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O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, avaliou como positiva a inclusão pela Câmara dos Deputados da trava que tenta garantir que a alíquota de referência da reforma tributária do consumo fique em, no máximo, 26,5%: “É uma sinalização de que tem uma preocupação de que a alíquota fique dentro desse limite”, disse em entrevista ao Valor.
Appy confirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve discutir com o relator no Senado Federal, Eduardo Braga (MDB-AM), critérios mais específicos para garantir a redução da alíquota, caso necessário. Por outro lado, avaliou que não há problemas em manter uma redução mais genérica, deixando para 2031 a decisão.
O secretário afirmou que o Ministério da Fazenda ainda não calculou o impacto das mudanças aprovadas pela Câmara na alíquota de referência, porém confirmou que a inclusão das carnes vai ter impacto de 0,53 ponto percentual (p.p.), ao passo que mudanças no Seletivo e no modelo de cobrança ajudarão a reduzir o impacto. “A conta ainda não está feita. A gente precisa avaliar o todo.”
Sobre a inclusão das carnes na cesta básica desonerada, Appy falou que a equipe econômica continuará tendo postura proativa para explicar aos senadores o impacto na alíquota, e que a decisão final sobre o tema sempre caberá ao Legislativo
O secretário afirmou ainda que o efeito da reforma sobre o preço dos imóveis será muito pequeno, praticamente marginal. A estimativa é de queda no preço do imóvel popular (até R$ 200 mil) entre 3,5% e 4% e aumento de 3% no alto padrão (a partir de R$ 2 milhões).
Em relação ao timing de tramitação no Senado, o secretário disse que o ideal é que o Congresso conclua a aprovação da regulamentação ainda neste ano, mas ponderou que é preciso respeitar o tempo da política.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista
Valor: Qual sua avaliação sobre a inclusão da trava, que tenta fixar a alíquota em 26,5%? A Fazenda concordou com essa trava?
Bernard Appy: A ideia da trava não foi nossa, foi do GT. A redação, inclusive, não foi nossa, foi dos consultores da Câmara, com base na demanda do GT. Mas, em geral, nossa avaliação foi positiva. Havia uma preocupação com o efeito que as exceções e os tratamentos favorecidos têm sobre a alíquota e o grupo de trabalho deu uma sinalização de que, se por acaso tiver caminhando para ter uma alíquota superior a 26,5%, o Poder Executivo vai ter que enviar um projeto com mudanças que permitam que a alíquota fique em 26,5%.
Valor: Como vai funcionar?
Appy: A Emenda Constitucional 132 já previa uma revisão quinquenal. A primeira revisão seria depois do final da transição, em 2034. E essa possibilidade de revisão quinquenal permite que você reveja os redutores de alíquota. São dois redutores de alíquota, de 30% e de 60%. Já está previsto na emenda constitucional a possibilidade de rever os redutores. Por lei complementar, também é possível, em qualquer momento, rever a cesta básica e os regimes específicos. O que foi feito agora, na chamada trava, foi a antecipação da revisão quinquenal. Em 2031, antes de completar a transição, o Poder Executivo, se a projeção de alíquota tiver sinalizando acima de 26,5%, terá de apresentar um projeto de lei complementar para o Congresso, que poderia, na linha do que está na Emenda Constitucional, prever, entre outros, mudanças nos redutores de alíquota. Mas como é um projeto de lei complementar, ele pode também prever mudanças em regimes específicos e, eventualmente, mudanças até na composição da cesta básica. Isso não está escrito, mas entendo que faz parte do desenho.
Valor: Pelo texto, o Executivo seria obrigado a enviar esse projeto de lei complementar, mas não está garantida a aprovação.
Appy: Não, não está garantida. Mas, pelo menos, é uma sinalização de que tem uma preocupação de que fique dentro desse limite. Tem uma discussão que está começando agora, o ministro já sinalizou que podemos eventualmente discutir com o Senado, em vez de ser o envio do projeto, já definir critérios para o ajuste. Mas isso tem que ser conversado com o senador Eduardo Braga, com o Senado Federal. De qualquer jeito, eu achei positivo a ideia de sinalizar que estamos preocupados, sim, com o nível da alíquota de referência.
Valor: O senhor não acha que deveria ter sido mais bem detalhado como que vai funcionar essa trava? Não ficou meio solto, descrito de uma forma genérica?
Appy: Está de forma genérica, mas eu achei que, no fundo, é bom, porque tem mais autonomia. Pode decidir mexer nos redutores de alíquota, inclusive fazer diferenciado por setores ou linear. Como é um projeto por lei complementar, você pode aproveitar e podem ser feitas mudanças nos regimes específicos, pode ser feita mudança até na composição da cesta básica dentro desse processo para chegar na alíquota de 26,5%.
Valor: Será possível compensar com a reforma da renda?
Appy: Se o Senado optar por ter critérios mais claros, definir claramente qual o ajuste que vai ser feito, então neste caso você poderia colocar como uma das variáveis considerar o efeito de uma mudança na tributação da renda sobre a alíquota como um dos parâmetros a serem considerados.
Valor: Isso seria algo positivo, tecnicamente?
Appy: Tecnicamente, é possível. Tem que fazer isso como uma coisa muito técnica. Se eu quero ter um critério muito claro, eu tenho que considerar algum projeto que já esteja aprovado, e não um projeto que vai ser enviado. Se já tiver algum projeto aprovado com efeito para frente, que vai ter um efeito em 2032, e já considerar isso na hora de calibrar a alíquota, é possível de ser feito.
Valor: Existe o questionamento sobre a efetividade dessa trava, de o futuro projeto depender de aprovação do Congresso…
Appy: Do jeito que está hoje, ela depende de uma aprovação do Congresso, sim. Não tem como você obrigar o Congresso a aprovar alguma coisa.
Valor: Então, seria um compromisso…
Appy: É uma sinalização de que há uma preocupação e que o tema vai ter que ser discutido. Pode ser uma coisa mais efetiva? Até pode. Mas foi bom porque a Câmara colocou o tema em discussão, já é algo importante.
Valor: Não há o risco, por exemplo, dessa redução, se tiver que ser feita, recair tudo sobre a CBS, porque o IBS pode enfrentar uma resistência maior dos Estados e municípios?
Appy: Depende de como você fizer. Se você fizer tudo via tributação da renda, provavelmente o ajuste acaba sendo mais via CBS. Não sei, precisa olhar direito. Agora, se você fizer via ajustes em regimes favorecidos, reduções de alíquotas, regimes específicos, aí pega a IBS e CBS.
Valor: Há estimativa sobre o impacto das mudanças aprovadas pela Câmara na alíquota de referência?
Appy: A conta ainda está sendo feita. Teve mudanças da Câmara que aumentaram a alíquota. Todo mundo sabe que a inclusão de carne na cesta básica nas nossas contas aumentava em 0,53 ponto percentual a alíquota. Teve algumas mudanças que ajudam a ter um efeito positivo e reduzir a alíquota, como o Imposto Seletivo sobre bets, a melhoria no modelo de cobrança dos tributos. Isso ajuda. É positivo. Mas a conta ainda não está feita.
Valor: Em paralelo à alíquota, os setores vão ter que fazer a conta de quanto vão pagar de fato considerando os créditos?
Appy: A mudança é muito grande. A gente está introduzindo não cumulatividade plena, tem setores que estão totalmente cumulativos hoje, tem setores que estão em meio de cadeia, que pagam pouco, mas não recuperam o crédito, não transferem o crédito, vão pagar uma alíquota mais alta, mas vão recuperar 100% do crédito. Eles vão pagar mais e vão ser beneficiados. Acho que nos próximos dois anos, as empresas vão ter muito mais clareza sobre qual vai ser o efeito da reforma tributária sobre cada setor. Temos segurança absoluta de que a reforma tributária vai ter um efeito positivo de levar a uma organização mais eficiente da economia. Isso tem um efeito deflacionário. As pessoas não entendem isso. A empresa vai se organizar de um jeito a reduzir o seu custo de produção e isso, no fundo, acaba tendo um efeito positivo do ponto de vista dos preços.
Valor: Vocês já calcularam qual seria esse efeito da reforma na inflação?
Appy: Não, com o desenho atual, não. Mas no agregado, o aumento de eficiência da economia tem um efeito deflacionário no longo prazo.
Valor: E sobre as proteínas animais, a Câmara colocou as carnes na cesta básica desonerada. Continua o impacto de 0,53 p.p.?
Appy: Sim, acho que isso não vai mudar. Não estamos mudando o modelo, estamos só mudando as hipóteses do que está sendo projetado.
Valor: Vocês vão trabalhar para que seja ajustado esse ponto sobre a carne, devido ao impacto na alíquota?
Appy: Não, isso não é a Fazenda que vai decidir, isso é o Senado que vai decidir. A Fazenda só vai dar apoio para o Senado tomar a melhor decisão possível.
Valor: Mas a Fazenda era contra a inclusão da carne na cesta. Vocês não vão pedir nada sobre isso?
Appy: Não é a Fazenda. Esse tema é pra política. Não é o governo que vai levar esse tema. Essa é uma decisão que o Senado vai ter que avaliar. Não é o governo que vai levar.
Valor: Mas vocês podem, por exemplo, levar o tema para debate.
Appy: Não somos nós que vamos levar. Nós vamos ver se o Senado está disposto a discutir o tema. Se o Senado estiver disposto a discutir o tema, nós vamos conversar com o senador Eduardo Braga e, se ele achar que é o caso, o que ele acha que seriam as diretrizes para poder fazer uma coisa dessa. E, a partir daí, nós vamos trabalhar. Não vamos levar um pacote próprio.
Valor: Mas se o Senado quiser reabrir essa questão da carne, vocês estão dispostos a subsidiar o debate?
Appy: Nós vamos subsidiar qualquer questão que o Senado quiser discutir. Obviamente, essa também.
Valor: Então vocês não vão reabrir? Porque a Fazenda defendia carne fora da cesta e mais cashback.
Appy: Do ponto de vista distributivo, o ideal era nem ter cesta básica e fazer tudo via cashback. Mas, já na emenda constitucional, o Congresso optou por ter cesta básica e cashback. A gente mandou um projeto de lei complementar com um desenho que achávamos que era possível na composição de cesta básica. O Congresso teve uma opção diferente. Faz parte da política, a gente respeita as decisões do Congresso Nacional.
Valor: Mas tem efeito sobre a alíquota de referência?
Appy: Tem. O Senado Federal vai discutir os temas. A nossa função vai ser dar suporte para que o Senado Federal tome a decisão que eles acharem que é a mais conveniente do ponto de vista político. Não é o governo que vai levar, damos apoio técnico.
Valor: Os parlamentares do GT da Câmara falavam que o senhor deixava muito claro que essa inclusão da proteína animal tinha esse impacto. O senhor vai continuar tendo essa postura proativa de explicar que a inclusão da proteína animal tem esse impacto?
Appy: Sim, vamos. Tivemos na Câmara e vamos ter no Senado. O Senado vai avaliar toda a composição de tudo que está na cesta básica. Assim como a Câmara fez, o Senado vai fazer esse trabalho e a gente vai dar apoio técnico para eles.
Valor: O governo passou a defender armas no Imposto Seletivo, mas, ao enviar o projeto de lei, vocês não incluíram. Por quê?
Appy: Teve uma votação explícita [durante a PEC] se arma entraria no Seletivo ou não, e foi decidido que não entraria. Minha posição é a favor de incluir arma no Seletivo, mas o que vale não é a minha posição. A gente mandou o projeto de lei complementar contemplando aquilo que foi decidido pelo Congresso.
Valor: Então foi uma decisão política?
Appy: Foi uma decisão baseada numa sinalização política que o Congresso já dava na votação da emenda constitucional. Foi colocado o tema em votação e perdeu. Não importa a minha posição, importa a posição do Congresso Nacional. A gente fez o desenho [do projeto de lei] respeitando a votação que tinha tido na constitucional.
Valor: A inclusão de armas no Seletivo teria arrecadação relevante?
Appy: Não é relevante. Mas é importante como uma sinalização.
Valor: Houve uma definição de reduzir os benefícios do setor imobiliário?
Appy: Não teve nenhuma definição de torná-lo mais tributado. Não foi isso. Entendeu-se que caberia ter um redutor de alíquota, mas quando mandamos o projeto, a gente não tinha feito ainda um cálculo mais detalhado de qual era a tributação hoje no setor. E a gente mandou um redutor de 20% de alíquota. Depois, reabriu a discussão no Congresso e aí avaliamos que, de fato, para manter a tributação atual, seria um redutor um pouco maior, de 40%.
Valor: Mas o setor está falando que vai aumentar a tributação, para 16%…
Appy: O cálculo é mais complicado que isso. O setor foi muito sério. A gente teve uma interlocução com o setor. Ao contrário de outros setores, que às vezes vem com umas contas aqui completamente inconsistentes, o setor abriu informações, dados, fez um trabalho de interlocução técnica importante, mas ainda assim nós temos algumas diferenças de hipóteses que resultam em diferenças de qual é a carga atual. Agora, estou dizendo assim, reforma tributária não tem como proposta manter a carga tributária atual para todos os setores. A gente nunca falou isso. Nunca foi colocado isso. Nossa avaliação é que os 40 % de redução de alíquota que estão lá basicamente mantém a carga atual. Eles entendem que não. São diferentes hipóteses na apuração das contas.
Valor: E como fica o impacto no preço dos imóveis?
Appy: O efeito sobre o preço dos imóveis é muito pequeno. Não é 15% do valor do imóvel. A alíquota de 15,9% é incidente sobre a base de cálculo. Ou seja, é o valor de venda de imóvel menos o que a gente chama de redutor de ajuste, que basicamente é o valor do terreno, menos o redutor social. Então esse 15,9% não está correto. Não é 15,9% do preço. É 15,9% na base. Nossa projeção é que você teria uma redução do preço do imóvel popular com esse modelo que foi aprovado aqui na Câmara entre 3,5% e 4%, tirando a média. E teria num imóvel de alto padrão, de 2 milhões de reais, aumento de preço de 3%.
Valor: Marginal então…
Appy: Efeito no preço do imóvel é marginal, a variação do preço de imóvel todo ano é muito maior que isso.
Valor: E qual sua avaliação geral do projeto aprovado pela Câmara?
Appy: A avaliação geral é positiva, na linha que preservou a espinha dorsal da reforma, tornou até melhor algumas características do modelo de cobrança. Obviamente, como sempre, acabou aprovando mais tratamentos favorecidos do que a gente gostaria, mas isso é da democracia.
Valor: Qual a expectativa para o Senado? Preocupa se a votação ficar para 2025?
Appy: Com relação ao Senado, nós vamos esperar pra conversar com o senador Eduardo Braga, que foi nomeado relator, e com os demais senadores pra avaliar qual vai ser o tempo da votação. Do ponto de vista técnico, o ideal seria aprovar ainda esse ano, mas temos que respeitar o tempo da política, mas o ideal seria aprovar este ano, porque tem muito trabalho ainda a ser feito, tem toda a regulamentação. Como temos em 2026 o ano de teste, o ideal é que, quanto mais cedo [aprovar], melhor, mas nós temos que respeitar o tempo do Congresso Nacional.
Fonte: Valor Econômico

