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Medidas adotadas pelo poder público, de forma intencional ou não, podem estar ajudando a concentrar a maior parte do consumo das famílias e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil na primeira metade dos últimos anos, resultando também em um fim de ano ligeiramente mais fraco que a média histórica recente.
O padrão do crescimento entre 2012 e 2019 na série sem ajuste sazonal mostra que o primeiro trimestre costumava começar em ritmo mais lento, com leituras entre queda de 3% e a estabilidade. O desempenho médio naquele período foi de contração de 1,8% na comparação com o trimestre imediatamente anterior.
Os últimos anos, no entanto, têm visto esse roteiro se alterar um pouco. Em 2022, o PIB do primeiro trimestre caiu apenas 0,5%, sempre na série sem ajuste sazonal. Em 2023, teve alta de 1%, acima da máxima observada entre 2012 e 2019. Para 2024, é esperada uma alta de 1,4% (0,7%, com ajuste), segundo projeções do Itaú Unibanco.
“Em 2022 e 2023, o que vimos foi um primeiro trimestre bem mais forte que a média. E 2024 deve repetir esse comportamento”, diz a economista do Itaú Unibanco Natalia Cotarelli.
Ela ressalta que, assim como em 2023, a intensidade do crescimento no primeiro trimestre deste ano tende a ser maior do que no restante do ano. Isso deve ocorrer mesmo sem a ajuda da agropecuária, grande motor do PIB do ano passado, respondendo sozinha, por um terço da expansão de 2,9%, boa parte concentrada no primeiro trimestre.
“Na nossa visão esse comportamento do crescimento indica que houve uma antecipação do consumo nos últimos dois anos, gerados por ajustes salariais, antecipações de 13º salário e liberações de FGTS, que levaram concentração do crescimento na primeira parte do ano”, diz.
Neste ano, o maior impulso deve vir dos R$ 90 bilhões em precatórios que começaram a ser pagos no fim do ano passado, após o Supremo Tribunal Federal declarar inconstitucional a PEC 46/21, que postergava o pagamento dessas dívidas para 2027. Nas contas da equipe econômica do banco, a medida deve acrescentar 0,3 ponto porcentual no PIB deste ano.
Essa projeção leva em consideração que aproximadamente metade dos precatórios era de natureza alimentícia – ou seja, não poderiam ser penhorados – e que era destinada a famílias de renda mais baixa, com propensão maior ao consumo.
“Além disso, Estados que tiveram maior avanço das vendas no varejo no começo do ano foram justamente os das regiões Norte e Centro-Oeste, as mais abastecidas por esses pagamentos”, continua Cotarelli.
No primeiro trimestre, o varejo restrito cresceu 5,9% na comparação com o mesmo período de 2023, segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC). Um cruzamento feito pelo banco em sua base de cartões banco e dados do indicador de alta frequência de atividade (Idat) mostrou ainda que famílias que receberam precatórios consumiram 10% a mais do que aqueles que não receberam.
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A economista cita outras também podem ter contribuído para fortalecer o crescimento do PIB na largada do ano. O governo Jair Bolsonaro lançou mão de vários saques do FGTS ao longo dos anos. O último deles, em 2022, foi pago entre abril e junho e injetou, aproximadamente, R$ 30 bilhões na economia.
Outra ação que se tornou recorrente foi a antecipação, para o segundo trimestre, do chamado 13º dos aposentados e pensionistas do INSS. Desde 2006, o pagamento já era feito em duas parcelas, em agosto e novembro. Em 2020, entretanto, o governo adiantou o benefício para o segundo trimestre, como forma de ajudar a aliviar o impacto trazido pela quarentena da covid-19. Desde então, a prática se manteve. Em 2024, a injeção de recursos entre abril e junho será de R$ 67,6 bilhões e chegará a 33,7 milhões de pessoas.
Cotarelli cita ainda fatores recentes que podem estar ajudando a intensificar esse processo, como a oficialização do benefício mínimo de R$ 600 do Bolsa Família e a volta da política de valorização do salário mínimo, que significou um reajuste real de 2,8% e 3% em 2023 e 2024, respectivamente.
“Vale notar que o mínimo também reajusta vários outros benefícios, como aposentadorias, seguro-desemprego, pensões e o abono salarial”, lembra.
A comparação com 2012 a 2019 mostra ainda que o quarto trimestre tem mostrado desempenho pior nos últimos dois anos. Em 2022 e 2023, o PIB trimestral caiu 2,4% e 2,3%, respectivamente. A média para o período é de retração de 1,3% e a mínima observada foi de -2,1%. Em 2024, esse padrão deve se repetir: o Itaú projeta queda de 2,4%.
“O setor público tem favorecido medidas no primeiro semestre nos últimos anos. É algo que tem ficado nítido e acredito que essa preferência tem a ver com o ciclo eleitoral”, diz o Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine.
Ele pondera, no entanto, que outro fator tem ajudado a aquecer a economia na primeira metade do ano. “A gente sabe da importância da agropecuária na composição do PIB brasileiro. Ainda que ela, ‘strictu senso’, represente algo perto de 6% do PIB, quando se acrescenta toda a cadeia do setor que é o agronegócio, da indústria de alimentos ao setor de transportes, vemos que ela já chega a algo perto de 30% do PIB”, lembra. “E seu efeito é concentrado no primeiros semestre, principalmente entre maio e junho, quando as principais colheitas, como soja e milho, ocorrem.”
Analisando os dados de atividade dos últimos anos, o PicPay não vê anomalias que possam sinalizar uma mudança do padrão de sazonalidade. Ainda assim, vale ficar de olho, diz o economista-chefe, Marco Caruso. “É fato que existiram eventos importantes recentes concentrados na primeira metade do ano. Talvez, se isso continuar se repetindo, pode acabar deslocando a sazonalidade”, pondera.
Ele também coloca a agropecuária como fator que tem desequilibrado o crescimento brasileiro em direção à primeira metade do ano – ainda que este evento não seja algo que se repita todos os anos.
De mais concreto, diz, um efeito que poderá ser observado é o esvaziamento do chamado carrego estatístico de um ano para o outro – ou o que se espera de “herança” entre o ritmo de atividade de um período para outro. “É o ritmo de atividade do fim de um ano que determina se o carrego para o ano seguinte será relevante. Se o ano termina em tom mais fraco, o carrego fica prejudicado”, diz. “Para as projeções do ano corrente, no entanto, é melhor que o impulso ocorra já no primeiro trimestre.”
Caruso também analisou projeções extraídas da pesquisa Focus, do Banco Central, e nota que a mediana do mercado sinaliza esperar um crescimento mais ou menos constante do PIB ao longo deste ano, algo entre 0,4% ou 0,5% por trimestre. Isso mesmo diante da surpresa já incorporada por muitos economistas pelo pagamento dos precatórios, cujo efeito deve se concentrar nos primeiros meses de 2024.
Caso este ano repita 2023, quando o PIB cresceu no primeiro semestre e andou de lado no segundo, “poderemos observar uma sazonalidade das projeções de analistas, revisando para cima suas projeções na primeira metade do ano e para baixo na segunda”, brinca.
De olho no efeito dos precatórios este ano, o Itaú Unibanco mudou sua projeção para o crescimento do PIB ao longo dos trimestres. Na primeira metade do ano, ele agora espera um crescimento média trimestral em torno de 0,65%, de 0,5% anteriormente. Já na segunda metade do ano, a estimativa passou de 0,35% para 0,30%.
O PicPay, por sua vez, projeta crescimento médio de 0,54% no primeiro semestre e 0,40% no segundo, em linha com a Focus. “Entendo que o efeito dos precatórios deve ficar concentrado na primeira metade do ano. Em compensação, não vemos o desemprego piorar, então a renda continuará impulsionando o consumo e o crédito já começa a melhorar. Ou seja, alguns fatores vão substituindo outros”, explica Caruso.
Fonte: Valor Econômico
