Por Matheus Prado e Victor Rezende — De São Paulo
18/09/2023 05h03 Atualizado há 10 horas
Na ausência de piora substancial das condições externas, os ativos locais podem reforçar a performance positiva nos próximos meses, acreditam executivos do Goldman Sachs. Em entrevista ao Valor, o diretor de renda variável para a América Latina do banco, Juliano Arruda, nota que, para além do ciclo de afrouxamento monetário e a consequente queda do juro real, os ativos estão baratos, o crescimento surpreende e o posicionamento técnico é leve. “Taticamente, é muito difícil ficar desanimado com a renda variável no Brasil.”
Já a diretora de mercados globais de renda fixa, câmbio e commodities do Goldman no Brasil, Paula Moreira, aponta que câmbio e taxas também têm mais para andar (o primeiro enquanto o diferencial de juros ainda é gordo), mas que incertezas fiscais seguem no radar. “A preocupação é maior para nós do que para os estrangeiros hoje, já que tivemos expansão fiscal bem relevante em quase todos os países recentemente. Mas é o principal fator que justifica o prêmio de risco na curva de juros.”
Valor: Como enxergam o cenário de juros nos Estados Unidos?
Paula Moreira: O aumento da volatilidade dos juros nos Estados Unidos foi fora de proporção e sentimos isso em vários dos nossos negócios relevantes com clientes brasileiros. No mercado de juros global, o DNA de brasileiro é ser um trader macro. Todo mundo esperava uma recessão, tivemos o agravamento dos problemas dos bancos médios e, hoje em dia, vemos a maior parte da expectativa das pessoas em algum ‘pouso suave’. Até o ano passado, o juro real americano de cinco anos estava em -1,5% e hoje está acima de 2%, ou seja, teve um efeito relevante na economia, mas ela tem se mostrado muito resiliente. Achamos que não haverá novas subidas nos juros pelo Federal Reserve [Fed, o banco central dos EUA], mas esse patamar entre 5,25% e 5,5% deve ser mantido até o segundo trimestre do ano que vem e, a partir daí, vamos começar a ver quedas de juros bem graduais.
Valor: E em relação ao Brasil?
Moreira: Tínhamos opiniões divididas em relação ao que o Banco Central faria na reunião de agosto. O nosso economista, Alberto Ramos, esperava um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, diante da comunicação do Banco Central, enquanto o nosso time da mesa de operações esperava um corte de 0,5 ponto. A decisão mostrou que foi um “close call” de verdade. Agora, acreditamos que o BC vai continuar nesse ritmo de cortes de 0,5 ponto, com algum risco de aceleração dependendo dos números de inflação de longo prazo. Tem espaço para os juros continuarem caindo. Vimos um movimento de estrangeiros que estavam mais posicionados em renda fixa local via derivativos, porque o que temos visto em título público ainda é tímido.
Valor: Por quê?
Moreira: Principalmente por falta do grau de investimento. Quando chegamos a ver o estrangeiro detendo mais de 20% da dívida brasileira era quando tínhamos o grau de investimento, e isso fazia o universo de investidores ser muito maior do que hoje. Sem dúvida é o principal fator. Além disso, temos outros fatores como a volatilidade da moeda, sendo que o nosso câmbio sofreu bastante numa janela de cinco anos; tivemos uma década perdida, com crescimento muito abaixo do nosso potencial…
Juliano Arruda: No mercado de ações nós tendemos a olhar muito o que aconteceu no ano. Grosso modo, o S&P 500 não está muito distante dos níveis do ano passado. Tanto nos EUA quanto globalmente, estamos em um momento do ciclo em que os retornos vão ser pequenos para as classes de ativos, e podemos triangular isso de várias formas. O prêmio de risco das ações em relação à renda fixa hoje está bem “magrinho” nos EUA, em torno de 3%. Na nossa cabeça, o mercado tende a ser muito mais de “stock picking” [seleção de ações] ou de alfa do que aquele momento em que a maré está subindo e levanta todos os barcos. É um mundo de crescimento dessincronizado, em que a China tem problemas imobiliários, com um banco central tímido; Europa indo mais ou menos; e Estados Unidos indo bem.
Valor: Nos últimos meses, o mercado se mostrou bastante pessimista com a China…
Arruda: O pessimismo é alto. A turma ficou bem decepcionada e o posicionamento ficou bem leve. Isso, inclusive, tende a ser, talvez, um indicador antecedente de que a performance taticamente pode ser melhor do que tem sido. Os problemas no mercado imobiliário são bem profundos e esses processos podem ser bastante lentos e dolorosos. No curto prazo, a história é identificar quão agressiva será a resposta de políticas fiscais e monetárias.
Valor: Diante dessa decepção com a China e da resiliência da economia americana, quais os impactos para os ativos domésticos?
Arruda: Dependendo da magnitude do ajuste das questões externas, é muito difícil ter uma dissociação entre os ativos do Brasil ou dos mercados emergentes dada essa incerteza. As correlações sobem. Porém, em condições normais de temperatura e pressão, o Brasil está em uma janela, do lado do mercado acionário, muito importante e poderosa. Você tem um estímulo da parte monetária, porque sempre que a taxa de juro real brasileira está acima do nível neutro e começa a cair, tendemos a ver um momento interessante para o risco em ações. Nos últimos seis ciclos de cortes de juros, o mercado de ações subiu em todos. As condições para que isso aconteça no Brasil parecem interessantes. Os múltiplos estão entre “baratos” e “muito baratos”; vemos as condições do lado monetário; o crescimento tem surpreendido, o que afeta o lucro das empresas; e estamos vendo resgates de fundos de ações brasileiros há dois anos, ou seja, o posicionamento em renda variável está leve. Taticamente é muito difícil ficar desanimado com renda variável no Brasil.
Moreira: E, em renda fixa, concordo com esse framework, que é pensar em “valuation”, posicionamento e a influência externa. Tanto no câmbio quanto nos juros, o “valuation” versus os modelos de fundamento ou de taxa de equilíbrio, ainda vemos um prêmio. Tem espaço, ainda, para a renda fixa performar, para os juros caírem mais do que está precificado na curva; o câmbio também, já que ainda está sendo ajudado pelo nosso diferencial de juros, que é gordo. Para este ano, o nosso cenário ainda é positivo para os ativos brasileiros.
Valor: O Goldman trabalha com uma redução gradual dos juros americanos, enquanto vocês citaram chance de aceleração no ciclo de cortes na Selic aqui. Como fica o câmbio nesse ambiente?
Moreira: Não é muito intuitivo que o mercado já está esperando tudo isso e aí todos os players colocam isso no preço já agora. Muitos agentes ainda não sentiram essa redução do diferencial na pele. As pessoas que não têm tantos investimentos sofisticados demoram para perceber esse fenômeno. Uma parte do fluxo vem atrasada. Isso é possível ver tanto em alguns investimentos de pessoa física quanto em algumas estratégias de gestores em derivativos de curto prazo. Na hora em que eles medem o “carry” de um a três meses ou na hora em que estão rolando o “hedge”, é um custo muito diferente daquele que vamos ter no fim do ano que vem. Minha expectativa para o câmbio é positiva para este ano, mas acho que no ano que vem vamos chegar a um patamar muito baixo de diferencial de juros, que pode fazer o câmbio reagir mal. Essa pressão ainda não está aparecendo agora porque a diferença é muito alta. A nossa área macro espera que o dólar vá para R$ 4,60 em três meses e R$ 4,40 em seis meses. Eu não estou tão otimista. Acho que podemos ir para R$ 4,70, R$ 4,60, mas no ano que vem, quando o diferencial de juros cair bastante, o dólar vai voltar a subir e deve voltar a ficar acima de R$ 5.
Valor: A percepção do estrangeiro em relação ao mercado local piorou?
Arruda: Agosto foi ruim, com estrangeiros sacando dinheiro da bolsa, mas o saldo no ano ainda é positivo. Uma das variáveis mais importantes para o retorno de equities é o diferencial de crescimento, e o debate que temos com investidores agora não é mais sobre política/fiscal, e sim sobre atividade. Se o crescimento continuar surpreendendo para cima, tem bastante espaço para o estrangeiro engajar com a renda variável local, inicialmente com foco nas ações domésticas. Ademais, nos últimos 20 anos, o múltiplo do Ibovespa só esteve mais barato que o patamar atual em 15% das vezes. A barra é baixa. Qualquer surpresa no crescimento vai ajudar, ainda mais porque as empresas vêm cortando custos.
Moreira: Sobre o dólar, o posicionamento em dólar dos estrangeiros segundo dados da B3 cresceu muito, parece que eles estão comprados. A minha visão é que esse número não reflete o posicionamento verdadeiro do mercado. Conheço pouquíssimos clientes estrangeiros que têm esse posicionamento hoje, então eu diria que isso reflete muito mais ajustes estruturais em posições de empresas, de bancos. Interessante ver o posicionamento relativo, que foi crescendo, mas isso não reflete o que a nossa mesa está vendo. Temos uma métrica nossa, que é a opinião do trader, para várias moedas, analisando movimentação e posicionamento dos clientes. O nosso “feel” de posicionamento no dólar/real não é comprado nesse momento. Achamos que a posição pode estar muito mais próxima do neutro.
Valor: Fluxo no mercado à vista ainda é positivo para a moeda…
Moreira: Alguns pontos importantes surpreenderam positivamente, crescimento, safra. E melhora de produtividade ajudando. Até quatro anos atrás, o normal era o mercado exagerar para cima as projeções de crescimento no início do ano. Nos últimos anos, a expectativa tem começado baixa e os números vêm melhores. Acho que uma parte é por conta das reformas, trazendo investimento e ganho de produtividade, que a gente não conseguia prever anteriormente.
Valor: Incertezas fiscais continuam pesando?
Moreira: A preocupação é maior para nós do que para os estrangeiros hoje, já que tivemos expansão fiscal bem relevante em quase todos os países desde as crises passadas e da covid. Mas é o principal fator que justifica o prêmio de risco na curva de juros local.
Arruda: No curto prazo, não tinha arcabouço e agora tem. Taticamente existe uma janela até o próximo período eleitoral. E o que tem acontecido que é interessante é que o nível de aprovação do governo tem estado ligado ao risco fiscal. Quando a popularidade cai, o risco sobe. Mas como a popularidade do governo parece resiliente, isso ajuda no momento. Mas o investidor é muito reticente, com razão, por conta do histórico.
Valor: Que efeitos espera da reforma tributária na bolsa?
Arruda: Temos muitas análises setoriais, mas os impactos ainda não estão claros. O que eu posso dizer é que, caso os dividendos das empresas realmente sejam taxados, como no resto do mundo, estamos convictos que o mercado de recompra de ações no Brasil tem que ser muito maior do que é hoje. Isso pode fazer muito sentido a depender da geração de caixa e do patamar das ações de uma empresa. A recompra existe por aqui desde a Lei das S.A., mas não tem nenhum incentivo em relação à distribuição de dividendos. E, se o dividendo deixar de ser tão interessante, o instrumento de recompra vai ser mais demandado por investidores, o que não é muito diferente do que aconteceu em outros mercados. No curto prazo, tem que esperar. Alguns analistas falam que existe agora um risco maior sobre as companhias, mas também pode haver distribuição antecipada de proventos. Para o país, a reforma vai ser importante.
Valor: Que fatores podem ajudar na redução de prêmios de risco local?
Arruda: Tem coisas interessantes acontecendo nos Estados, esforços de privatização. Do ponto de vista mais macro, acho que é crescimento. Por exemplo, se o crescimento em 2024 for de 2,5%, apazigua demais os ânimos, controla a barganha política. Se tiver surpresa, acho que melhora muito o ambiente.
Moreira: Na renda fixa, acho que a evolução fiscal é muito mais importante que a tributária no curto prazo. A segunda vai mostrar resultados nos próximos anos, enquanto que, no âmbito fiscal, a expectativa de que o governo não vai conseguir zerar o déficit tem atrapalhado. Se o governo conseguir zerar, pode ser muito positivo e ajudar.
Valor: Em que setores enxergam oportunidades na bolsa?
Arruda: Ibovespa sem commodities tende a ser o foco. E tipicamente as empresas menores andam mais nesse momento, porque são tipicamente domésticas e seguem a evolução do capital da classe de ativos.
Valor: O juro real das NTN-Bs também tem mais para andar?
Moreira: Eu vejo espaço para andar mais, mas depende da curva longa, ligada ao risco fiscal. Precisa ver como as expectativas de inflação vão evoluir ao longo do próximo ano. O juro de 5,5% que temos aqui é um dos maiores do mundo, então com certeza tem prêmio.
Fonte: Valor Econômico

