Após a sequência de máximas históricas registrada pelo Ibovespa em setembro, quando subiu 3,40%, o mercado passou por um período de ajustes nas carteiras. A combinação de uma alta rápida do índice e o aumento das preocupações com o risco fiscal no país levou a uma realização de lucros na bolsa local.
Esse movimento ganhou força com a aprovação unânime, pela Câmara, da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil – uma vitória do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida acentuou a percepção de que o projeto poderia colocar em risco o chamado “trade eleitoral”, o que contribuiu para a queda no índice.
Embora gestoras defendam que a tendência ainda é construtiva para a bolsa no médio prazo, algumas casas aproveitaram para reduzir taticamente parte da exposição, ou até mesmo montar uma alocação “short” (que se beneficia da queda) em ações brasileiras. As mudanças também englobaram corretoras, que optaram por deixar os portfólios um pouco mais equilibrados, com menos exposição a cíclicas domésticas, em meio a uma perspectiva de que o índice continue caindo no curto prazo.
O gestor de multimercado e renda fixa do Fator, Ricardo Farias, está entre os executivos que optaram por encerrar a posição em bolsa local de forma tática. “Zeramos em 15 de setembro. Nem pegamos os últimos recordes. A bolsa teve um movimento de consolidação e paramos de ver novos ‘triggers’ [gatilhos] no curto prazo”, destaca. Nesse período, ele afirma que preferiu realocar o risco ao comprar NTN-Bs (títulos públicos atrelados à inflação).
Ainda que a alocação não tenha gerado bons frutos para os gestores recentemente, Farias destaca que o mercado precifica a inflação implícita (medida gerada pela diferença dos juros nominais dos contratos de DI e dos juros reais das NTN-Bs) quase dois desvios padrão abaixo da média. Para ele, porém, há uma chance de que a precificação volte a subir.
As sucessivas valorizações do índice em meio às assimetrias no mercado de juros também impulsionaram uma mudança de alocação na Novus Capital. O sócio-fundador e gestor da casa, Luiz Eduardo Portella, afirma que diminuiu taticamente as posições compradas em bolsa, devido à alta dos preços dos papéis, e que aumentou a exposição a juros, em meio à desaceleração da economia. “O mercado de juros não tem conseguido acompanhar a melhora da bolsa e do dólar porque o Tesouro emitiu muito papel neste ano”, justifica.
Sem visualizar um “fluxo comprador marginal” para a bolsa local no curto prazo, a Persevera Asset Management também realizou mudanças recentes táticas na carteira e montou uma posição “short” (que aposta na queda) em Ibovespa, ao mesmo tempo em que adotou uma alocação comprada (que se beneficia da alta) em Vale. “O minério parece que achou um ‘fundo’. Vale é um nome em que vejo pouca gente interessada e, se o Ibovespa andar, boa parte do índice é composta por ações da mineradora”, destaca o executivo.
Embora concorde que o cenário para a bolsa local no ano que vem é positivo, com a queda dos juros e a chance de mudança de poder, o gestor da Persevera diz que a assimetria para o Ibovespa agora está “ruim”.
“Não teve nada grande que tenha mudado no cenário para as ações brasileiras, mas está faltando notícia positiva na margem para o Ibovespa andar e não temos fluxo novo na bolsa”, observa Fontoura. O executivo pondera que o fluxo de investidores estrangeiros dá sinais de que perdeu força na B3. Ao mesmo tempo, ele afirma que a percepção, em conversas com as casas, é que os institucionais já parecem bem alocados em renda variável local, e que as pessoas físicas devem demorar para voltar a adicionar risco às carteiras.
Com visão parecida, Farias defende que uma parte da queda do Ibovespa é fruto de uma realização técnica de investidores locais, que optaram por reduzir posição após os ganhos obtidos recentemente. “Entre março e abril, a indústria de fundos começou a performar bem. Tem um certo receio das gestoras de ficar alocadas por tempo demais [na bolsa] e perder o que foi construído até aqui”, diz.
Para o estrategista de ações da XP, Raphael Figueredo, o processo de correção do Ibovespa teve início dentro de uma tendência de alta, especialmente a partir da penúltima semana de setembro, depois de o índice ter sucessivamente ultrapassado marcas históricas. “A expectativa é que o Ibovespa siga nesse processo de correção e busque alvos de curto prazo na casa de 137 mil pontos, quiçá 135 mil pontos, sem que haja qualquer comprometimento dessa boa evolução de tendência de alta e de forças de mercado desde o início do ano até aqui”, avalia.
Nos cálculos da XP, a parcela de papéis que estão acima da média móvel de 200 períodos no Ibovespa hoje é de 59%. Nesse sentido, diz Figueredo, os dados demonstram que o índice está em uma região de “sobrecompra” – quando ativos são negociados na parte superior de seu intervalo de preços mais recente.
Para Fontoura, da Persevera, será “difícil para o Ibovespa sustentar esse rali até o fim do ano que vem sem que haja uma intercorrência”. “Tem uma história boa para acontecer no Brasil, com o potencial mudança de governo em 2026 e com a queda da Selic. Esse ‘trade’ tem bastante perna para acontecer, mas não tem força para fazer isso agora. Vai precisar ter uma certa digestão”, pondera.
O chefe de pesquisa da Eleven Financial, Fernando Siqueira, lembra que a melhora do presidente Lula nas pesquisas eleitorais foi um dos aspectos que ajudaram na correção recente do índice. “A situação fiscal é ruim e o ajuste na tabela do IR foi bem elevado, o que atrapalha um pouco uma retomada do Ibovespa”, avalia o profissional.
Nos últimos dias, Siqueira conta que mudou marginalmente alguns portfólios para deixar as carteiras mais “defensivas”, com alocações em empresas de telecomunicação, por exemplo. “Mas não estamos fazendo muitas mudanças, uma vez que ainda acreditamos que a tendência é positiva [para a bolsa]”, diz.
Em meio à realização de lucros do Ibovespa, a XP tem recomendado a alocação no setor de commodities, com destaque para materiais básicos, devido à menor valorização dessas ações no período recente. Além disso, a piora na percepção de risco fiscal e a consequente abertura da curva de juros (com aumento das taxas mais longas) tornaram as seguradoras mais atrativas para os investidores, na visão da casa. A corretora destaca Vale e Caixa Seguridade como suas principais escolhas, com foco em garantir o equilíbrio do portfólio.
Fonte: Valor Econômico

