A inteligência artificial (IA) deixou de ser apenas um tema futurista para se tornar um elemento cada vez mais presente no cotidiano da gestão de fundos. Ela chegou carregada de promessas, como maior eficiência nos processos, tomada de decisões mais rápida e a capacidade de enxergar padrões antes invisíveis aos olhos humanos. Mas, como toda grande transformação, seu avanço também carrega algumas dúvidas, alguns limites e muita resistência.
Uma pesquisa conduzida por Hauger, Frendberg e Leitner mergulhou nesse universo e buscou entender não apenas o que a IA já entrega ao setor, mas até onde ela poderia ir e até onde não deveria ir. A gestão de fundos vive hoje um cenário desafiador, com um crescimento orgânico modesto, margens cada vez mais comprimidas e uma volatilidade de mercado que não dá trégua.
Diante disso, a tecnologia aparece como uma aliada. Mas que tipo de aliada ela poderia ser?
As aplicações práticas da IA já estão em diversas áreas, como os algoritmos de negociação, como a construção automatizada de carteiras, consultorias digitais e testes de estresse financeiro. Mas isso não se trata de uma revolução recente. As discussões sobre inteligência artificial começaram nos anos 1950, e o que mudou de lá para cá foi a quantidade e a abundância de dados, a potência dos processadores, o barateamento do armazenamento e o interesse crescente de grandes players, como a BlackRock, que criou em 2018 um laboratório exclusivo para estudar o tema. Embora a inteligência artificial traga ganhos visíveis, como a velocidade na análise de dados e a redução de vieses humanos na tomada de decisão, ainda há barreiras importantes a serem enfrentadas.
Uma das barreiras mais relevantes é a natureza de “caixa-preta” dos modelos mais avançados, isto é, algoritmos que entregam respostas, mas não explicam claramente como chegaram até elas. Isso é um problema sério quando se fala em gestão de recursos de terceiros, em que os investidores exigem transparência – e os reguladores também. Nesse sentido, os gestores de recursos precisam, mais do que nunca, entender e justificar as estratégias adotadas pelos algoritmos utilizados, pois quando a IA não oferece caminhos interpretáveis, a confiança fica comprometida.
Outro ponto delicado está nos dados que a IA precisa para funcionar, já que de nada adianta ter de grandes volumes de informação sem qualidade. Dados desorganizados, enviesados ou simplesmente mal estruturados comprometem toda a eficácia dos modelos, levando a decisões ruins e a previsões erráticas. E ainda existe o que os pesquisadores chamaram de “cisnes negros”, que são os eventos raros e imprevisíveis, mas com grande impacto e que escapam aos olhos das máquinas justamente por não seguirem os padrões históricos que os algoritmos procuram.
O estudo, no fim, não condena nem exalta a IA, mas sim reconhece sua força e propõe uma visão mais equilibrada, na qual a inteligência artificial deve ocupar o papel de ferramenta e não de substituta. A experiência humana, o senso crítico, o discernimento diante de crises continuam insubstituíveis e talvez sempre sejam.
O futuro da IA na gestão de fundos ainda está sendo escrito. Modelos mais transparentes, dados mais confiáveis e regulação adaptada serão algumas das peças-chave dessa construção. Se bem integradas, essas tecnologias não apenas podem otimizar o trabalho dos gestores, mas também podem ajudar a ampliar seu campo de visão, liberando tempo e foco para aquilo que ainda nenhuma máquina foi capaz de substituir, que é o julgamento humano.
Patricia Palomo é economista e gestora de recursos
E-mail: patriciashp@al.insper.edu.br
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Fonte: Valor Econômico

