Por Harriet Agnew — Financial Times
19/09/2022 05h08 Atualizado há uma hora
Os investidores que apostam em ações de crescimento (“growth“) são otimistas por natureza. Eles acreditam que estamos vivendo uma onda de mudanças lideradas pela tecnologia que acontece apenas uma vez a cada geração, e que um pequeno grupo de empresas atípicas pode obter ganhos exponenciais moldando o futuro. O papel do investidor bem-sucedido é identificar essas empresas.
É uma abordagem que em alguns casos proporcionou retornos espetaculares ao longo da última década, à medida que o dinheiro barato inundou as economias e os preços de uma série de empresas de tecnologia dispararam.
Mas, no último ano, essa mesma filosofia de investimento se deparou com o zumbido das taxas de juros crescentes, com a inflação, a guerra e a possibilidade de uma recessão iminente. Muitos desses nomes que antes estavam em alta sofreram grandes perdas, uma vez que as ações de tecnologia tiveram uma grande queda e o afrouxamento dos “lockdowns” levaram as chamadas “vencedoras da covid-19”, como Zoom e Peloton, a retornar aos níveis de valorização pré-pandemia. Os investidores compraram nomes defensivos sérios que foram amplamente ignorados por Wall Street por anos.
Nos Estados Unidos, o Global Technology Equity Fund, da T Rowe Price, acumula uma queda de 45% no ano, o principal fundo hedge gerenciado pela Tiger Management de Chase Coleman perdeu 50% até o fim de julho e o principal fundo ETF de Cathie Wood, o Ark Inovations, acumula perda de cerca de 55% no ano. A Ark Investment Management perdeu quase metade dos ativos sob administração desde dezembro.
Entre os gestores de fundos do Reino Unido, o Scottish Mortgage Investment Trust, da Baillie Gifford, listado no índice FTSE 100, acumula no ano perda de 40% até agosto, enquanto o Polar Capital Technology Trust caiu 22% até julho. No Japão, a queda das avaliações no setor de tecnologia e a fraqueza do iene levaram o conglomerado SoftBank, de Masayoshi Son, a um prejuízo trimestral recorde de 3,1 trilhões de ienes (US$ 23 bilhões) no segundo trimestre.
Diante de uma reversão tão humilhante, alguns grandes investidores em ações de crescimento abandonaram suas abordagens – e alguns acreditam que os reveses representam uma cautelosa oportunidade de compra.
Muitos dos nomes que antes estavam em alta sofreram grandes perdas com a baixa das ações de tecnologia
“Algumas empresas de grande crescimento parecem estar à venda no momento”, afirma Kirsty Gibson, um gestor de investimentos em ações americanas da Baillie Gifford, de Edimburgo. “Isso faz deste momento um período realmente empolgante para se investir em ações de empresas com perspectivas de crescimento no longo prazo. Não significa que seja um momento confortável, mas é um momento empolgante.”
As perdas da Ark parecem não ter diminuído a confiança de seu fundador. “A inovação resolve problemas e o mundo enfrenta hoje mais problemas do que há dois anos”, tuitou Wood em 8 de setembro. “A inovação é a chave do crescimento real!”
Mas por trás do otimismo declarado com a transformação digital, muitos investidores “growth” introduziram mudanças significativas em suas estratégias, dando uma ênfase muito maior no potencial de lucro de curto prazo e na geração de caixa, além da busca por novos meios de apoiar empresas de tecnologia iniciantes durante uma desaceleração econômica.
“As coisas não voltarão a ser como eram”, diz David Older, chefe do departamento de ações da Carmignac, que gerencia € 33,2 bilhões. “Independentemente do quanto ache que as taxas de juros vão subir, essa mudança do dinheiro basicamente grátis para o custo do capital terá alguns efeitos negativos sobre as empresas com grande potencial de crescimento.”
Investidores de crescimento destacados afirmam que o cenário macroeconômico os tornou cautelosos no curto prazo, mas eles ainda acreditam que a revolução tecnológica está apenas começando.
Alguns fundos empregam a chamada estratégia “crossover” de apoiar companhias fechadas e também de capital aberto. Vários investidores “growth” enfatizam suas estratégias de apoio multianuais às empresas, o que os ajuda a suportar a volatilidade de curto prazo do mercado. As ações de tecnologia são vistas como particularmente suscetíveis aos aumentos das taxas de juros, que diminuem os potenciais retornos futuros.
Novo cenário fez investidores ‘growth’ introduzirem mudanças significativas em suas estratégias
Mas em vez de tentar adivinhar para onde os juros irão, eles afirmam estar se esforçando para entender se o cenário competitivo das empresas de suas carteiras mudou. E acreditam que a mudança no cenário macro não prejudicou o potencial de longo prazo de muitas delas.
A abordagem da T Rowe Price, sediada em Baltimore, é imaginar onde uma empresa de tecnologia pode chegar em três a cinco anos, e procurar por aquelas que podem crescer entre 30% e 40% ao ano. Cinco das dez maiores posições em seu fundo de ações de tecnologia estão no setor de software: Atlassian, MongoDB, HubSpot, ServiceNow e Snowflake Computing.
Julian Cook, especialista em portfólio dos EUA nesta casa americana que gerencia US$ 1,39 trilhão, diz que embora o aumento das taxas de juros afete as avaliações das empresas, a questão mais importante é “como é o desempenho fundamental dessa empresa em termos de crescimento dos lucros, receitas e do fluxo de caixa livre” num período de cinco anos e em um cenário de juros altos.
Mas alguns outros investidores estão dando pouca atenção a promessas distantes de lucratividade. “Reduzimos a duração dos investimentos de nosso portfólio”, afirma Ben Rogoff, diretor adjunto da equipe global de tecnologia da Polar Capital, de Londres, que gerencia 19 bilhões de libras em ativos. Metade de seu fundo de tecnologia está aplicado em empresas de software e semicondutores, entre elas, Nvidia, TSMC e ASML Holding. “Você pode muito bem ter a tecnologia que vai atender um mercado muito grande, você pode muito bem mudar o mundo”, afirma Rogoff. “Mas é realmente difícil ter convicção sobre isso neste momento.”
Os investidores estão investigando mais o caminho de uma empresa para a lucratividade, concorda Older, da Carmignac, que diz que os prazos de retorno caíram de dez anos para dois. “Está claro que o mercado não vai mais financiar histórias de crescimento ilimitado, a menos que as empresas possam realmente provar a viabilidade econômica de seus negócios e gerar fluxo de caixa rapidamente.”
As empresas com potencial de crescimento precisam sobreviver às pressões do momento – entre elas, as interrupções nas cadeias de suprimentos, a inflação e as condições mais difíceis para a captação de recursos – para aproveitar seu potencial de longo prazo. Assim como os executivos corporativos estão revendo seus modelos de negócios, os investidores estão tentando avaliar como as empresas de suas carteiras podem lidar com uma recessão. Favorecidos estão os grupos geradores de caixa com participação de mercado, poder de formação de preços e menos exposição a uma queda dos gastos do consumidor.
“O foco na resiliência e adaptabilidade dessas empresas é ainda mais importante do que nunca”, diz Gibson, da Baillie Gifford. Os ativos geridos por esta firma caíram para 231 bilhões de libras em 30 de junho, uma queda de mais de um terço em relação a 12 meses antes. “Algumas companhias emergirão mais fortes”, avalia. “Gostamos de empresas que podem cortar gordura, mas estamos cautelosos com empresas que cortam músculos, porque não queremos que elas prejudiquem suas oportunidades de longo prazo.”
A queda das ações de tecnologia orientada pela situação macro tem sido indiscriminada, com o mercado não distinguindo entre as ações com potencial de valorização e forte geração de fluxo de caixa, daquelas que não têm isso. Isso está criando oportunidades para os investidores aumentarem seletivamente posições já existentes em que a queda do preço da ação foi além da baixa nos lucros, e agregar novas posições.
Rogoff, da Polar, afirma que está havendo uma convergência nas avaliações entre as ações de “software enquanto serviço” da nova geração e as empresas da internet legadas, o que oferece uma chance atraente para os investidores comprarem as primeiras em razão de seu potencial maior de valorização.
Vários investidores se dizem otimistas com temas defensivos dentro do setor de tecnologia, como empresas de semicondutores de alta qualidade, como ASML e Synopsys, bem como empresas de computação em nuvem e softwares empresariais, como o programa de banco de dados MongoDB. Quando confrontado com a inflação, o software corporativo ajuda as empresas a reduzir seus custos, melhorar a produtividade e geralmente ele é um modelo de assinatura que não é cíclico.
As tendências estruturais de longo prazo continuam, afirmam esses investidores. “A digitalização da economia e a migração dos processos de trabalho para a nuvem ainda estão ocorrendo”, diz Cook, da T Rowe Price, acrescentando que as empresas voltadas para o consumidor que ganharam demais durante a pandemia deveriam ter um momento de “cair na real”.
Os que apostam nas empresas com grande potencial de crescimento também afirmam que a revolução tecnológica mal arranhou a superfície de grandes áreas da economia mundial, como a energia, o sequenciamento genético e a biologia sintética.
A equipe da Baillie Gifford nos EUA aumentou suas posições em nomes da área de software, como HashiCorp e Snowflake, assim como na empresa de tecnologia educacional Duolingo e na plataforma de entrega de alimentos DoorDash.
No entanto, embora alguns vejam a queda dos mercados de “growth” como um ponto de entrada atraente, nem todos estão entrando de cabeça.
“Parece-me que definitivamente haverá valor nos mercados abertos nos próximos cinco anos”, diz Philippe Laffont, fundador da Coatue Management, de Nova York, um dos chamados “Tiger cubs” (filhotes da Tiger) que foram treinados na Tiger Management de Julian Robertson. “O problema é o ano que vem.”
Laffont está entre as vozes mais pessimistas da comunidade de investidores em mercados de crescimento. Depois da queda do mercado este ano, a Coatue liquidou posições em seu fundo hedge. Em maio, o fundo hedge estava com mais de 80% de caixa, segundo investidores. Essa decisão, e o forte desempenho no lado vendido, ajudou seu principal fundo hedge a conter as perdas, para uma queda de 17,6% até agosto.
“O mundo está piorando, e não melhorando”, diz Laffont, recitando a lista de ventos macroeconômicos contrários que o deixam preocupado: nenhum sinal do fim da guerra na Ucrânia; as crises globais de energia e alimentos; o aumento dos juros para combater a inflação em alta; as tensões geopolíticas entre os EUA e a China e entre a China e Taiwan.
A Baillie Gifford, uma das mais otimistas com a China nos últimos anos, alertou para os riscos crescentes para os investidores estrangeiros naquele país, tanto por causa de futuras sanções dos EUA, como em razão da maneira como o governo chinês poderá tentar limitar a alta dos preços das ações das empresas mais inovadoras.
Outros investidores afirmam que embora alguns nomes individuais de empresas de tecnologia pareçam ter um bom valor, o mercado não está tão barato quanto estava em 2003, no fim do estouro da bolha pontocom, e 2009 – e alerta que tentar decretar o fundo do poço é uma tolice.
“Acho que estão surgindo algumas oportunidades realmente boas, mas quando a avaliação futura de uma ação de software passa de 25 vezes as vendas para dez vezes as vendas, fica realmente difícil saber se isso vai parar no dez”, diz Rogoff da Polar. “Se amanhã a guerra na Ucrânia acabasse, poderíamos dizer com alguma certeza que isso seria o ponto baixo, mas a gama de resultados continua ampla, de modo que devemos agir com cuidado.”
Outra dinâmica que está segurando os pretensos otimistas com o mercado é que, embora os mercados abertos tenham redeterminado os preços, muitos investidores ainda não divulgaram as baixas contábeis de suas posições privadas. O fundo Scottish Mortgage, da Baillie Gifford, forneceu um sinal do que isso poderá ser: ele disse que durante o primeiro semestre deste ano realizou 351 reavaliações de empresas privadas em sua carteira e as rebaixou em 27,6% em média.
Uma retração do mercado deixou os investimentos privados relativamente menos atraentes do que suas contrapartes públicas, e capitalistas de risco cada vez mais seletivos estão sentados em uma pilha de dinheiro. O fundo Tiger Global de Chase Coleman não faz um novo investimento privado há mais de um ano, reduziu dramaticamente sua exposição geral às ações e aumentou o destaque das posições a descoberto em seu fundo hedge, segundo fontes próximas do negócio. Masayoshi Son, do SoftBank, – que personificou o estilo expansivo do boom tecnológico – também está em “modo de defesa”, acumulando e retendo dinheiro.
“Muitas de nossas oportunidades mais empolgantes estão vindo dos mercados abertos porque a queda foi muito dramática”, diz Gibson, da Baillie Gifford. “A barreira de inclusão de empresas fechadas para nós é maior do que nunca, porque a competição por capital está maior e você está competindo contra uma parte aberta mais deprimida do portfólio.”
Um mercado efervescente para as avaliações de ações de tecnologia seguido por uma grande queda inevitavelmente leva alguns observadores a buscar paralelos com o boom e o colapso da bolha pontocom no fim dos anos 90. Mas investidores afirmam que embora os dois casos incluam períodos de exuberância irracional, as similaridades são superadas pelas diferenças.
“O setor de tecnologia em si está muito mais maduro do que no fim da década de 90, os números dos lucros parecem muito mais robustos do que na época e há um ponto de partida de avaliação muito diferente”, afirma Rogoff, da Polar.
Em julho, a Klarna, companhia sueca que foi pioneira no modelo de negócios “compre agora, pague depois”, teve seu preço reduzido de US$ 46 bilhões para US$ 6,7 bilhões quando anunciou uma rodada de captação de recursos de US$ 800 milhões, provocando ondas de choque entre os investidores e a comunidade das empresas iniciantes (startups). A queda do valor daquela que era então a companhia de tecnologia fechada mais valiosa da Europa foi um dos sinais mais claros do que muitos veem como o problema que ainda está por vir nos mercados fechados.
Com isso em mente, alguns investidores estão tentando abordagens alternativas. A Coatue está levantando US$ 2 bilhões para uma estratégia estruturada de ações, o fundo Tactical Solutions, que poderá emprestar dinheiro para empresas de capital fechado com problemas de caixa que não quiserem levantar recursos diluídos em ações com avaliações deprimidas. Esses fundos estruturados possuem características de dívida e ações e geralmente incluem dívidas conversíveis, ações preferenciais ou dívida mais bônus de subscrição.
“Senti que precisávamos usar a crise para achar uma nova maneira de fazer as coisas”, diz Laffont. “As transações estruturadas são uma maneira de jogar de forma ofensiva e oferecem solução aos fundadores durante uma recessão. Queremos que continuem sendo capazes de expandir seus negócios, realizem aquisições interessantes e possam ampliar suas equipes. Há muitos novos recursos de financiamento que podem ser usados para apoiar os fundadores sem que eles precisem arcar com grandes descontos.”
A Atreides Management, criada pelo ex-gerente de portfólio da Fidelity Investment Gavin Baker, também está captando recursos para um fundo de venture capital oportunista. Ele investirá em transações estruturadas de ações para tirar proveito de situações de dificuldades em venture capital e também fechará o capital de empresas abertas, segundo relata carta aos investidores divulgada em julho.
“É fácil dizer ‘tenha medo quando os outros são gananciosos e seja ganancioso quando os outros têm medo’, mas é muito mais difícil por isso em prática”, escreveu Baker, referindo-se ao famoso conselho de Warren Buffett. “Acreditamos que os próximos 9 a 12 meses serão o melhor dos tempos da história para ser ganancioso e investir em venture capital.”
Fonte: FT / Valor Econômico

