A indústria mostra que perdeu fôlego ao fim de 2024. Embora economistas não vejam ainda inflexão na trajetória do setor, duas quedas consecutivas na variação mensal, em outubro e novembro, podem já sinalizar um pé no freio em razão de incertezas em relação a 2025 e piora de expectativas. Mesmo assim, a produção deve fechar 2024 com crescimento acima do inicialmente esperado, dado o desempenho surpreendentemente bom até o terceiro trimestre. Para 2025, o cenário segue desafiador.
A produção da indústria brasileira caiu 0,6% em novembro ante outubro, com ajuste sazonal, segundo a Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), do IBGE. Foi o pior desempenho para o mês desde 2019, nessa métrica. (-2,3%). O resultado veio melhor que a queda de 0,7% na mediana das estimativas de 24 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data. As projeções iam de recuo de 1,2% a alta de 0,1%. Em outubro o indicador recuou 0,2%.
A indústria aponta “clara perda de intensidade” no quarto trimestre, com perda acumulada de 0,8% em outubro e novembro, diz André Macedo, responsável pela PIM-PF. A queda foi disseminada, atingiu as quatro grandes categorias econômicas e 19 dos 25 segmentos da pesquisa.
Nas categorias econômicas, os bens de capital e os de consumo caíram 1,7% e 1,6%, nessa ordem, em novembro, ante outubro. Os intermediários, que representam cerca de 55% da indústria, tiveram redução de 0,7%. Na comparação com igual mês de 2023, todas as categorias sobem, com destaque para bens de capital e bens de consumo duráveis, com alta respectiva de 14% e 19,5%.
Entre os ramos de atividade, houve queda relevante em veículos, setor chave da indústria, com cadeia que influencia outros segmentos, como de eletrônicos e metais, observa Stéfano Pacini, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). “O setor de veículos teve alta forte até outubro e agora teve queda. É preciso continuar observando os dados para saber se as duas quedas consecutivas da indústria, independentemente do resultado de dezembro, significam compensação pelo ano positivo que tivemos até o terceiro trimestre, ou se realmente a trajetória está mudando para 2025.”
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Segundo o IBGE, a queda de 11,5% em veículos automotores, reboques e carrocerias em novembro ante outubro foi a principal influência na queda da produção industrial no mês. Ainda assim o segmento cresceu 15,7% ante novembro de 2023. No acumulado até o mês, a produção de veículos subiu 12,4% e foi o principal impacto positivo na indústria total, que cresce 3,2% nesse critério. Macedo destaca que o setor ainda está 14,2% acima do nível ao fim de 2023.
Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, explica que a queda mensal em novembro não foi tão grande, já que a gestora projetava redução de 1,4%. A composição, porém, veio pior que a esperada, diz. O índice de difusão, que mensura a proporção de produtos industriais com variação positiva mensal, atingiu 20,8% em novembro, a menor taxa em 2024 e para o mês, desde 2022, ano em que essa série foi iniciada.
“Não é que, necessariamente, a produção industrial não tenha subido em dezembro, mas parece que aquele melhor momento, que fará com que o setor tenha crescido mais de 3% [em 2024], já ficou para trás”, diz Leal. Ele ressalta que o tracking da gestora para o PIB industrial, que estava em zero para o último trimestre de 2024, na variação contra os três meses anteriores, ficou em queda de 0,3% após a divulgação do resultado de novembro. “Não dá para dizer que há inflexão, mas os sinais são de que o setor coloca um pé no freio em razão da incerteza para 2025 e da piora das expectativa desde outubro do ano passado.”
Para Macedo, a expectativa de impacto dos juros em alta pesou em novembro. “Também se observa aumento no preço de alimentos, que afeta a renda disponível das famílias. E o dólar tem algum tipo de reflexo, especialmente em custos e nas decisões sobre o ritmo de produção.”
João Savignon, economista-chefe da Kínitro Capital, diz que para dezembro a expectativa é de nova queda, de 0,2% na variação mensal. Mas 2024, diz, deve fechar com alta de 3,1%, melhor que o esperado no início do ano. Ele lembra que em relação a igual mês de 2023 a produção em novembro avançou 1,7%. Nessa comparação houve crescimento disseminado, com 18 de 25 setores com alta.
O crescimento da indústria no ano, diz, está mais alinhado com a trajetória do PIB, para o qual a Kínitro estima de alta de 3,5% em 2024. As projeções, lembra, foram evoluindo favoravelmente ao longo do ano e mostrando crescimento mais disseminado, com a indústria também surpreendendo positivamente, como reflexo do impulso ao crédito, junto com fatores da demanda doméstica mais resilientes, como mercado de trabalho.
A perda de dinamismo no curto prazo, dado pelas quedas mensais da produção industrial, era esperada também, segundo ele. “Nas pesquisas de confiança a perda de fôlego se mostra mais clara. Os empresários reportam economia ainda aquecida no curto prazo, com percepção favorável da demanda presente, mas cada vez mais pessimista sobre os próximos meses”, diz Savignon. Para 2025, a Kínitro projeta alta de 2% na produção industrial e de 2,5% no PIB.
Leal lembra que a indústria de transformação deu forte contribuição na expansão do setor em 2024, em contraste com 2023. No acumulado de 2024 até novembro, a transformação contribuiu com 3,2 pontos percentuais (p.p) no crescimento do setor, enquanto a extrativa, com 0,1 p.p. “Ou seja, 97% do crescimento veio da indústria de transformação.” Em 2023, em igual período, a transformação entrou com 0,1 p.p. A extrativa, com 0,91 p.p., responsável por 99% do crescimento, aponta.
Para 2025, a composição deve ficar parecida com a de 2023, diz Leal. O resultado da indústria como um todo pode ficar próximo do zero a zero, estima, mas com crescimento mais concentrado na extrativa e desempenho negativo para a indústria de transformação. “Será um ano difícil para a indústria, com juros altos e moeda mais desvalorizada. No início deste ano a indústria vai testar a temperatura da água para ver se poderá repassar o aumento de custo. Isso dependerá da reação do consumidor em uma economia que, principalmente a partir do segundo semestre, deve desacelerar.”
Fonte: Valor Econômico