Por Fernanda Guimarães e Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
16/06/2023 05h02 Atualizado há uma hora
A escalada das dívidas corporativas, combinada com um mercado de crédito travado no Brasil, fertilizou o crescimento de gestoras especializadas em investimentos em empresas em dificuldades. São casas que, no exterior, foram batizados de especialistas em situações especiais, ou simplesmente “special sits”.
Estudo conduzido pela gestora Spectra a pedido do Valor mostra que o Brasil já conta com 32 gestoras independentes especializadas em atuar nesse segmento – excluindo os bancos e escritórios de advocacia que também operam nessa área. O número dobrou em cinco anos.
Conforme o levantamento, essas gestoras possuem diferentes estratégias, mas metade faz, ao menos, uma combinação entre elas. Dentre as principais estratégias estão fundos dedicados a crédito estruturado, precatórios, financiamento para empresas em recuperação judicial (conhecido pelo jargão em inglês “DIP financing”) e compra de dívidas “estressadas”, algo que pode permitir que a gestora entre no capital das companhias, visto que ações de empresas são muitas vezes dadas em garantia a esses empréstimos. O volume de capital disponível das gestoras especializadas está hoje em R$ 12 bilhões, de acordo com a Spectra.
A tendência é que o número de gestoras ainda cresça, dada a demanda das companhias diante de um crédito bancário mais restritivo e de um mercado de capitais bastante estreito para novas transações. Esse cenário vem pressionando cada vez mais empresas, que têm sofrido com o custo das dívidas, tendo como pano de fundo a alta das taxas de juros no país.
Nesse contexto, muitas companhias têm batido à porta dessas gestoras em busca de capital. Dentre as operações que já se concretizaram está, por exemplo, uma venda de créditos tributários da Marisa feita para a Quadra. A BRF, por sua vez, que também lida com seu alto endividamento, está buscando um comprador para precatórios e outros créditos. Foi ainda pela estratégia de “special sits” que as gestoras Jive e Vinci SPS compraram dívida da Queiroz Galvão, que tinha como garantias ações da Enauta – e exerceram a garantia, tornando-se acionistas da petroleira.
Sócio da gestora Spectra, Renato Abissamra afirma que o crescimento das casas dedicadas a esse nicho teve como amparo a alta de juros no Brasil, o que fez com que muitas empresas chegassem perto da insolvência. “Nesse contexto falta apetite em investimento em ‘equity’ [participação acionária] e isso faz com que apareçam muitas opções de investimentos mais criativos.”
“O mercado está demandando crédito, que não está sendo suprido” — Guilherme Ferreira
O executivo diz ainda que o crescimento desse mercado também decorre da especialização do mercado de investimentos alternativos, sendo que as modalidades que mais cresceram foram as de “special sits” e “venture capital”. Hoje no Brasil 164 gestoras são dedicadas ao mercado de investimentos alternativos, sendo que em 2020 eram 61 casas.
Segundo Abissamra, há espaço perene para esse tipo de investimento, visto que no país o ciclo de juros mais altos é algo comum. “É natural no Brasil se passar por um cenário de juros mais restritivos e isso faz parte do ambiente brasileiro há anos. Assim, esse mercado de investimento se desenvolveu, com novas estratégias surgindo”, diz. Na Spectra, que é especializada em investimentos alternativos e possui no portfólio fundos de fundos, acaba de ser aprovada a alocação em duas gestoras de “special sits”. “Enquanto investidor, acho que o momento é interessante para esse tipo de transação e por isso fizemos esse investimento”, diz.
A Jive é uma das pioneiras dessa indústria no Brasil. Criada em 2010, a gestora teve seu início ligado a uma das maiores e mais conhecidas quebras do setor bancário no mundo, o Lehman Brothers, depois de comprar uma carteira de créditos inadimplidos da instituição financeira. A casa encerrou 2015 com R$ 653 bilhões sob gestão, valor que no de maio último havia chegado a R$ 17,7 bilhões.
Segundo Guilherme Ferreira, sócio da Jive, esse mercado ganhou força após 2015, momento em que os grandes bancos – dado o pano de fundo de quebra de muitas empresas – passaram a vender créditos não pagos, abrindo espaço para o crescimento dessa indústria e a chegada de novas gestoras. “Nesse momento, muita gente viu que existia um mercado potencial.”
Essa indústria, segundo Ferreira, começou a amadurecer e muitas casas se aproveitaram do breve período de juros baixíssimos ao longo da pandemia para captar, já que o mercado estava muito líquido por contra da injeção de recursos pelos bancos centrais em todo o mundo. O que aconteceu depois disso, no entanto, é que as casas mais novas estão com mais dificuldade de buscar dinheiro junto a investidores por causa da reversão do cenário de juros e maior aversão ao risco,.
No caso da Jive, o histórico de rentabilidade, segundo Ferreira, ajudou na captação. Isso tem permitido à gestora aproveitar o atual momento de mercado, no qual o aperto monetário provocou uma série de dificuldades financeiras nas empresas mais alavancadas. Com isso, abriram-se oportunidades de “special sits”. Por lá, no momento, há R$ 8 bilhões em “oportunidades sob análise”, segundo o executivo. “O mercado está demandando crédito, que não está sendo suprido por outras fontes”, diz. Historicamente, segundo ele, na Jive são convertidos 10% a 15% do “pipeline” (negócios analisados) em investimentos.
Para o sócio da gestora Makalu Luiz Prado, o desenvolvimento das gestoras que proveem capital de transição tem relação direta coma evolução do mercado de capitais no Brasil. O executivo afirma que o segmento não tem foco apenas em empresas que estão passando por dificuldades, mas também dá acesso ao capital por companhias que querem fazer investimentos, mas não buscam uma participação acionária em um momento de baixa de mercado, por conta de diluição que isso representa.
“Isso para vale para as empresas que querem continuar crescendo, mas também para a companhia que eventualmente está alavancada demais, quando os credores começam a fazer pressão para venda de ativo, mas a empresa não gostaria nesse momento por conta de ‘valuation’ [valor de mercado]”, diz. Assim, segundo o executivo, a companhia consegue acesso a um capital intermediário, que não é “equity” nem dívida pura.
Na Lumina, que tem Daniel Goldberg (ex-Farallon) e Guilherme Loures (ex-Goldman Sachs) entre seus fundadores, o foco é investir em empresas em trajetória de crescimento. A gestora foi criada em 2022 e levantou dois fundos, totalizando US$ 1,2 bilhão (tanto para o Brasil quanto para América Latina), “O mercado de ‘special sits’ engloba diversos tipos de negócios. Há gestoras que só olham estresse financeiro. Não é o nosso caso”, diz Loures.
Na área de ativos estressados, de acordo com o gestor, a Lumina avalia principalmente títulos de dívidas, em situações oportunísticas no mercado.
Relativamente nova no mercado, mas com um time de sócios oriundos de bancos e gestoras de “special sits”, a Lumina aposta em versatilidade de financiamentos, que incluem dívida, equity ou uma opção híbrida, unindo as duas operações. Seguindo essa linha, a gestora já fechou algumas operações no país. Em “venture debt”, dívida voltada a companhias em crescimento, financiou a startup MC1, focada em “software as service”. Também concluiu uma capitalização para uma farmacêutica, uma operação de rolagem de dívida de uma prestadora de serviço no setor em óleo e gás e um financiamento para uma empresa de energia renovável investir em um novo projeto, entre outros investimentos.
Segundo Loures, a Lumina está em análise para financiar companhias brasileiras solventes, porém sem acesso ao mercado, em um movimento para evitar uma eventual crise das companhias. “A gente tem buscado oportunidade em um ambiente de fechamento do mercado de capitais e crédito escasso.”
Daniel Cardoso, sócio da Algarve Capital, gestora especializada em “legal claims”, destaca que o mercado de venda de direitos em ações judiciais no Brasil começou a ganhar tração na pandemia, quando muitas empresas decidiram fazer liquidez com esses processos, que tinham valor potencial invisível nos balanços. “Começamos a identificar demanda de empresas que precisavam fazer resultado e também daquelas que precisam de capital para financiar sua atividade”, afirma. Foi com esse pano de fundo que veio a decisão de abrir a gestora em 2021.
O mercado de “special sits”, já maduro no mundo, vem crescendo no Brasil, segundo o executivo, à medida que as próprias empresas vão se acostumando com as taxas cobradas na compra desses ativos. A meta desses fundos é de um retorno anual aos investidores na casa de 30%.
Fonte: Valor Econômico

