Em painel realizado nesta segunda-feira (8/12) no evento da Go Enablers, um comentário inicial de Fabiana Fagundes, fundadora do escritório FM/Derraik, sintetizou o momento atual da adoção de inteligência artificial (IA) no Brasil: “As corporações perdem milhões porque ninguém tem coragem de matar projetos que não fazem mais sentido”. A provocação, direta e desconfortável, expôs a principal barreira da transição do hype para o impacto real, a dificuldade das empresas em abandonar iniciativas que não geram retorno e priorizar aquelas que, de fato, mexem no P&L.
Durante anos, a IA esteve concentrada em pilotos isolados, provas de conceito e iniciativas desconectadas da estratégia central das empresas. A pressão dos boards, porém, mudou o eixo da discussão. “Projetos de IA precisam mostrar o que entregam, quando entregam e como impactam o resultado financeiro”, reforçou Fabiana, ao comentar que muitos executivos ainda se movem por vaidade tecnológica, e não por lógica de negócio.
Essa mudança de mentalidade ficou evidente no debate com executivos da Eurofarma, Vitru Educação e Léo Madeiras, que mostraram como a tecnologia começa a sair do laboratório e a entrar no fluxo real de receita e custos das organizações.
No caso da Eurofarma, a IA foi aplicada em um dos processos mais críticos e regulados do setor farmacêutico: a submissão regulatória de medicamentos em mais de 20 países da América Latina.
A empresa desenvolveu um sistema baseado em multiagentes capaz de automatizar traduções, extrair tabelas, padronizar nomenclaturas e estruturar documentos complexos exigidos por diferentes autoridades sanitárias. O uso foi da IA, mas sempre há uma intervenção humana ao final do processo. O impacto foi imediato. “Esse é um projeto core, que toca diretamente receita”, afirmou Érika Menezes, head de Digital Innovation e Novos Negócios da Eurofarma.
A Vitru Educação apresentou uma jornada semelhante em um setor também altamente regulado. Com 13 mil polos parceiros espalhados pelo País, a empresa era desafiada pelos altos volumes de chamadas e processos manuais. A implementação de agentes inteligentes reduziu drasticamente o tempo de atendimento e remodelou funções internas, com atendentes migrando de papéis operacionais para funções de curadoria.
Outro piloto, voltado à captação de estudantes, aumentou a conversão da jornada inicial de matrícula. “A área de negócio é dona da solução. Isso muda tudo”, afirmou Alessandra Reis Lima, diretora-executiva de Inovação da Vitru. Ela ressaltou que “sem métricas claras, cadência de revisão e coragem para interromper o que não funciona, nenhum projeto escala de verdade”.
Se na Eurofarma e na Vitru os ganhos envolvem processos de alta complexidade, no varejo B2B da Léo Madeiras eles aparecem de forma ainda mais direta. A companhia revisitou um algoritmo de pricing desenvolvido cinco anos antes, que havia sido deixado na prateleira com o passar do tempo.
Ao modernizá-lo e integrá-lo ao data lake no Google Cloud, o sistema voltou a entregar resultados expressivos. Segundo Celso Bueno, CIO da Léo Madeiras, o projeto gerou impacto imediato nas margens nacionais. O executivo também destacou a importância de olhar para problemas reais antes de buscar soluções sofisticadas. “Quando eu recebo uma ligação oferecendo uma solução, eu digo: vá até a loja e entenda o problema”, assinala ele.
A empresa também está testando um copiloto de vendas para o segmento de marcenaria, cuja complexidade técnica exige rapidez e precisão na jornada comercial. “Esse projeto tende a ser uma virada para a companhia”, disse Bueno, ao explicar que o agente deve eliminar tarefas burocráticas e permitir que o vendedor foque na relação com o cliente, um diferencial competitivo relevante em mercados pressionados.
Sem processo, sem IA
O conjunto dos três projetos evidencia um ponto central: a IA só funciona onde o processo funciona. “Se você turbinar um processo ruim, você não resolve nada, só erra mais rápido”, comentou Bueno, ecoando o aprendizado comum entre as empresas.
A percepção reforça dados da pesquisa Antes da TI, a Estratégia, do IT Forum, segundo os quais quase metade dos CIOs brasileiros têm dificuldade de comprovar retorno de iniciativas de IA. Em muitos casos, o problema não está no modelo adotado, mas na falta de clareza sobre o problema a ser resolvido, na baixa maturidade de dados e na ausência de governança multidisciplinar capaz de priorizar, medir e interromper projetos.
Outro ponto recorrente foi a necessidade de letramento das equipes. Fabiana relatou a experiência em seu escritório. “Se você não letrar seu time, você não extrai nada. Ninguém consegue propor nada porque nem sabe o que não sabe.” Erika reforçou a mesma preocupação, comentando que a Eurofarma tornou o treinamento obrigatório para toda a liderança, mas ainda enfrenta desafios na formação contínua. Na Vitru, a capacitação foi incorporada à lógica de portfólio e virou parte da cultura interna.
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