Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
13/12/2022 05h02 Atualizado há 47 minutos
Conforme avançam as discussões sobre os gastos públicos com a tramitação da PEC da Transição, a piora na percepção de risco fiscal e a possibilidade de aumento do crédito subsidiado via bancos públicos têm pressionado a taxa de juros de equilíbrio, aquela que não contrai nem estimula a economia. O cenário internacional também não ajuda, com condições monetárias mais apertadas nas economias centrais, o que dá apoio adicional à sensação de que a taxa de juros local deve permanecer em níveis mais altos à frente.
Os níveis mais baixos do juro neutro ficaram para trás. Antes da pandemia, o Banco Central e o mercado trabalharam, em seus cenários, com uma taxa de juros de equilíbrio de cerca de 3% em termos reais. Em junho, a autoridade monetária passou a adotar em seus cenários um juro real neutro de 4%, mas, nas últimas semanas, o mercado tem trabalhado com números ainda mais altos, e algumas casas já colocam em seus cenários uma taxa de equilíbrio de 5%.
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Nos cálculos do Banco Original, que consideram a diferença entre a Selic e o IPCA estimados pelo Boletim Focus para um intervalo de três anos à frente, o juro neutro implícito nas expectativas dos economistas de mercado está em 4,9% em termos reais. O ambiente com uma taxa neutra mais alta explicita que, na visão do mercado, mesmo que a Selic não suba além dos atuais 13,75%, ela não irá cair tanto quanto se esperava meses atrás. Isso, por sua vez, dialoga com cenários recentes de participantes do mercado que elevaram projeções para a Selic em 2023 e em 2024.
É o caso da XP Asset Management, cujo cenário central abarca um juro real neutro de 5%, com viés de alta, de acordo com o economista-chefe da casa, Fernando Genta. Para ele, os sinais de aumento do juro neutro são “inequívocos” e o Brasil deve transitar para um novo equilíbrio macroeconômico de maior gasto público, juros mais altos, inflação mais alta e algum aumento de carga tributária.
“Com a perspectiva de um maior gasto público, a gente deve ter uma revisão para cima das projeções de Selic no Focus e sem revisões para baixo nas expectativas de inflação. Essa combinação de mais juro e inflação esperados, por período extenso, é interpretada pelo modelo como aumento do juro neutro”, afirma Genta, que foi secretário adjunto do Ministério da Economia entre 2017 e 2018.
As discussões mais recentes sobre possíveis alterações na Taxa de Longo Prazo (TLP) também interferem na sensação de um juro neutro mais alto. Rumores de que o ex-ministro Aloizio Mercadante poderia assumir o comando do BNDES no próximo governo ganharam força e tiveram impacto expressivo nos juros de longo prazo. A taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 12,865% para 13,05%; e a do DI para janeiro de 2029 escalou de 12,90% para 13,10% ontem.
Na semana passada, Mercadante criticou o que considera um excesso de transferência do lucro do BNDES ao Tesouro Nacional, defendeu o papel do banco como propulsor da indústria e garantidor de empréstimos de longo prazo e, internamente, também discutiu formas de reconstruir o funding do banco e implementar mudanças na TLP. A avaliação do grupo de transição é a de que, além de excessivamente alta, a TLP seria inflexível e, assim, ineficiente.
Na avaliação de Genta, a discussão sobre mudanças na TLP caminha na direção de um juro neutro maior, já que, em caso de retorno ao cenário anterior, a potência da política monetária seria enfraquecida. “Conforme você aumenta o percentual do crédito não impactado pela política monetária, você precisa de um juro mais alto para conseguir o mesmo impacto na inflação. Pode parecer semântico, mas acho que isso é mais uma redução da potência da política monetária, propriamente, do que de uma alta do juro neutro em si. Mas as coisas caminham juntas”, avalia.
Bancos como Credit Suisse e Citi também já trabalham em seus cenários com uma taxa de juros real neutra de 5%. O Santander, por sua vez, embute em seus cenários uma taxa de equilíbrio de 4%, mas enfatiza que essa variável tem convergido para um nível mais alto.
“Nos nossos cálculos, com base na curva de juros real e suavizando os movimentos do mercado, realmente o juro neutro está convergindo para 5%. Não estamos incorporando isso no nosso cenário ainda; estamos esperando as decisões fiscais e as sinalizações sobre a política econômica”, diz o superintendente de pesquisa econômica do Santander, Mauricio Oreng. Embora ressalte que a incerteza no momento é elevada, o profissional enfatiza que, “de fato, há uma indicação preliminar de que o juro neutro pode estar indo para 5%”.
“Tudo mais constante, um juro neutro mais alto também significa que o resultado primário de equilíbrio fica mais alto”, observa Oreng, ao apontar para os desafios fiscais à frente. “E estamos vendo, ainda, um cenário em que o juro internacional está mais alto. Por alguns anos à frente vamos trabalhar com um juro mais alto lá fora. O ambiente com Fed funds a 5% é bem diferente daquele que nós esperávamos antes”, destaca o profissional do Santander.
Ao avaliar o histórico recente da taxa de juros de equilíbrio, Oreng lembra que, após a aprovação da Reforma da Previdência e a adoção da TLP, os prêmios de risco dos ativos brasileiros caíram a níveis “baixíssimos”, o que levou o mercado a projetar um juro de equilíbrio de 3%. “No entanto, a evolução do cenário pós-Previdência, com rediscussões do arcabouço fiscal e gastos acima do teto, levou a um cenário de juro neutro mais alto. Se tirássemos a reforma da Previdência da conta, nosso juro estaria em um patamar ainda mais alto.”
A hipótese no cenário-base do economista-chefe da Apex Capital, Alexandre Bassoli, é de juro neutro em 5% em termos reais. “A tendência tem sido de elevação desde a pandemia. As estimativas do próprio BC, que antes eram de 3%, passaram para 4%. Há um componente global porque claramente existe uma tendência de aumento significativo dos juros no mundo, mas também há um componente local, que é a questão do prêmio de risco, que está relacionada principalmente com a incerteza fiscal.”
Bassoli aponta que o teto de gastos trouxe previsibilidade para os gastos públicos e aumentou a confiança dos agentes econômicos. “Não está claro que tipo de regime pode vir a ser adotado, mas, se a adoção do teto contribuiu para reduzir o juro neutro, a extinção do teto aumenta a taxa.”
É o que observa, também, o economista-chefe do Original, Marco Antonio Caruso. “Se você tem um governo que está disposto a reduzir a poupança pública, há, teoricamente, menor disponibilidade de recursos e isso trabalha para que você tenha uma taxa neutra mais alta. O Brasil possui um endividamento elevado – quase 20% acima de seus pares emergentes – e a sinalização de aumento dessa dívida provoca aumentos nos prêmios de risco. Isso também conversa com um juro neutro mais alto”, afirma.
Como o juro neutro é uma variável não observável, de acordo com Caruso as evidências de uma taxa de equilíbrio mais alta podem transparecer na economia por meio de processos desinflacionários mais lentos e de taxas nominais mais elevadas por períodos mais longos.
Caruso também chama a atenção para a recente discussão sobre a retomada da Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP). “O BNDES oferecia créditos subsidiados para empresas grandes, em volumes relevantes. Você acaba fazendo com que uma parte grande do crédito da economia não reaja à política monetária. Se esse cenário for retomado, ele também exigiria um juro estruturalmente mais alto ao longo do tempo”, diz o economista.
Mensagens cautelosas sobre a retomada das taxas de juros subsidiadas, inclusive, têm sido emitidas por autoridades do Banco Central, em especial pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em eventos recentes. Contudo, apesar da discussão estar em alta entre os participantes do mercado, Caruso não acredita em uma mudança brusca na taxa de juro neutra nas próximas comunicações do Banco Central, como no Relatório de Inflação na próxima quinta-feira.
“O BC é um ‘tomador’ de informação fiscal e não pode supor coisas que ainda não estão materializadas. E seria estranho. A natureza não dá saltos. É difícil que o BC indique que tem uma convicção elevada que uma variável não observável passou de 4% para 5% de uma hora para a outra. Acho que seria um processo mais longo e discutido”, avalia o economista do Banco Original.
Fonte: Valor Econômico

