As gestoras de fundos estão comprando, com relutância, as dívidas emitidas por empresas para pagar dividendos elevados a seus investidores de private equity, já que a falta de novas ofertas de empréstimos e os baixos rendimentos limitam as opções de investimentos atraentes.
Empresas de private equity que tentam levantar capital têm recorrido às chamadas recapitalizações de dividendos em uma taxa recorde. Esses negócios oferecem grandes pagamentos em dinheiro, mas geralmente são impopulares entre investidores em títulos, que se preocupam com o impacto do aumento da dívida sobre a saúde financeira da empresa.
No mês passado, o Belron Group, que possui empresas de reparo de para-brisas nos EUA e no Reino Unido, lançou uma recapitalização de dividendos para levantar €8,1 bilhões, pagando um dividendo de €4,4 bilhões, no maior negócio desse tipo já registrado, segundo o PitchBook LCD.
Mesmo que o dividendo tenha quase dobrado a dívida total da Belron, de menos de €5 bilhões para quase €9 bilhões, levando as agências de classificação Moody’s e S&P Global a rebaixarem a companhia para o grau especulativo, a transação teve demanda mais de sete vezes maior do que a dívida disponível.
“Todos nós odiamos recapitalizações de dividendos – como gestoras de títulos, simplesmente odiamos”, disse um investidor que pediu para não ser identificado. “Mas este é o mercado agora, e se estou recebendo fluxos de capital, tenho que comprar algo, então supero isso.”
A operação mostra o dilema de muitas gestoras de fundos de dívida, que temem ser prejudicadas por firmas de private equity ansiosas para extrair dinheiro de suas empresas. Mas com o mercado de dívida aquecido, há falta de oportunidades atraentes. Os spreads de crédito “high grade”, de títulos de alto rendimento dos EUA – o prêmio acima dos títulos do Tesouro -, caíram abaixo de 3% neste mês, pela primeira vez desde a crise financeira de 2008, segundo dados do Federal Reserve de St. Louis.
A oferta líquida de empréstimos alavancados em setembro foi de menos US$ 6,2 bilhões, o que significa que mais operações foram pagas do que emitidas, o maior déficit desde fevereiro de 2022, segundo a Fitch. Investidores, banqueiros e analistas esperam que as recapitalizações de dividendos permaneçam populares até que a oferta se recupere.
“O tema das recapitalizações de dividendos em 2024 e 2025 só vai se intensificar, mas os investidores continuam a se mostrar muito seletivos quanto aos créditos”, disse Chris Bonner, chefe de mercados de financiamento alavancado nos EUA no Goldman Sachs.
“A verdadeira questão será: os investidores estarão dispostos a ceder e comprar créditos mais difíceis [de menor qualidade], ou continuarão a focar sua atenção em nomes de alta qualidade?”
O volume de empréstimos alavancados apoiando recapitalizações de dividendos atingiu um recorde de mais de US$ 17 bilhões em setembro, e os valores trimestrais estão em seus níveis mais altos em três anos. Os refinanciamentos representaram mais de 71% da emissão de títulos de alto rendimento de outubro de 2023 a setembro de 2024, a maior participação em um período de 12 meses desde, pelo menos, 2016, de acordo com LevFin Insights.
“Você tem uma reação imediata a uma recapitalização de dividendos: é negativa”, disse um investidor, acrescentando que nem todas as transações do tipo são ruins, mas que, no caso dos emissores, “você precisa ter cuidado com quem será mais agressivo do que os outros”.
Outros investidores acreditam que, desde que a empresa seja saudável o suficiente para assumir a dívida adicional, vale o investimento.
“Do nosso ponto de vista, é um bom negócio”, disse outra gestora, referindo-se ao acordo da Belron. “É barato? Provavelmente não – é justo. Mas, se você pensar no cenário econômico que enfrentamos hoje… você quer ter empresas estáveis e seguras com fluxo de caixa em um ambiente como este.”
Um relatório da Moody’s identificou que, das 66 empresas que pagam dividendos examinadas, apenas cinco ficaram inadimplência. Embora “as principais empresas de private equity tenham se sobrecarregado com mais dívidas” para financiar dividendos, “inadimplências após transações de dividendos financiadas por dívida continuam escassas porque esses negócios são tipicamente feitos por aquisições alavancadas de classificação mais alta.”
Muitos grupos de private equity estão recorrendo às recapitalizações de dividendos após lutar para devolver dinheiro aos investidores, devido ao ritmo lento de fusões e aquisições e às perspectivas pouco atraentes para ofertas públicas iniciais (IPOs) de ações.
A falta de opções disponíveis para as gestoras significa que a alta demanda pela dívida da Belron não é surpreendente, mesmo que o acordo seja “puramente uma maneira de devolver dinheiro aos acionistas”, disse Lyuba Petrova, chefe de financiamento alavancado na América do Norte da Fitch. “Certamente, os credores podem votar com seus dólares se desejam ou não permanecer no negócio”, disse Petrova.
Em setembro, a Focus Financial Partners – que, como a Belron, é apoiada pela Clayton, Dubilier & Rice – conduziu a sexta maior recapitalização de dividendos apoiada por private equity já registrada, de acordo com o PitchBook. A empresa de investimentos 3i realizou este ano sua oitava recapitalização de dividendos da varejista holandesa Action, desta vez para pagar a si mesma um lucro inesperado de quase €1,1 bilhão.
A Belron não comentou. A Clayton, Dubilier & Rice não respondeu a um pedido de comentário.
Fonte: Valor Econômico

