Na terça-feira da semana passada, promotores federais em Boston indiciaram oito homens que passaram quase uma década tornando os mercados mundiais de ações mais eficientes. Um dia depois, dois deputados republicanos deram uma entrevista em que pressionavam o presidente da Câmara dos EUA, Mike Johnson, a levar adiante a tramitação da proposta legislativa sobre propriedade de ações, que também prejudicaria a descoberta de preços.
Em todo caso, é assim que interpreto essas notícias. Mas faço parte de uma minoria. Para a maioria, o uso de informações privilegiadas em operações é algo inequivocamente errado.
Mas ele deveria ser ilegal? Isso é ruim mesmo? Eu diria que as proibições de usar informações privilegiadas se baseiam no hábito e no pensamento de grupo, e não nos princípios sólidos e na experiência do mundo real. É como rejeitar abacaxi e beterraba em um hambúrguer. Pior ainda, as regras não são eficazes nem lógicas, são aplicadas de forma inconsistente e – como brinquei na minha introdução – distorcem o mercado.
Vamos começar pela eficácia. Um artigo científico de Vinay Patel e Talis Putnins estimou que nos EUA o número de operações com base em informações privilegiadas é quatro vezes maior do que o número das que chegam a ser alvo de processos judiciais. Já no Reino Unido, entre 30% e 40% das aquisições têm movimentações de preços fora do normal antes dos anúncios, segundo a Autoridade de Conduta Financeira (FCA na sigla em inglês). E, no entanto, apenas algumas dezenas de condenações aconteceram nas duas últimas décadas.
Portanto, muita gente faz isso. Além do mais, nós todos estamos, você sabe, bem. Os investidores em ações estão mais ricos do que nunca. Quem são as vítimas, exatamente?
Também não há consistência sobre os critérios adotados para processar quem usa informações privilegiadas. Os EUA, por exemplo, não têm uma definição legal de informação privilegiada. Tudo depende de princípios da jurisprudência que exigem que haja uma “violação do dever”, seja lá o que isso signifique.
Assim, é provável que não haja nenhum problema em vender a descoberto as ações de um restaurante depois de contar o número de seus clientes por vários meses. Ou que tal pagar uma “rede de especialistas” para perguntar a um funcionário de nível médio como “estão” as vendas neste trimestre? Citar a teoria do mosaico – em 1983, a Suprema Corte decidiu que investidores tinham direito de juntar pequenas partes de informações obtidas de maneira legal – pode livrá-lo de uma acusação. Tirar da lixeira uma cópia toda amassada da ata de uma reunião do conselho? Pego em flagrante.
É tudo muito aleatório. As regras no Reino Unido e na Europa são mais simples e consistentes. Para serem classificadas como privilegiadas, as informações devem ser precisas e capazes de afetar preços e não podem ser públicas. Mas a lógica também falha aqui. Qualquer coisa que seja “observável de forma pública” não conta, mesmo que você seja o único a observá-la.
É assim que fundos hedge sofisticados conseguem ganhar sua “vantagem” sobre investidores como você e eu. Satélites analisam jazidas de minério na Austrália. Programas de software rastreiam jatos particulares para descobrir que empresa pode estar comprando outra.
Isso é justo? Quando eu era gestor de fundos, tive milhares de reuniões individuais com membros de equipes de gestão. Por que você acha que eu fazia isso? E o que dizer dos executivos-chefes que alegam que estão vendendo suas ações “para honrar compromissos pessoais”, como comprar uma casa maior nos Hamptons? Sim, certo, chefe. Isso não tem nada a ver com os péssimos números sobre ganhos que estão por vir. Aliás, as pesquisas são inequívocas: uma estratégia de investimento que consiste em vender a descoberto ações que pessoas com informações privilegiadas venderam recentemente e comprar ações que elas compraram tem um desempenho superior ao do mercado. Pode haver uma defasagem, mas é negociação com informações privilegiadas.
É por essa razão que acadêmicos liderados por Henry Manne argumentam há tempos que permitir que pessoas de dentro de empresas negociem com base em informações relevantes faz que os preços se aproximem de seu valor fundamental de maneira mais rápida – o que é melhor para todos. Isso reduz a distorção de preços com que arcam os investidores desinformados e, de quebra, melhora a alocação de capital.
“Você quer mais operações baseadas em informações privilegiadas, não menos”, disse o economista Milton Friedman em 2002, e exatamente por essa razão. Outros, como o pesquisador Frank Easterbrook, defendem que informações que não são públicas sejam tratadas como um ativo com direitos de propriedade, que uma empresa teria o direito de alocar como bem entendesse. Vender pelo maior lance ou deixar que os acionistas decidam o preço.
Quanto maior for o número de pessoas com informações privilegiadas, mais essas operações ficam eficientes. Se apenas 200 funcionários de uma empresa farmacêutica sabem que um medicamento falhou nos testes, a venda somada deles nunca levará o preço das ações ao nível correto mais baixo.
A legalização do uso de informações privilegiadas, portanto, exige transparência absoluta – seja na forma de relatórios de empresas em tempo real (algo que ainda estamos a anos luz de alcançar) ou na divulgação obrigatória das negociações de todo mundo. Tornar públicos os nomes dos cargos seria um bônus.
Com isso, poderíamos ver de maneira instantânea se um tesoureiro comprou 100 mil ações um dia antes da divulgação dos resultados. Ferramentas analíticas inteligentes logo descobririam que outro comprador (seu jardineiro, talvez?) teve um timing perfeito. Sua vantagem seria eliminada por meio da arbitragem.
Em termos ideais, os históricos das transações também seriam públicos. Dessa forma seria muito rápido rastrear qualquer pessoa com conhecimento privilegiado, mesmo que ela se mantivesse anônima. Uma blockchain tornaria isso fácil.
As leis sobre o uso de informações privilegiadas não são adequadas para sua finalidade. Nunca foram. Mas hoje temos a tecnologia para tornar a disseminação de informações mais justa para todos. (Tradução Lilian Carmona)
Fonte: Valor Econômico