A Europa sofreu um terremoto político. Partidos de extrema-direita avançaram nas eleições para o Parlamento Europeu. E, mais importante, os governos de Alemanha e França, os dois países mais importantes da Europa, que formam o eixo da União Europeia (UE), sofreram derrotas duríssimas. As repercussões serão profundas, tanto nos países-membros como na UE.
No futebol, quando um time ganha, mas não se classifica, costuma-se dizer que ele venceu, mas não levou. Nas eleições para o Parlamento Europeu ocorreu o contrário: quem não ganhou levou. Apesar do avanço, os partidos de extrema direita ainda deverão ser minoritários no Parlamento Europeu. Mesmo assim, são o fenômeno dessas eleições.
Eleitores dos 27 países-membros da UE foram às urnas desde quinta-feira para eleger os 720 deputados do Parlamento Europeu. As pesquisas já indicavam que haveria um avanço importante da extrema direita. O resultado final ainda não estava definido na noite de ontem, pois a apuração ainda estava em andamento.
Projeções oficiais, porém, indicavam que o grupo parlamentar Partido Popular Europeu (PPE, de centro-direita), continuará como maior no Parlamento da UE, com 181 deputados. Em segundo lugar ficará o grupo Socialistas e Democráticos (S&D, de centro-esquerda), com 135. O grupo liberal será o terceiro maior, com 82.
Os partidos de extrema direita juntos devem somar 150 cadeiras. Esses partidos, porém, estão divididos em três grupos diferentes no Parlamento Europeu e com frequência não atuam em conjunto. Alguns, como o Irmãos da Itália, da premiê Giorgia Meloni, apoiam a Ucrânia. Já a francesa Marine Le Pen critica a ajuda militar aos ucranianos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/3/G/Fkm9y9QrK96m2uy6H0jQ/fa2031b5b8df43fe922982835e277b41-984ed.jpg)
Apesar de a extrema direita ter ampliado sua bancada, continuará minoritária no Parlamento. E a próxima Comissão Europeia (CE, o órgão executivo da UE) deverá ser formada pelos mesmos grupos políticos de hoje, com PPE e S&D à frente. A atual presidente da Comissão, a alemão Ursula von der Leyen, tem chances de continuar no cargo.
Mas as eleições para o Parlamento Europeu têm efeitos importantes na política interna dos países-membros, que já começaram neste domingo (9). Na França, o presidente Emmanuel Macron anunciou a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições legislativas. Isso porque seu partido ficou com cerca de 15,2% dos votos apenas, segundo projeções, menos de metade dos 31,5% da União Nacional, de extrema-direita, liderada por Marine Le Pen.
Macron não era obrigado a antecipar as eleições antecipadas, pois a atual legislatura, eleita em 2022, iria até 2027. Mas a derrota enfraqueceu a atual coligação e seria difícil governar até 2027. O próprio presidente explicou sua decisão em pronunciamento ontem, ao dizer que não pode “fazer de conta que nada aconteceu”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/c/r/CCemmbQbiyDrSSRhAoLQ/ap24116405896136.jpg)
Trata-se de uma aposta muito arriscada, tanto para Macron como para a UE. As eleições antecipadas serão apenas para o Parlamento francês, e não para presidente. A aposta de Macron é, provavelmente, de que o resultado deste domingo não se repetirá nas eleições legislativas. É comum que, nas eleições europeias, os eleitores punam os governos nacionais no cargo, num voto de protesto. Isso ocorreu ontem em vários países. Mas não necessariamente isso ocorrerá numa eleição nacional.
Protesto, aliás, é a explicação mais repetida para o crescimento da extrema direita na Europa. Protesto contra a imigração, contra a precarização do trabalho e os baixos salários de uma parte significativa da população, contra a piora da educação e saúde públicos, contra a guerra na Ucrânia, e contra o que é visto como excesso de intromissão da UE nos temas nacionais.
Mas, se a aposta de Macron der errado e a extrema direita ganhar, poderá indicar o novo primeiro-ministro da França, que dividirá as funções de governo com Macron. Os franceses chamam essa situação de coabitação, isto é, quando o presidente e o premiê são de partidos diferentes. Isso enfraquecerá a posição da França na UE, o que, por sua vez, enfraquecerá governança da própria UE.
Na Alemanha ocorreu algo parecido. O Partido Social-Democrata (SPD, de centro-esquerda), do premiê Olaf Scholz, teve o seu pior resultado em eleições europeias, segundo projeções, obtendo apenas 14% dos votos. Ficou atrás da União Democrata Cristão (CDU), com 30,3%, e da Alternativa para a Alemanha (AfD), com 16,2%. O resultado enfraquece a coalizão de governo de Scholz, formada pelo SPD, verdes e liberais, eleita em 2021. Não está claro ainda se Scholz seguirá Macron e antecipará eleições, que ele quase certamente perderia.
Nos próximos dias, o terremoto político continuará tendo repercussões em vários países da UE. Na Áustria, por exemplo, a extrema direita ficou em primeiro lugar. Na Holanda, a extrema direita ficou em segundo lugar e deverá entrar no governo que está sendo formado.
Quanto ao governo da UE, levará ainda semanas ou meses para a definição da nova maioria parlamentar e da próxima Comissão Europeia. Mas é evidente o avanço da extrema direita provocará uma guinada à direita na agenda política do bloco. E que ficará mais difícil governar a UE com o aumento da rejeição à própria UE expressado no voto na extrema direita.
Fonte: Valor Econômico

