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As fortes chuvas e inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em maio trouxeram impactos à operação do hospital Moinhos de Vento, localizado no bairro de mesmo nome, em Porto Alegre. Mesmo não tendo sofrido com alagamentos, a unidade de 485 leitos enfrentou restrições de acesso, risco de falta de energia elétrica e de insumos necessários ao seu funcionamento, em decorrência do bloqueio das vias, além de ter ficado 16 dias sem abastecimento regular de água. A solução no primeiro momento foi criar um comitê de crise que fizesse frente ao desafio de manter a instituição operando, com atendimento aos pacientes e suporte a outros hospitais da região.
Anos antes, porém, o Moinhos de Vento já havia estruturado um plano para enfrentamento de crises e catástrofes, que deu um norte sobre o que priorizar no momento emergencial. “Depois das enchentes de maio, o preparo para essas situações se mostrou fundamental e reforçou a necessidade de priorizar algumas ações de fortalecimento da resiliência da nossa estrutura”, diz Mohamed Parrini, CEO do hospital Moinhos de Vento.
O preparo dessa “infraestrutura resiliente em longo prazo”, nas palavras do CEO, inclui aumentar as fontes de energia renovável, o armazenamento e os métodos de tratamento de água, de modo a garantir autonomia em situações de desabastecimento generalizado. E também dar respostas à crise climática por meio da mitigação dos gases de efeito estufa (GEE): o hospital se comprometeu a se tornar carbono neutro em 2027, ano em que completa cem anos de fundação. Esse trabalho começou em 2020, com o mapeamento das fontes de carbono, por meio da realização de inventários de emissão a partir da metodologia GHG Protocol, que detectou que as maiores fontes de emissões estão relacionadas ao alto consumo de energia elétrica do hospital, principalmente dos sistemas de aquecimento, ventilação, ar condicionado e iluminação, e também dos equipamentos médicos que funcionam 24 horas por dia.
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Além disso, hospitais que operam em edifícios antigos enfrentam o desafio de adequar a infraestrutura a um novo padrão de eficiência energética. Segundo Parrini, investir em tecnologia verde não é barato, embora no longo prazo resulte em eficiência e redução de custos. Na ponta do lápis, as ações de eficiência energética empregadas nos últimos oito anos, como a instalação de painéis fotovoltaicos e compra de energia no mercado livre em contratos de longo prazo, permitiram uma economia na conta de luz de R$ 30 milhões. As medidas para que a organização alcance a neutralidade de carbono incluem ainda gerenciar os resíduos gerados no hospital, com triagem dos que podem ser reciclados, e medidas de compensação, como um projeto que planta uma árvore para cada criança nascida no hospital até 2027 — a expectativa é alcançar 20 mil mudas plantadas em uma área de reserva de Mata Atlântica em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre.
Os desafios de mensuração e controle das emissões são, de modo geral, comuns às instituições que começam a adotar práticas de gestão em sintonia com a agenda ambiental, social e de governança (ESG), de acordo com Maria Emília Peres, líder de clima e sustentabilidade da consultoria Deloitte. Hoje, o setor de saúde representa cerca de 4,4% das emissões globais de GEE, de modo que a busca por planos de ação climática aterrissou com força no segmento. “Mudou o senso de urgência do segmento. No mundo todo, ocorre essa conexão com metas de clima”, diz.
Prestes a completar 131 anos, o Hospital Santa Izabel, que tem 483 leitos e é uma das principais unidades que fazem parte da Santa Casa da Bahia, em Salvador, entrou na corrida Race to Zero, campanha lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2020 para que atores não governamentais (empresas, investidores, cidades e regiões) reduzam metade de suas emissões em 2030 e atinjam a neutralidade climática até 2050, com base nos dados de 2020. A Santa Casa da Bahia adotou uma política de gestão ambiental em 2015, quando se filiou ao Projeto Hospitais Saudáveis (PHS), organização que faz parte de uma rede global de instituições que adotam políticas de sustentabilidade. Desde então, vem melhorando indicadores ambientais, especialmente o consumo de água — hoje o Hospital Santa Izabel consome 50% menos água do que há nove anos, mesmo com a expansão das atividades — e eficiência energética, o que abriu caminho para assumir metas climáticas.
O passo seguinte foi realizar o inventário de emissões de carbono e monitorar mensalmente as fontes de emissão. A descoberta foi que as principais fontes estavam relacionadas à utilização de ar-condicionado e aos gases anestésicos, como o óxido nitroso, um potente gás de efeito estufa — é considerado 300 vezes mais danoso à atmosfera do que o dióxido de carbono. “As perdas de óxido nitroso eram enormes, e conseguimos reduzir o desperdício em 80% após um ano de monitoramento e controle. Mesmo assim, os gases de anestesia ainda respondem por 35% das emissões, e seguimos estudando medidas de mitigação”, diz Eduardo Araújo, gerente de infraestrutura da Santa Casa da Bahia.
Com uma operação que mescla edifícios antigos no bairro de Nazaré, no Centro Histórico de Salvador, e outros mais recentes, a modernização dos sistemas de ar-condicionado é outro desafio, pois estes equivalem a 26% das emissões de gases estufa do hospital Santa Izabel. Araújo estima que são mais de 700 equipamentos em todo o hospital, e parte já foi substituída por aparelhos mais novos, com gases de refrigeração que emitem menos. De modo geral, nos últimos três anos, as medidas de monitoramento e controle das fontes de emissão de gases estufa já permitiram uma redução de 30% dos escopos 1 e 2 (emissões diretas, no jargão climático).
O Hospital Estadual do Centro-Norte Goiano (HCN), hospital público de referência localizado em Uruaçu (GO), deu início ao primeiro inventário de emissões em 2023, que mostrou que a maior parte das emissões (34%) está relacionada a gases consumidos na unidade, 25% ao consumo de energia elétrica e os 40% restantes são emissões indiretas ligadas ao uso de combustíveis e disposição de resíduos. A fase seguinte é a elaboração do plano de descarbonização, que traça potenciais medidas para corte nas emissões. “Conseguimos mapear diversos pontos de atenção para a descarbonização que expressam também os desafios de outros grandes hospitais”, diz Raelmá Dourado de Magalhães, diretor de infraestrutura do Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (Imed), responsável pela administração do hospital. Uma das frentes de redução das emissões será por meio de um projeto de eficiência energética que teve início em julho e vai instalar 300 painéis fotovoltaicos, tornando o HCN o primeiro hospital de Goiás a contar com sua própria usina solar.
O arsenal dos hospitais para lidar com as questões climáticas inclui ainda a contratação de serviços de inteligência meteorológica. O Hospital Israelita Albert Einstein, por exemplo, utiliza, há mais de um ano, o monitoramento meteorológico da consultoria Climatempo para gerenciar o uso dos geradores de energia elétrica movidos a diesel. Assim, os alertas emitidos pela empresa ajudam o hospital a evitar que suas atividades sejam afetadas por falta de energia. “Com previsões de curto prazo mais assertivas, esses equipamentos agora são ligados apenas em situações de risco real de interrupção no fornecimento de energia, e permanecem em operação apenas durante o tempo necessário, reduzindo as emissões”, afirma Roberto Miranda, meteorologista e executivo de vendas da Climatempo. Segundo ele, o setor de saúde é um dos que mais têm buscado informações meteorológicas — além de hospitais, empresas do setor farmacêutico, por exemplo, buscam previsões de longo prazo para definirem estratégias relacionadas a estoque, produção e vendas de medicamentos para doenças cuja incidência é influenciada pelo clima, como alergias.
A gestão dos riscos climáticos chegou também ao varejo de medicamentos. A RD Saúde, empresa criada a partir da fusão das redes de farmácias Droga Raia e Drogasil, elencou 22 compromissos ligados à agenda ESG, sendo três deles relacionados a clima, como reduzir as emissões absolutas de GEE a partir da iniciativa SBTi (sigla em inglês para metas baseadas na ciência), engajar fornecedores em metas climáticas e, até 2025, atingir 100% de energias renováveis nas operações, que incluem 3.080 farmácias e 14 centros de distribuição. De acordo com Maria Susana de Souza, vice-presidente de gente, cultura e sustentabilidade da RD Saúde, ações de otimização da logística, veículos elétricos e medidas de eficiência energética nas lojas, como o uso de lâmpadas LED, já possibilitaram a redução de 27% das emissões de GEE. Já a fatia de energia renovável chega a 72%, com destaque para a geração de energia fotovoltaica. “Não existe bala de prata, e sim uma interação forte entre os times de expansão, engenharia e sustentabilidade para encontrarmos as melhores soluções”, explica a executiva. Muito capilarizada, com presença em todos os Estados brasileiros, a empresa também tem mapeado estratégias de resiliência climática.
Fonte: Valor Econômico