A próxima fase da guerra contra a inflação começa a tomar forma na Europa, com os governos pressionando as empresas a reduzirem os preços de todos os produtos, do macarrão ao frango. Seu argumento: os lucros estão altos demais.
O serviço de estatísticas da União Europeia (UE), Eurostat, informou na sexta-feira (30/6) que os preços ao consumidor nos 20 países que compartilham o euro subiram 5,5% ao ano em junho, ficando abaixo da taxa de 6,1% registrada em maio. Foi a menor alta desde o início de 2022.
Mas essa desaceleração deve-se em grande parte à queda dos preços da energia. A medida núcleo da inflação — que exclui os preços de energia e alimentos — subiu de 5,3% para 5,4% em junho. E, o que é mais preocupante para as famílias, os preços dos alimentos continuam a aumentar em ritmo acelerado, embora um pouco mais lento do que nos últimos meses.
Após a normalização dos preços da energia, que tinham subido muito no ano passado, a forte alta dos gastos com alimentos neste ano tem alarmado os governos europeus. Em resposta, começaram a pressionar supermercados e produtores de alimentos a limitar ou reverter aumentos de preços.
Essas medidas ainda não chegaram aos controles de preços que os governos introduziram no início dos anos 1970, mas empurram a Europa na direção de uma abordagem mais intervencionista para a inflação do que a dos Estados Unidos, onde o ritmo de alta de preços desacelerou de forma mais expressiva nos últimos meses.
Na França, onde os preços dos alimentos subiram mais de 14% nos últimos 12 meses, o governo pressiona os maiores fabricantes do país a baixarem seus preços.
“Não permitiremos que grandes empresas industriais obtenham margens indevidas”, afirmou o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, que ameaça expor os nomes das empresas que não se dispõem a repassar seus custos mais baixos aos consumidores, e até mesmo a criar um imposto especial sobre os lucros delas.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee), em 2021 os altos preços agrícolas e de energia reduziram as margens das empresas de alimentos. Mas no ano passado, suas margens se ampliaram com a queda dos preços das matérias-primas. O Insee informou que as margens das empresas de alimentos foram 9,3 pontos porcentuais mais altas no primeiro trimestre deste ano do que em 2018.
“O que vemos é um efeito de recuperação”, disse Julien Pouget, economista-chefe da Insee. Ele acredita que o ritmo do aumento dos preços dos alimentos vá desacelerar neste ano.
Jacques Creyssel, da federação francesa de varejo, disse que os varejistas têm buscado a ajuda do governo para renegociar os preços com as fabricantes de alimentos.
“Nós aceitamos aumentos de 30% a 40% em alguns produtos no ano passado porque isso correspondia à evolução dos custos das empresas de alimentos”, disse Creyssel. “Agora que seus custos estão caindo, é normal que isso funcione no sentido inverso.”
Em junho, o governo francês pediu a 75 fabricantes que enviassem uma lista dos produtos cujos preços elas vão baixar.
Um porta-voz do Ania, o grupo de lobby do setor de alimentos da França, disse que as empresas ofereceriam cortes em certos produtos que tiveram quedas recentes nos preços de suas matérias-primas, tais como macarrão e frango. Mas ressalvou que é impossível reduzir os preços de produtos de outras categorias, como leite ou carne suína, pois os custos das empresas de alimentos continuam altos.
No Reino Unido, os principais varejistas foram instados a prestar contas de seus lucros perante uma comissão de parlamentares na terça-feira (27/6). No dia seguinte, o ministro das Finanças, Jeremy Hunt, reuniu-se com a agência reguladora da concorrência, a Competition and Markets Authority, e outras para discutir maneiras de enfrentar o que é conhecida como a crise do custo de vida.
A agência publicará os resultados de sua investigação sobre os preços dos alimentos em julho. O Banco da Inglaterra (o banco central britânico) também se reunirá com produtores de alimentos antes de sua decisão de setembro sobre as taxas de juro.
“Temos trabalhado duro para reduzir a inflação pela metade neste ano”, disse Hunt. “As empresas também precisam fazer a sua parte e ficarei atento ao que fizerem.”
Até agora, só a Croácia e a Hungria adotaram controle de preços. Em setembro de 2022, o governo croata impôs um corte de 30% nos preços de petróleo, farinha, açúcar, carne de porco, frango e leite. O país aderiu à zona do euro em janeiro. Na semana passada, o governo da Hungria anunciou a prorrogação até agosto dos tetos de preços de uma gama semelhante de alimentos da cesta básica, estabelecidos em 2021.
Nos últimos meses, os responsáveis pelas políticas econômicas europeias se convenceram de que os lucros mais altos ajudaram a elevar os preços de muitos bens e serviços, inclusive os de alimentos. Nas últimas semanas, organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) endossaram essa avaliação.
Em um estudo recente, economistas do FMI calcularam que os lucros representaram 45% do aumento dos preços ao consumidor na zona do euro entre o início de 2022 e março de 2023, enquanto os salários corresponderam a 25%. O restante ficou por conta dos custos crescentes da importação de energia, alimentos e outros bens.
Os lucros contribuíram de forma semelhante para a inflação no Reino Unido durante o segundo semestre de 2022, mas o aumento dos salários foi o fator dominante nos EUA naquele ano.
Isso ajuda a explicar por que o Banco Central Europeu (BCE) dá mais ênfase à redução dos lucros enquanto busca combater a inflação. Na semana passada, a presidente do BCE, Christine Lagarde, afirmou que os lucros crescentes tiveram um papel fundamental na alta da inflação, com as empresas tirando proveito do salto nos custos da energia. “A simples magnitude do crescimento dos custos dos insumos tornou mais difícil para os consumidores julgarem se os aumentos de preços foram causados por custos mais altos ou lucros mais altos”, disse ela.
Segundo o BCE, a pressão dos lucros sobre os preços diminuiu no primeiro trimestre deste ano, embora algumas empresas continuem a registrar margens mais altas. Na quinta-feira, a montadora francesa Renault elevou sua perspectiva de lucro para o ano, e citou um aumento em suas margens operacionais como justificativa.
Por outro lado, Lagarde disse que hoje os trabalhadores tentam recuperar parte da redução de seu poder de compra real ao exigir, e provavelmente obter, aumentos salariais maiores. Na sexta-feira, o Eurostat informou que a taxa de desemprego da zona do euro permaneceu na mínima recorde de 6,5% em maio e 227 mil europeus encontraram empregos. Lagarde afirmou que o BCE só poderá reduzir a inflação enquanto os salários sobem se as empresas abrirem mão de parte de seus novos lucros.
“A economia pode conseguir a desinflação como um todo enquanto os salários reais recuperam parte de suas perdas”, disse ela. “Mas isso depende de nossa política de esfriar a demanda por algum tempo, portanto as empresas não podem continuar com o comportamento sobre preços que observamos recentemente.”
Fonte: Valor Econômico
