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Enquanto não se consolida a disrupção no tratamento de doenças, com as terapias gênicas e imunoterapias, já frequentes nas prescrições “taylor made”— individuais e intransferíveis —, os medicamentos de uso geral para doenças específicas seguem dominando as vendas da indústria farmacêutica pelo mundo. Os grandes laboratórios globais presentes no país se deslocam, cada vez mais, para especificidades de cura de alta complexidade ou de doenças raras, de elevada rentabilidade, que envolvem pesquisa de ponta e inovações como uso de inteligência artificial (IA), principalmente no sequenciamento de DNA na rota biotecnológica.
Os laboratórios nacionais, que absorveram linhas de remédios tradicionais alienados por multinacionais, seguem firmes na liderança de vendas do nono maior mercado farmacêutico global, com crescimento médio de 10% a 12% ao ano. Nos 12 meses encerrados em maio último (sobre o período até junho de 2023), as vendas de remédios ao varejo e institucionais (governos e hospitais) praticamente fecharam em R$ 180 bilhões, ou 2,7% do mercado global.
Uma nova onda de investimentos na indústria farmacêutica é esperada no país após a aprovação da nova lei de pesquisas clínicas (Lei no 14.874/2024). Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou dois pontos da lei: um determinava que o Ministério Público fosse notificado das pesquisas clínicas com indígenas e outro desobrigava as empresas de fornecerem medicamentos aos pacientes que participarem das pesquisas, passados cinco anos do lançamento comercial da droga pesquisada.
“Essa lei foi discutida por dez anos no Congresso e o veto, que ainda voltará a ser apreciado pelo Senado, surpreendeu o setor, que aguardava aprovação para tornar o Brasil uma das principais plataformas de investimentos do mundo, apenas atrás de China, Estados Unidos e Índia, porque a diversidade racial do país beneficia a pesquisa clínica”, pondera Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria Farmacêutica (Sindusfarma). Os vetos podem atrasar as novas pesquisas de medicamentos. O setor farmacêutico também teme por interferências políticas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde há filas de novos medicamentos já aprovados no exterior para serem analisados e autorizados para o Brasil.
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Ao mesmo tempo, a biodiversidade brasileira e a sua vocação biotecnológica, reconhecida internacionalmente, se firma como vantagem comparativa do país. Vocação essa que já juntou concorrentes de capital nacional — HyperaCotação de Hypera, Aché, EMS e União Química — na Bionovis, baseada em Hortolândia (SP), para bancar pesquisa de ponta e medicamentos biotecnológicos em parcerias, principalmente, com Fiocruz/Farmanguinhos.
A Hypera Pharma é líder, com marcas reconhecidas como Benegrip, Buscopan, Engov, Epocler e Neosaldina e vitaminas como Vitasay e Biotônico Fontoura. De 2022 para 2023, essas marcas, que vendem mais de R$ 100 milhões por ano, representaram alta de 55% da receita e neste ano 21% do faturamento vem de produtos lançados nos últimos cinco anos, quando a empresa investiu R$ 2 bilhões em inovação, com mais de 440 medicamentos novos no portfólio. Um financiamento de R$ 500 milhões aprovado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá garantir à Hypera lançar mais 500 medicamentos. A empresa está de olho nas moléculas que perderão patentes estrangeiras nos próximos três anos no país e que podem adicionar mais R$ 10 bilhões à sua receita.
Na Eurofarma, a política de investimentos em medicamentos inovadores resultou em 70 lançamentos e 133 inserções em mercados da América Latina em 2023, segundo a sua vice-presidente de inovação, Martha Penna. No total, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Eurofarma somaram R$ 680 milhões no ano passado. A empresa decidiu também apostar num fundo de investimento, o Eurofarma Ventures, projetando injetar até US$ 100 milhões em cinco anos em até 25 biotechs, com ênfase em medicina de precisão, edição genética e IA aplicada à descoberta de novas moléculas.
“Vamos avaliar projetos em frentes como doenças raras, neurodegenerativas, autoimunes, infecciosas e oncológicas”, adianta Penna. No momento, a Eurofarma tem 350 produtos no pipeline e 30% deles são de inovação incremental e radical. Em 2023, a empresa produziu 573 milhões de unidades na sua fábrica de Itapevi (SP). “E agora avançamos no projeto de um novo complexo industrial em Montes Claros (MG)”, afirma Roberta Costa, vice-presidente de operações da Eurofarma.
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A rota biotecnológica tem fortalecido a posição brasileira nas multinacionais. A norte-americana Biogen, segundo seu gerente-geral no Brasil, Rogério Frabetti, tem no país o sétimo maior mercado do mundo. “Em 2023, nosso faturamento foi de aproximadamente US$ 200 milhões, um crescimento de 15% ante o ano anterior, e para 2024 projetamos uma estabilidade”, diz ele. Globalmente, a receita da Biogen foi de US$ 9 bilhões.
Segundo Frabetti, a nova a lei de pesquisas clínicas trará segurança jurídica para novas inversões, já que a Biogen investe 20% da sua receita global em pesquisa e cerca de 70% desse montante é destinado aos estudos clínicos. E neste ano a Biogen vai gastar R$ 2 milhões em P&D no Brasil, sobretudo em moléculas do segmento de doenças de alta complexidade (não necessariamente raras) e nas patologias neurodegenerativas, neuropsiquiátricas e imunológicas como Alzheimer, esclerose múltipla, lúpus sistêmico, lúpus cutâneo, atrofia muscular espinhal e esclerose lateral amiotrófica. Nessas áreas, a empresa aguarda aprovação da Anvisa de drogas de ponta já aprovadas nos Estados Unidos e na Europa.
A suíça Roche, que saiu de linhas tradicionais no Brasil, deixando sua liderança em vitaminas, acelera a entrada de novas tecnologias no país. “Em 2024, nosso crescimento seguirá sustentado por nossas moléculas inovadoras”, comenta Antonio Silva, diretor de estratégia e acesso da Roche Farma Brasil, lembrando que as inovações representam mais da metade do faturamento. “Em 2023, investimos mais de R$ 540 milhões em pesquisa clínica no Brasil, um aumento de mais de 20% em relação a 2022, em parceria com mais de 600 centros de pesquisa locais, desenvolvendo mais de 200 estudos, incluindo câncer, doenças raras, doenças respiratórias e muitas áreas órfãs como oftalmologia, segmento onde a empresa dedica-se à cura de doenças maculares”, lembra Silva.
A Roche aguarda aprovação da Anvisa para distrofia muscular de Duchenne (DMD), que deve marcar sua entrada em terapias gênicas no Brasil, e para outra doença genética, a hemoglobinúria paroxística (HPN), que traz risco de trombose. Também na oncologia vai buscar aprovação regulatória de molécula para tratamento, pela mutação do gene ALK, do câncer de pulmão.
A operação da Biopharma, da alemã Merck do Brasil, é hoje a quarta mais importante para a companhia no mundo. “Somos a principal operação em vendas da América Latina”, explica Arnaud Coelho, presidente da Merck Brasil, que completou cem anos no país no ano passado, quando apresentou o maior crescimento dos últimos 20 anos. A empresa, que participa do programa governamental Farmácia Popular, registrou, nos primeiros cinco meses deste ano, uma expansão de 23,5% (produtos sob prescrição), enquanto o mercado brasileiro cresceu 15,1%, pelos dados da IQVIA.
A Merck Brasil possui o medicamento mais prescrito e vendido em unidades do país, indicado para o tratamento do diabetes tipo 2. No ano passado, a fábrica do Rio de Janeiro — onde o medicamento é produzido — bateu um novo recorde de produção, alcançando mais de 100 milhões de unidades. Nos últimos anos, a Merck Brasil obteve 12 novas aprovações da Anvisa e hoje 100% dos estudos clínicos globais de fase 3 da Merck incluem centros de pesquisa brasileiros, com destaque para um estudo que avalia um novo tratamento oral para lúpus eritematoso cutâneo e também para lúpus eritematoso sistêmico, nos 11 centros de pesquisas clínicas no país. A Merck está atualmente em estudo de fase 3 de um medicamento de combate à malária, no qual a molécula age na inibição do fator de translação do Plasmodium falciparum (PfeEF2), impedindo a síntese de proteínas que resulta na morte do causador da doença.
A britânica GSK encerrou 2023 com receita líquida de R$ 2,3 bilhões no Brasil, um crescimento de 13,8% em relação ao ano anterior. De acordo com Esteban Gully, CFO e presidente interino da GSK, no primeiro trimestre de 2024 a GSK Brasil teve um desempenho positivo, com crescimento de 54% no total de vendas em relação ao mesmo período de 2023. Em vacinas o crescimento foi de 107%, após o lançamento de duas novas vacinas: a primeira contra o vírus sincicial respiratório (VSR) e, desde 2022, a vacina para a prevenção de herpes zóster.
O Brasil, que está entre os dez maiores mercados no mundo na GSK, continua sendo um dos países foco para pesquisas clínicas, ao lado de Canadá, França, China e Estados Unidos. “Fechamos o ano passado com 40 projetos, pesquisas globais gerenciadas pela GSK no Brasil, com um foco especial em oncologia, com 19 projetos em andamento”, comenta Gully. Em alguns casos, como nos estudos clínicos de mieloma múltiplo, o Brasil foi o país que mais recrutou pacientes no mundo. Atualmente, a GSK Brasil aguarda aprovação pela Anvisa para tratamentos nas áreas de oncologia, onco-hematologia, respiratória e vacinas. “Atuamos como parceiros do governo federal, com 11 das 19 doenças contempladas no Programa Nacional de Imunizações (PNI)”, lembra Gully.
Na suíça Novartis, o Brasil é dos “top 10” mercados globais. Em 2023, quando completou 90 anos no país, o crescimento foi de 35% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2022 e o ano se encerrou com o maior resultado histórico local. Desde o ano passado, com a separação da Sandoz, a Novartis passou a ter foco total em medicamentos de alta complexidade. Nos últimos seis anos, a empresa trouxe 18 novos medicamentos para o mercado brasileiro, entre sintéticos, biológicos e terapias de ponta — e a meta da companhia é dobrar o número de pacientes atendidos no país.
Em 2023, a Novartis investiu no Brasil cerca de R$ 90 milhões para estudos clínicos e no ano passado, por exemplo, ela lançou a Inclisirana, primeiro RNA (biotecnologia) de interferência para o controle do “colesterol ruim” (LDL). Em 2024, teve aprovação da Anvisa do primeiro radioligante para tratar câncer de próstata metastático, que deve chegar ao mercado até o fim deste ano.
Com dez anos de Brasil, a norte-americana AbbVie comemora os lançamentos do primeiro anticorpo biespecífico para o tratamento de linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) em adultos, sob a marca Epkinly (epcoritamabe) aprovado pela Anvisa, e da nova molécula para o tratamento de retocolite ulcerativa, o Rinvoq (upadacitinibe). “Atualmente, temos 45 estudos ou projetos clínicos em vigor, com aumento de 35% do número de pesquisas globais da AbbVie no país”, diz Eduardo Tutihashi, presidente da AbbVie no Brasil.
A empresa tem mais de dez produtos em análise ou em fase de submissão na Anvisa, nas áreas de oncologia, neurociência, imunologia e oftalmologia. Ainda em 2024, outros lançamentos são esperados na AbbVie, principalmente em hematologia e tumores sólidos, como saúde da mulher, com câncer de ovário. No primeiro trimestre deste ano, a receita líquida global da companhia subiu para US$ 14,4 bilhões, 5,6% a mais que no mesmo período do ano anterior.
No Brasil desde 1991, o grupo uruguaio Adium, conhecido até 2023 como Zodiac, com uma das suas cinco fábricas latinas em Pindamonhangaba (SP), viu suas vendas catapultarem desde que passou a representar as vacinas da Moderna. “Dobramos de tamanho nos últimos três anos e em 2024 alcançaremos um faturamento próximo de RS 1 bilhão no Brasil, sem contar a operação de vacinas da parceria com a Moderna”, explica Alexandre Seraphim, gerente-geral da Adium Brasil. O laboratório vendeu 12,5 milhões de doses da vacina da Moderna ao Ministério da Saúde neste ano. A empresa, que amplia sua unidade de Pindamonhangaba para 150 milhões de unidades por ano, fortaleceu seu portfólio no Brasil com o imunoterápico Cemiplimabe (Libtayo), com indicações em câncer de pulmão, câncer cervical e dois tipos de tumor de pele, além do lançamento de uma terapia para TDAH (Consiv).
Fonte: Valor Econômico