Investidores estão vendendo títulos de dívida das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos, num sinal de como a apreensão com o “boom” de gastos do Vale do Silício em inteligência artificial chegou ao mercado de títulos.
Uma cesta de bônus emitidos pelas “hyperscalers” – empresas que estão construindo imensos “data centers”, como Alphabet, Meta, Microsoft e Oracle – sofreu impacto nas últimas semanas.
O spread – o prêmio de rendimento que os investidores exigem para comprar esses papéis em relação aos títulos do Tesouro americano – subiu para 0,78 ponto percentual, o maior nível desde que Donald Trump abalou os mercados em abril com seus planos tarifários, e acima do 0,5 ponto registrado em setembro, segundo dados do Bank of America (BofA).
A ampliação desse spread evidencia a preocupação crescente dos investidores com a maneira como as empresas de tecnologia estão recorrendo aos mercados de dívida para financiar seus investimentos em infraestrutura e inteligência artificial (IA).
“O importante que o mercado percebeu nas últimas semanas é que serão os mercados públicos que terão de financiar esse boom da IA”, diz Brij Khurana, um gerente de portfólio de renda fixa da Wellington Management.
O J.P. Morgan disse, na semana passada, que a construção da infraestrutura de IA custará mais de US$ 5 trilhões e “provavelmente exigirá a participação de todos os mercados públicos de capitais, bem como do crédito privado, dos provedores alternativos de capital e até o envolvimento governamental”.
A escala gigantesca dos investimentos em infraestrutura de IA vem levantando preocupações com o excesso de capacidade, a rentabilidade de longo prazo e a demanda por energia. Google, Amazon, Microsoft e Meta irão gastar mais de US$ 400 bilhões com centros de dados no próximo ano, além dos mais de US$ 350 bilhões deste ano.
As gigantes de tecnologia estão emitindo dívida em ritmo acelerado para financiar sua expansão em IA, apesar de terem grandes reservas de caixa, o que alguns investidores temem que possa sinalizar uma possível guinada para níveis mais altos de alavancagem.
“Coletivamente, as hyperscalers detêm cerca de US$ 350 bilhões em caixa e investimentos líquidos e devem gerar aproximadamente US$ 750 bilhões em fluxo de caixa operacional em 2026”, segundo o J.P. Morgan. “Mesmo assim, uma quantidade significativa de dívida nova está chegando ao mercado de crédito por meio desses emissores de alta qualidade.”
Nas últimas semanas, Meta, Alphabet e Oracle lançaram no mercado grandes pacotes de dívida, alguns com prazos de vencimento de até 40 anos.
Ainda estamos nos primeiros capítulos desse ciclo de endividamento ligado à inteligência artificial”
No mês passado, a Meta fechou um acordo de dívida privada de US$ 27 bilhões com investidores como Pimco e Blue Owl Capital para financiar o desenvolvimento de seu centro de dados “Hyperion”, na Luisiana. A empresa também levantou mais de US$ 30 bilhões com a emissão de títulos no final de outubro, a maior operação com bônus corporativos desde 2023. Enquanto isso, a Alphabet vendeu US$ 25 bilhões em bônus no início de novembro, dos quais US$ 17,5 bilhões foram captados nos EUA e US$ 7,5 bilhões, na Europa.
A Oracle vendeu US$ 18 bilhões em títulos em setembro para financiar contratos de arrendamento de infraestrutura, como o centro de dados “Stargate” em Abilene, no Texas.
Analistas observaram que a dívida da Oracle foi particularmente afetada nos últimos meses. Um índice compilado pelo “Financial Times”, que acompanha seus títulos negociados antes da mais recente emissão, caiu quase 5% desde a metade de setembro, comparado a uma queda de cerca de 1% do índice amplo da Ice Data Services, que monitora dívidas de tecnologia dos EUA com classificação de investimento.
A Oracle tem cerca de US$ 96 bilhões em dívidas de longo prazo, segundo dados da Bloomberg. A empresa aumentou rapidamente seu endividamento como parte de uma série de acordos para fornecer capacidade de computação à OpenAI, criadora do ChatGPT – operação que segundo a própria Oracle deverá gerar US$ 300 bilhões em receitas nos próximos cinco anos.
Mas a agência de classificação de crédito Moody’s alertou para riscos significativos decorrentes da dependência da Oracle de compromissos assumidos por um pequeno número de empresas de IA para sustentar seu crescimento.
Alguns analistas afirmam que a queda dos bônus das grandes empresas de tecnologia após emissões tão grandes é saudável. “Enquanto o mercado continuar precificando o risco adicional, é bom sinal. O que me preocupa é uma valorização diante de mais oferta, em vez de uma correção”, diz George Pearkes, estrategista macro da Bespoke Investment Group. “Ainda estamos nos primeiros capítulos desse ciclo de endividamento ligado à IA.”
Fonte: Valor Econômico

