Navios americanos foram alvos de novos ataques ontem no Oriente Médio, dias depois de os EUA terem liderado uma série de bombardeios para enfraquecer a capacidade de rebeldes houthis de atingir navios no Mar Vermelho.
Ontem, um míssil houthi atingiu um navio graneleiro americano, o Gibraltar Eagle, perto da costa do Iêmen, sem causar ferimentos ou grandes danos, segundo o Comando Central dos EUA, que supervisiona as operações militares do país no Oriente Médio.
As ações dos houthis, de início direcionadas contra navios vinculados a Israel, estão afetando os mercados mundiais, desestabilizando as rotas de navegação internacional e passaram a ser cada vez mais indiscriminadas. Os rebeldes atacaram quase todo tipo de alvo, desde porta-contêineres até navios com petróleo russo sob sanções, uma vez que as particularidades da navegação mundial quanto à propriedade dos navios complicam a capacidade do grupo de identificar alvos específicos.
Ontem, eles afirmaram que continuarão com sua campanha contra alvos americanos e internacionais na região em resposta às ações de Israel na Faixa de Gaza. “Qualquer um que tente nos impedir de fazer isso falhará”, disse um representante dos houthis.
Os houthis lançaram dezenas de ataques com mísseis e drones no Mar Vermelho, em sua maioria contra navios mercantes, desde os ataques de 7 de outubro do Hamas, que levaram Israel a responder com uma campanha aérea e terrestre na Faixa de Gaza. Na semana passada, em retaliação, os EUA e seus aliados atingiram dezenas de áreas controladas pelos houthis no Iêmen, visando reduzir a capacidade de ataque do grupo rebelde no Mar Vermelho.
Os ataques, porém, continuaram. As forças dos EUA detectaram ontem um míssil balístico antinavio disparado em direção a linhas comerciais no sul do Mar Vermelho. O míssil falhou durante o voo e caiu no Iêmen, segundo o Comando Central dos EUA. No domingo, militares dos EUA derrubaram um míssil de cruzeiro lançado de áreas controladas pelos houthis em direção a um destróier da Marinha americana no Mar Vermelho.
A maioria dos ataques houthis tem atingido navios sem conexão aparente com Israel ou seus aliados. Um alvo recente foi um navio carregado com petróleo no porto russo de Ust Luga, segundo firmas especializadas em rastreamento. O navio pertenceu anteriormente a uma empresa britânica, mas foi comprado em 2023 por uma entidade offshore nas Seychelles.
“O setor de navegação envolve uma rede tão complexa de partes interessadas que é difícil atribuir uma única nacionalidade a uma embarcação”, disse Ami Daniel, CEO da firma de informações de navegação Windward.
Alguns donos de navios e tripulações dizem que, para evitar ataques, vêm transmitindo mensagens por rádio antes de cruzar o Mar Vermelho, declarando que não têm vínculos com Israel. O An Hai Wan, um petroleiro fretado pela gigante chinesa Cosco, enviou uma mensagem de rádio aberta pouco antes do primeiro ataque liderado pelos EUA contra os houthis na quinta-feira, informando que era tripulado por chineses.
Após o ataque interceptado no domingo, há dados de que 23 navios pararam ou mudaram de curso, mas, até ontem, mais de 90 ainda navegavam pela rota em direção ao Canal de Suez
O volume de contêineres que cruzou o Canal de Suez entre meados de dezembro e 7 de janeiro diminuiu mais de 60% na comparação anual — de 3,3 milhões para 1,3 milhão de contêineres — como resultado dos desvios de navios para o Cabo da Boa Esperança, segundo a Lloyd’s List Intelligence.
O Catar, que atuou como mediador para os houthis no passado, foi o mais recente a suspender o uso da rota do Mar Vermelho para suas exportações de gás natural liquefeito (GNL), segundo um funcionário do país e empresas de rastreio de linhas marítimas.
Representantes do Ministério das Relações Exteriores do Catar e da Qatar Energy, estatal de GNL, não responderam aos pedidos para comentar as informações.
Proprietários de petroleiros informaram que depois do ataque liderado pelos EUA, vários capitães de navios fretados com destino à Europa via Canal de Suez recusaram-se a entrar no Mar Vermelho, obrigando o uso da rota mais longa ao redor da África. A agência de registro de navios de Cingapura e a Intertanko, um grupo lobista do setor, recomendaram que o Mar Vermelho deve ser evitado.
Na sexta-feira, a Rússia condenou os ataques dos EUA aos alvos houthis. Horas depois, os houthis dispararam um míssil que caiu a 400 metros do Khalissa, um petroleiro carregado com petróleo russo, segundo autoridades de navegação. Para a Ambrey, uma empresa de segurança marítima do Reino Unido, esse ataque foi provavelmente um erro de identificação, em razão de informações desatualizadas sobre a propriedade do navio em alguns bancos de dados.
A chamada “armada fantasma”, de cerca de 100 petroleiros transportando petróleo russo sob sanções para a Ásia, supostamente não deveria estar entre os alvos dos houthis, segundo executivos russos da área de navegação e corretores de navios do Oriente Médio.
“A frota-fantasma de Moscou é feita para driblar sanções e ocultar a propriedade russa. Não me surpreende que os houthis estejam se confundindo sobre quem atacar”, disse Daniel, da Windward. O Kremlin não respondeu a um pedido para comentar o assunto.
Um alto funcionário iraniano que fez parte da equipe que negociou o acordo nuclear, agora abandonado, com os EUA e outras nações em 2015, disse que os ataques indiscriminados dos houthis preocupam Teerã. “Os houthis estão mais audaciosos a cada ataque”, disse ele. “Isso é um problema porque eleva ainda mais as tensões entre Irã e EUA, que não desejam um confronto direto. Eles poderiam atacar um navio de guerra americano, um navio de carga chinês ou um petroleiro ligado à Rússia. Então, tudo pode sair do controle.”
Um oficial do Pentágono disse que os ataques indiscriminados dos houthis podem levar a mal-entendidos entre Washington e Moscou sobre quem está por trás deles e aumentar ainda mais as tensões nas já abaladas relações russo-americanas em razão da guerra na Ucrânia. “É uma situação muito ativa e perigosa em uma das rotas de navegação mais cruciais do mundo”, disse o oficial. “Os houthis precisam parar com o que estão fazendo ou sua máquina de guerra será destruída.” (Tradução de Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Econômico

