A inflação mensal de julho da Argentina foi a menor desde o início de 2022 e do governo de Javier Milei, mas ficou acima das expectativas do governo e do mercado, apesar das medidas de austeridade que derrubaram a atividade econômica para reduzir os preços.
O índice de preços ao consumidor subiu 4% em julho, uma desaceleração em relação à taxa de 4,6% de junho, informou ontem o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec). Em termos anuais, a inflação continua elevada, em 263,4% — o que ainda a torna a mais alta do mundo. No acumulado desde janeiro, a alta é de 87%.
Para Andrés Borenstein, professor da Universidade Torcuato Di Tella e economista na Econviews, o resultado veio em linha com as suas projeções, de 4,5%, mas ressaltou que a maioria dos analistas do mercado esperava uma inflação pouco abaixo de 4%. De acordo com a pesquisa semanal do Banco Central da Argentina, os agentes financeiros estimavam uma inflação mensal de 3,9% em julho.
O economista da Orlando J. Ferrerés & Asociado, Nicolás Alonzo explica que, do ponto de vista econômico, o governo enfrenta um desafio maior para reduzir a inflação para abaixo da faixa de 4%, em comparação ao esforço que foi reduzir a taxa do recorde de 25%, registrada em dezembro.
“Naquele momento, você sofreu um salto ‘de uma única vez’ devido ao efeito da desvalorização, que obviamente tinha o risco de sair do controle. Agora, você está lutando contra a inércia, a atualização dos salários e as mudanças nos preços regulados. Isso geralmente leva mais tempo”, diz Alonzo.
Além disso, ele observa que a taxa de 4% ainda é muito elevada para a inflação em um país em recessão, e refletem a pressão nos cortes nos subsídios sobre os preços de certos serviços e bens. O governo também já anunciou que deve retomar em agosto os aumentos nas tarifas de transporte e serviços públicos.
“A taxa de 4% de julho praticamente ratifica a tendência de baixa, ainda que o governo esperasse um pouquinho menos. De toda maneira, a desinflação se converteu no principal objetivo deste governo”, afirma Sergio Berensztein, analista e fundador da consultoria que leva seu nome.
“Parece-me que as consequências políticas estão ligadas significativamente à taxa de inflação — nesta espécie de pacto não escrito com a sociedade de conter preços, o governo vai usar todos os meios para manter estes índices mais baixos nos próximos meses”, diz.
O economista do Banco CMF, Roberto Geretto, também ressalta que o núcleo da inflação — que exclui os preços de alimentos e energia — ficou em 3,8%, sendo o terceiro mês consecutivo de estabilidade, demonstrando que, apesar da forte âncora monetária e fiscal, a inércia inflacionária é muito forte. “Em resumo, a macroeconomia argentina continua seu caminho de desinflação, mas para evitar problemas de atraso cambial, o ritmo de queda deve ser mais pronunciado, o que é um grande desafio.”
Desde que assumiu o governo da Argentina, as políticas de ajuste econômico de Milei ajudaram a fortalecer as finanças do Estado, permitiram ao banco central reconstruir reservas e reduziram a inflação, mas também pesou fortemente na atividade econômica.
As dificuldades econômicas refletem diretamente na população, em que 1,5 milhão de crianças argentinas pulam alguma refeição durante o dia, enquanto 1 milhão delas vão dormir sem jantar, segundo aponta o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“O aumento dos preços e o estancamento econômico há mais de uma década impactaram a capacidade de geração de renda de milhões de lares com crianças”, afirma o Unicef, completando que “a renda de quase metade dos lares com crianças não é suficiente para cobrir gastos básicos com alimentação, saúde e educação”.
Segundo o Indec, os setores que sofreram as maiores altas em julho foram restaurantes e hotéis (6,5%) e bebidas alcoólicas e tabaco (6,1%), seguidos de habitação, água, eletricidade e outros combustíveis (6,0%). Já os dois setores que registraram as menores variações foram vestuário e calçados (1,6%) e transporte (2,6%).
Fonte: Valor Econômico

