Representantes dos três Poderes anunciaram na terça-feira (20) diretrizes que devem guiar os repasses das emendas parlamentares ao Orçamento, tema que virou ponto de tensão nas últimas semanas entre o Judiciário e o Legislativo. O acordo firmado após quatro horas de reunião a portas fechadas no Supremo Tribunal Federal (STF) prevê que as emendas serão mantidas, mas com novos critérios, que ainda serão “ajustados” em 10 dias. Por enquanto, as liminares do ministro Flávio Dino, que suspenderam as emendas, continuam válidas, até que ele se manifeste.
A avaliação do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, foi a de que os Poderes chegaram a um consenso “possível”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e o Planalto comemoraram a negociação. Presente ao encontro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não se manifestou publicamente. Já as organizações não governamentais de transparência têm dúvidas sobre a efetividade do acordo em relação a transparência dos recursos.
Pelo acordo firmado, as “emendas Pix” serão mantidas com pagamento obrigatório e sem necessidade de convênio com a União. Mas passará a ser exigida a identificação prévia sobre como será usado o dinheiro e as obras inacabadas terão prioridade. Quem receber terá que prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU), embora não tenha ficado claro se os tribunais de contas estaduais deixarão de fazer a fiscalização — atuação atribuída a eles pelo próprio TCU.
As mudanças buscam corrigir um problema sobre a falta de transparência e fiscalização, que ensejaram as primeiras decisões de Dino sobre a suspensão das emendas. Atualmente não há a necessidade de identificação antecipada sobre como o dinheiro da “emenda Pix” seria usado pela prefeitura ou governo do Estado. O ente que recebe hoje pode gastar a verba como quiser, como se fosse de seu próprio orçamento.
Em consonância com esta decisão, o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, disse ao Valor que já discute com a Controladoria-Geral da União (CGU) a ideia de realizar um sorteio das cidades que terão as despesas com as “emendas Pix” fiscalizadas. Essa é a saída encontrada para a falta de estrutura e pessoal para acompanhar a alocação nos mais de 5 mil municípios.
Uma das possibilidades é que as cidades sorteadas tenham fiscalizadas todas as emendas recebidas nos quatro anos anteriores. “O TCU vai fiscalizar as ‘emendas Pix’ da mesma forma que fiscaliza os convênios, considerando materialidade, relevância e riscos. São muitos convênios e não é possível fiscalizar tudo”, disse Dantas. Ele ressaltou, porém, que os detalhes ainda serão discutidos tanto com a CGU quanto com os tribunais de contas estaduais.
Além disso, as emendas de bancada serão destinadas a projetos estruturantes em cada Estado e no Distrito Federal, proibida a individualização que tem ocorrido desde que se tornaram de pagamento obrigatório. Já as de comissão (que substituíram o orçamento secreto) serão destinadas “a projetos de interesse nacional ou regional”, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo — portanto, negociadas dentro de programas de governo federal. O comunicado do STF não deixa claro como se dará a transparência nesses casos, e os parlamentares ainda aguardam mais detalhes sobre como será esse novo modelo, que pode enfraquecer os presidentes das Casas e os líderes partidários.
Também ficou definido que Executivo e Legislativo “ajustarão” a vinculação das emendas parlamentares à receita corrente líquida (RCL) “de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias”. As emendas individuais equivalem a 2% da RCL de dois anos antes e as de bancada, a 1%.
Uma das preocupações de especialistas em contas públicas é que a vinculação pode fazer com que as emendas impositivas cresçam mais rápido do que o limite de despesas do novo arcabouço fiscal, que prevê que os gastos do governo aumentarão em no máximo 2,5% acima da inflação. Já a RCL, desde 2009, teve variação que chegou a até 34,1% de um ano para outro. Se isso se repetir, o governo teria que cortar em outras áreas.
O problema ocorreu em parte pela revogação do teto de gastos aprovado no governo Temer (MDB). Até então, as emendas eram corrigidas pela inflação, o que tinha controlado esse ritmo de crescimento. Além disso, como contrapartida à PEC da Transição, que permitiu ao governo Lula (PT) gastar mais R$ 168 bilhões, as emendas individuais subiram de 1,2% da RCL para 2%.
Na análise dos representantes dos Poderes, cada um saiu com alguma vitória da mesa de negociação. O Congresso reverteu o fim da “emenda Pix”, o governo federal conseguiu que as verbas das emendas de bancada e de comissão passem a ser destinadas para obras estruturantes e de interesse nacional e o STF demonstrou ser capaz de fixar alguns critérios de transparência. Segundo interlocutores da Corte, os ministros consideraram que uma das principais vitórias da reunião foi estabelecer um teto para o crescimento das emendas ao discutir sua proporção em relação a RCL. Essa mudança, no entanto, precisará da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição.

Barroso sobre emendas parlamentares: ‘Acabou a transferência livre’
Em sua fala, Barroso destacou que houve “consenso pleno” em torno de alguns temas, como o de ser preciso que haja rastreabilidade e transparência em relação às emendas. De acordo com o presidente do STF, havia três debates na mesa: o valor das emendas; a fragmentação orçamentária; a rastreabilidade e transparência dos recursos. Barroso apontou ainda que, no encontro, todos expressaram preocupação com o tema da governabilidade.
Segundo Barroso, “ninguém chegou com uma resposta pronta” e houve uma “uma construção coletiva” de uma saída para o problema. “O Supremo não participa de negociação política. As nossas preocupações eram de natureza constitucional”, disse.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu que as emendas “são instrumentos legais e legítimos” e destacou que os “ajustes” por maior transparência “vêm muito a calhar para o Brasil como um todo na execução orçamentária”. Segundo ele, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 “obviamente buscará ser aderente a todas as diretrizes estabelecidas” e a LDO de 2024 também pode ser alterada. “O que for preciso para materializar o que foi definido hoje será feito. Inclusive alterações constitucionais são cogitadas”, afirmou.
Integrantes do primeiro escalão do governo celebraram o acordo. De maneira geral, disse uma fonte ao Valor, as medidas darão uma folga ao caixa dos ministérios ao destinarem as emendas de bancada e de comissão a “projetos estruturantes” ou “de interesse nacional ou regional”, o que era uma reivindicação desde a transição de governo em 2022. “Também é um espírito muito positivo desse resultado final”, elogiou o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que precisava analisar o acordo antes de comentar. Antes do encontro, afirmou em um evento que os Poderes estavam em “semana de fricção”, mas disse que “[nós] sairemos maior disso.
A Transparência Brasil e a Transparência Internacional veem com cautela as medidas anunciadas e pedem mais informações. Na opinião de Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, a nota divulgada pelo STF foi “bastante econômica” e anuncia algumas possibilidades de melhorias no controle e transparência apenas das emendas individuais.
Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional no Brasil, entende que a sinalização de que a transparência e a rastreabilidade são critérios obrigatórios é positiva, mas é preciso garantir que a implementação seja adequada.
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Fonte: Valor Econômico

