Por Lu Aiko Otta e Estevão Taiar — Brasília
13/09/2022 14h13 Atualizado há 18 horas
O governo federal estuda a criação de uma meta para as reservas internacionais, afirmou ao Valor uma fonte da área econômica. A ideia não encontra, no entanto, consenso nos escalões técnicos do próprio Ministério da Economia.
As reservas internacionais servem como um seguro para o país em momentos de turbulência. De maneira simplificada, o Tesouro Nacional emite títulos no Brasil e, com a quantia arrecadada, compra principalmente dólares para investir em títulos do Tesouro americano. Segundo os dados do Banco Central (BC), as reservas internacionais do Brasil somavam US$ 339 bilhões em 2 de setembro.
De acordo com o integrante do governo, o estabelecimento da meta, que teria bandas de flutuação, obrigaria o BC a “explicitar” sua política cambial, tal como ocorre hoje com a condução da taxa de juros e as metas de inflação. Ele nega que a proposta represente uma meta para o próprio câmbio em si.
“O Banco Central é o administrador das reservas, não o dono delas”, disse. “A meta e as bandas de reservas o obrigariam a explicitar qual é a sua política cambial, assim como acontece com a política monetária. Se o país está acumulando muitas reservas, isso quer dizer que o câmbio está baixo demais, então o BC entraria vendendo reservas para valorizar o real e colocar o câmbio dentro da banda. E vice-versa, no caso de valorização excessiva do real.”
A fonte a traçou um paralelo com o que é feito atualmente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão responsável por decidir as metas de inflação. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, faz parte do CMN, mas o órgão também conta com dois integrantes do Ministério da Economia: o próprio ministro, Paulo Guedes, e o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago.
“Eles (BC) têm autonomia operacional, mas não decidem sobre as metas de inflação. E no caso da proposta de meta de reservas, também não decidiriam sobre elas”, afirmou.
De acordo com a fonte, as mudanças são “coisa para ser bem estudada antes de proposta”, algo “para depois das eleições”.
Atualmente, a equipe econômica realiza “um estudo para tentar inferir qual o nível ótimo de reservas e qual a largura das bandas para implicar menor volatilidade [cambial] possível”. No entanto, segundo o interlocutor, ainda não há uma conclusão.
Embora representem um seguro importante, as reservas têm também um custo de manutenção. Em dólares, esse custo é dado basicamente pela diferença entre a Selic (atualmente em 13,75% ao ano) e a remuneração dos títulos americanos (atualmente entre 2,25% e 2,5% ao ano). Diversos analistas defendem que esse custo precisa ser levado em conta ao analisar o patamar das reservas, alegando também que há espaço para o governo brasileiro se desfazer de parte desses ativos. O próprio Guedes já defendeu em mais de uma ocasião a venda de uma parcela das reservas como maneira de abater a dívida pública.
Mas outra fonte da equipe econômica lembra que, nos últimos três anos e nove meses, a sugestão não foi acolhida. Nos bastidores, questiona-se qual a chance de o BC, agora com autonomia garantida em lei, permitir uma interferência na política cambial. O surgimento da proposta neste momento, a menos de 30 dias das eleições, é encarado por alas dos escalões técnicos como um “balão de ensaio”.
Para Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a proposta “é sim um tipo de intervenção no câmbio”. “No fundo, [a ideia] é deixar o câmbio menos flutuante do que é hoje”, afirmou.
O economista é um dos que defendem que o Brasil tem níveis excessivos de reservas, citando a metodologia usada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que discute o “nível adequado” desses recursos. Também reconhece a importância de que a taxa de câmbio não seja “excessivamente volátil”.
“Mas a maneira mais eficaz e sustentável de conquistar um câmbio menos volátil ao longo do tempo não é fixar uma meta de reservas”, afirmou. Borges citou como exemplo estratégia usada pelo Chile, que transfere “parte das receitas com divisas em moeda estrangeira” para fundos soberanos no exterior. Esses fundos têm propósitos específicos, como o financiamento de despesas futuras com a Previdência. “Assim, como não são internalizadas, essas divisas não impactam o fluxo cambial, um dos determinantes da cotação da taxa de câmbio.”
Um ex-diretor do BC classificou a proposta como “maluca”, dizendo que “fica fácil operar o BC e ganhar dinheiro”.
Fonte: Valor Econômico

