Um “pacote relevante” de medidas de revisão de gastos deverá ser apresentado neste ano, disse ao Valor um integrante da equipe econômica. A ideia, explicou, é tratá-las como uma política de Estado. Ou seja, um esforço que deverá ser feito independentemente do governo que esteja no comando do país.
Técnicos trabalham com a possibilidade de as medidas serem anunciadas após as eleições. A fonte não detalhou as mudanças pretendidas, mas indicou que um critério é a compatibilidade entre a dinâmica de uma determinada despesa e o arcabouço. A incompatibilidade deixaria o governo com duas alternativas: mudar a regra fiscal ou “fazer o que tem de ser feito”. A opção da Fazenda, disse, é manter o arcabouço.
Para garantir aprovação do pacote, a ideia é fazer um apelo ao Legislativo e ao Judiciário em torno de um pacto pela sustentabilidade das contas públicas.
As medidas, explicou a fonte, vão ao encontro do relatório da agência de classificação de risco Moody’s, que no início do mês elevou a nota do Brasil, deixando-a a um degrau do grau de investimento.
A agência registra que a credibilidade do arcabouço fiscal está em nível “moderado”, o que se reflete em um custo de dívida relativamente elevado. Porém, considera que a possibilidade de manutenção de um crescimento econômico sustentável e a adoção de medidas que facilitem o cumprimento do arcabouço justificam a perspectiva positiva.
A apresentação do programa de revisão de gastos foi informada mais cedo pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento promovido pelo Itaú. Ao falar sobre o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), disse que a proposta de alteração não está pronta e que, antes, pretende apresentar ao Congresso um programa de revisão de gastos (ver PIB pode seguir ritmo da economia global, diz Haddad).
O envio das medidas de ajuste pelo lado das despesas foi reforçado pelo futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, no mesmo evento.
O fim das eleições municipais é o prazo com que técnicos envolvidos na elaboração desse programa trabalharam ao longo deste ano para a apresentação das medidas. Há entre eles quem avalie que a melhor janela para aprovação dessas medidas é este fim de ano, na reta final dos mandatos dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O Valor informou no último dia 8 que ao menos uma medida de revisão de gastos deveria ser enviada ao Congresso ainda em 2024. A tendência, agora, é o envio de um pacote mais robusto.
A revisão de gastos estudada pelo governo tem três vertentes. A primeira é o pente-fino que vem sendo feito em programas como Previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro-defeso. A segunda é a reformatação de programas como abono e seguro-desemprego. A terceira vertente é a que trata da “modernização” das indexações de despesas, de forma a que seu crescimento seja compatível com o arcabouço fiscal.
“Encaminhar medidas para conter despesas obrigatórias é uma possibilidade de voltar à normalidade”, avaliou o economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel. É a chance também de reverter uma tendência negativa. “Estamos caminhando para uma crise pelo canal do crédito.”
O pessimismo do mercado financeiro em relação às contas públicas, que tem feito os juros futuros subirem à casa dos 13%, se baseia na dúvida sobre o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao programa proposto pela equipe econômica, avaliou.
O plano de voo da equipe econômica pressupõe que, em 2025, a política fiscal deixará de ser expansionista como foi até agora, com injeção de recursos na economia. Ao mesmo tempo, os juros estarão elevados. A soma disso é uma desaceleração da economia, explicou.
A expectativa dos mais pessimistas é que o governo não aceitará tal situação e mudará o arcabouço, explicou Manoel. O encaminhamento das medidas de revisão, por outro lado, indicará o endosso à estratégia.
Há exagero na atual onda de pessimismo do mercado em relação à política fiscal, avaliou o economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, Fernando Montero. No entanto, ele vê semelhanças entre a evolução das contas públicas no atual governo e no período de Dilma Rousseff.
O dólar caiu após as falas de Haddad e Galípolo. “O mercado está tão ruim que até narrativa está fazendo preço”, ironizou Montero. “Ao menos, é a narrativa correta.”
Na avaliação do consultor de orçamento da Câmara dos Deputados Paulo Bijos, que até o meio deste ano comandou a Secretaria de Orçamento Federal, “a revisão do gasto é a agenda mais importante para o Brasil atual”.
Fonte: Valor Econômico

