um ano, somente as grandes. Fora isso, teve o bônus demográfico, que fez o pico naquele momento. Em 2014 e 2015, a política econômica levou o Brasil a uma recessão brutal, de 7%. Houve então uma resposta de política econômica não coordenada, mas comum, de classificar o estoque de capital no país como excessivo. E o único jeito de destruir o capital excessivo, sem guerra ou desastre natural, é ter depreciação. Então, depois de 2014 você vê que a taxa de investimento cai para perto de 10% do PIB, que não se mexeu mesmo com a queda dos juros. Uma hipótese para isso é supor que a taxa de juros perdeu potência para impulsionar o investimento. A outra hipótese, que gosto mais, é que a potência é a mesma, mas existia um estoque de capital muito mais alto que o desejado. É difícil mostrar isso na prática, mas posso usar isso como pano de fundo para meu cenário. A recuperação econômica da segunda metade de 2016 em diante foi com um crescimento do PIB de 1,7%. Por que não foi maior? Porque o estoque de capital ainda estava excessivo. Mas, em algum momento entre 2018 e 2019, esse processo deve ter se esgotado. Acontece que vem a pandemia e atrapalhou a gente para perceber isso.
Consenso [no encontro do FMI] é que o Brasil virou o queridinho, mas num ‘concurso de feiura relativa’”
Valor: É o investimento que tem feito o PIB surpreender?
Ázara: Fazendo a decomposição do PIB em consumo, investimento e gasto do governo, o único componente do PIB que está acima do pré-pandemia é o investimento, e por muito. O investimento está hoje perto de 18% do PIB. É a maior taxa de investimento no Brasil desde 2010, no ano seguinte daquela capa que a revista “The Economist” fez com o Cristo Redentor decolando. Este aumento da proporção do investimento em relação ao PIB e também melhor em qualidade tem um efeito acelerador muito importante e é por isso que PIB vem surpreendendo há dois anos. Isso não era claro para ninguém, os economistas olham para esses números com frequência, porque eles não mudam o tempo todo, mas eles contam uma história contundente. É por isso que temos 1,4% de PIB para o ano que vem. Outra coisa é que, para calcular o PIB no curto prazo, uma coisa que muitos fazem é usar dados do China como uma espécie de proxy para o comércio mundial. Antes dos lockdowns [por causa da política da covid-19 zero], essa proxy servia bem. Isso mudou. Um fechamento em Macau, na China, causa uma contração de demanda e oferta de serviços no país que não necessariamente impacta o mundo da mesma forma.
Valor: Mas essa taxa de investimento não deve cair com a alta da taxa Selic?
Ázara: Existia muito daquela percepção de que o juro subindo ia fazer desacelerar o investimento, mas não ocorreu. O investimento cresceu nesse período e só cresceu porque você espera uma taxa de retorno alta. Isso só ocorre porque a produtividade vai ser boa. E não tem gasto público, essa é a beleza da coisa, a prova maior de que a gente não precisa de gasto público para crescer. Aquela política econômica de Dilma Roussef, que focava no gasto público, eu entendo que ela tinha a melhor das intenções, mas não funciona. O PIB caiu 7%, o desemprego aumentou e criou uma incerteza para as famílias.
Valor: Vocês também estão mais otimistas com a inflação.
Ázara: Eu estou mais otimista com inflação no ano que vem. Existe um preço relativo de bens a ser ajustado por causa da normalização da oferta mundial. Não é um movimento permanente, mas deve ajudar a suavizar dinâmica nos próximos 12 meses. É por isso que tenho uma projeção mais otimista que a do mercado para esse grupo. Já a minha projeção para a inflação de serviços é mais próxima do consenso.
Valor: Qual a projeção de PIB potencial com que o UBS trabalha para o Brasil?
Ázara: A gente acha que o país pode crescer perto de 2,5% nos próximos dois ou três anos. Para o longo prazo, no entanto, esse número está mais perto de 2%. Para poder melhorar, tem que fazer reformas estruturais que acho que nenhum dos dois candidatos que estão no segundo turno conseguirá fazer.
Valor: E que reformas são essas?
Ázara: Para crescer acima daqueles 2% ao ano, tem uma lista, mas acho que duas são mais importantes. A primeira é uma nova reforma da Previdência. O Brasil continua com um funcionalismo muito privilegiado. As regras que se aplicam a ele não se aplicam ao setor privado. A segunda é fazer uma reforma tributária junto com uma reforma de gastos, uma reforma fiscal. Na minha visão, se fizer isso, acho que o Brasil poderá crescer 3%, talvez até 4%.
Todo mundo está meio preocupado [com o Brasil], acha que a situação está ruim, mas está investindo”
Valor: Não acredita em reformas relevantes em nenhum dos dois cenários?
Ázara: O que deve passar é a taxação de dividendos. É um tema que está supermaduro no Congresso e deve ser votado. Acho que é o único. Existe, de fato, uma assimetria, em que PJs [pessoas jurídicas] não pagam. Jornalistas, o mercado financeiro, advogados e engenheiros são os que mais se enquadram nessas situações fiscais especiais. Eu trabalhei por anos em asset management e não pagava Imposto de Renda porque recebia tudo como dividendos. Acho que é justo.
Valor: A arrecadação tem surpreendido juntamente com a atividade e trazido margem de manobra para o governo. Essa situação pode persistir em 2023?
Ázara: Acredito que sim. A gente precisa, obviamente que as condições fiscais iniciais não sejam ruins. O vencedor do segundo turno presidencial vai ter que pedir um ‘waiver fiscal’ para a meta do ano que vem. Se for algo maior que R$ 100 bilhões, acho que vamos começar com o pé trocado. Gosto da ideia de começar com R$ 50 bilhões e os outros R$ 50 bilhões ficam contingentes a se aprovar uma regra fiscal nova. Só que se essa regra nova tirar coisas do teto como se não houvesse limite, o mercado vai ler mal. Tem que ser uma regra consistente e que abrace tudo: pode ter algumas flexibilizações, pode permitir algum gasto a mais contingente ao nível de dívida/PIB – se cair, pode ter mais gasto. Essa discussão deve durar os seis primeiros meses do governo.
Valor: Em que medida esse cenário mais pessimista que se forma para a economia no exterior pode afetar o Brasil?
Ázara: Estive neste mês no encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o consenso é que o Brasil virou o queridinho, mas num “concurso de feiura relativa”. O mundo está muito preocupado com uma recessão provocada, principalmente, por um excesso de aperto monetário Estados Unidos e uma desaceleração da China. O motivo principal do Brasil sofrer menos é que o Brasil sempre sofre menos por ser uma economia grande e fechada. A gente só exporta 10% do que produz e só importa 10%. Além disso, o porcentual de dívida na mão dos estrangeiros está na mínima histórica. O Banco Central, começando o ano com fiscal e eleição, normalizou antes a política monetária. Outra questão é que o prêmio de risco sobre a questão fiscal domina o risco externo.
Valor: O crescimento puxado pelo setor de serviços e com indústria e varejo em queda não sinaliza um PIB de pior qualidade?
Ázara: Acredito que não. Passamos um bom tempo com maior demanda por bens, era razoável ter esse ajuste, acho que não significa um prognóstico de crescimento pior para frente. O investimento é uma história muito positiva. É ele quem manda no restante. Todo mundo está meio preocupado, acha que a situação está ruim, mas está investindo. A percepção geral é pior que a situação setorial, específica de cada empresa. Acredito que o investimento pode se manter por mais um tempo, contingente à escolha fiscal responsável. Se for irresponsável, vai cair para 10%, igual ao que era no período Dilma. Não é o governante, mas as escolhas dele que vão determinar isso.
Fonte: Valor Econômico

