Por Adriana Cotias — De São Paulo
23/05/2022 05h02 Atualizado 23/05/2022
O modo aversão disparado pela piora intencional das condições financeiras nos Estados Unidos, como sinalizado pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, tem mostrado efeito limitado sobre a disposição de gestores de recursos brasileiros para tomar risco.
Diferentemente dos fundos de ações globais, que têm preservado uma parcela maior em caixa, algumas assets locais têm aproveitado a temporada de pechinchas na bolsa para fazer posições antes que o ciclo monetário vire. Já nos multimercados, a busca é por capturar ganhos justamente do ambiente mais adverso: com a alta de juros além do que sugerem as taxas futuras no mercado americano e com a queda das bolsas.
No “long bias” da Novus, estratégia que pode se alavancar e ficar mais de 100% comprada em ações, o fundo está vendido em bolsa americana e só tem 20% de exposição direcional. Isso se traduz em 80% em caixa, explica o sócio-gestor Luiz Eduardo Portella. Já no multimercado macro, a gestão tem espelhado elementos do índice de condições financeiras calculado pelo Goldman Sachs (FCI), na direção que o Fed indica desejar. O portfólio combina a venda de bolsa nos EUA, de ativos de crédito, compra de dólar ante outras moedas e posições que sairiam vencedoras com a alta das taxas de juros.
“Lá fora está todo mundo com risco mais baixo porque, pela primeira vez desde a década de 90, o Fed está lidando com inflação. Os últimos ciclos de altas de juros foram para segurar o emprego e atividade muito aquecida, e, desta vez, a inflação nunca esteve tão alta e o mercado de trabalho apertado. E se os ativos piorarem, o Fed não vai fazer nada”, diz Portella. “Ele deixou implícito que vai acabar em recessão lá na frente para segurar a demanda.”
Com a onda de vendas, o mix típico do investidor americano, dividido em títulos de renda fixa e em bolsa, em que uma queda das ações era compensada pela redução dos juros, não tem funcionado e ele vem perdendo nas duas pontas. Isso tem um efeito na renda das famílias. E, como os fundos têm apresentado resgates, os gestores não tem alternativa a não ser privilegiar o caixa. Esse é um movimento que já foi vivenciado pelas assets brasileiras, então a pressão para ter dinheiro vivo agora parece menor, ainda que não haja fluxo novo.
Na Nextep, que tem sua estratégia de ações voltada para ativos no exterior, a proporção de caixa está relacionada aos ativos de melhor potencial que identifica no mercado, diz Maria Antonia Viuge, sócia e analista sênior da gestora. “Existem oportunidades para aplicar caixa, a gente vem fazendo gradualmente, mas acha que o cenário [mais adverso para bolsa] vai persistir ao longo do ano, temos sido cautelosos.”
Atualmente, a posição em liquidez é de cerca de 15%. “Nossa visão em relação ao “QE” [programa de expansão monetária] sempre foi um pouco mais cética, em algum momento tinha que acabar”, afirma Viuge. “Enquanto estava rolando, houve inflação dos preços dos ativos, dos ‘valuations’, foi uma coisa fenomenal, as companhias de tecnologia chegaram a múltiplos fora do comum e o que vem neste ano é uma certa devolução.”
A especialista pondera que o aumento do balanço do Fed, com injeções trilionárias de recursos na economia desde a crise de 2008, pode ainda deixar um rastro de destruição de valor. “Pelo do tamanho do QE é difícil pensar que só um aumentozinho de juros vai ser suficiente para desfazer tudo que foi feito. O cenário ainda pode piorar antes de melhorar, é preciso diferenciar o que cai só por causa do momento macro e o que de fato não tem um bom modelo de negócio.”
Isso quer dizer que não é porque uma ação caiu 60%, 70% que há uma barganha ali, pode ser que o modelo é falho ou o valuation muito distorcido, prossegue. “Há uma oportunidade ou é melhor fugir? Há muita nuance.” Durante a onda de vendas recente, a Nextep aproveitou para aumentar a posição em Google e Microsoft. A analista diz também gostar do segmento de luxo, um pouco mais resistente aos reveses e à inflação.
No multimercado da BlueLine, do início do ano para cá a gestão reduziu significativamente o nível de risco, segundo Fabio Akira, economista-chefe da casa. “A nossa preocupação com inflação vem de mais tempo, a percepção de que os países desenvolvidos, principalmente o Fed, partiriam para uma postura mais contracionista e a política monetária se cristalizou neste ano”, afirma. “A gente estava com convicção grande de que o movimento de juros era para cima e alocou risco nisso.”
Mais recentemente, a escolha foi diminuir a posição não porque a percepção tenha mudado, mas porque os preços das estratégias ligadas a juros já estão mais justos. Em ações, a alocação foi reduzida drasticamente e está mais próxima de zero, seja no Brasil ou lá fora. Nos seus três anos de atividade, o histórico de alocação tem sido na casa dos 50% em bolsa. “Muda a dinâmica quando a autoridade monetária [nos EUA] fala que vai levar [o nível de juros] para o restritivo, que está mais preocupada com a inflação do que com o emprego, não sei se vai ser um pouso suave, talvez seja mais turbulento.”
Nessa transição, o Brasil ainda sofre com as políticas de paralisação de atividades que foram adotadas na China por conta da covid-19, o que adiciona risco para a dinâmica de commodities e também para o real.
No multimercado do Opportunity, o gestor Marcos Mollica combina atualmente ativos que preveem a queda das bolsas americanas, a alta dos juros pelo Fed, e no Brasil está com uma das menores posições em ações, em empresas maiores, ligadas à cadeia de commodities, descreve.
“Os juros americanos vão continuar subindo, estão longe do equilíbrio, o que está na curva parece pouco, o Fed vai acabar fazendo mais e só agora o mercado entendeu que a autoridade quer que a bolsa caia para ajudar no combate à inflação”, diz Mollica. “Os ativos de risco, bolsa, commodities, títulos de crédito, tudo isso está num momento de muita pressão.”
Nas estratégias ligadas a juros, a posição já frutificou e foi reduzida a um terço, enquanto em bolsa a atuação tem sido mais tática. No Brasil, ele conta que tem muito pouco risco no fundo. Mesmo com o Banco Central chegando ao fim do ciclo de ajuste monetário, a “inflação continua complicada, não anima ter nada muito grande.”
Do lado mais pró-risco, na Encore, as carteiras de ações estão 100% compradas em Brasil, mas como forma de defesa há uma porção de 30% vendida no índice americano S&P500 no fundo long bias, que tem maior flexibilidade de calibrar a exposição. “Os ativos aqui estão ridículo de baratos”, diz o sócio-fundador João Braga.
Embora o fluxo estrangeiro, que amparou o mercado brasileiro nos primeiros meses do ano, tenha virado a mão, o grande investidor segue de olho nas oportunidades aqui. Ele cita a compra de bloco de ações da Locaweb pela General Atlantic na bolsa e a Brookfield levando 80% da BR Properties, como exemplos desse interesse. “O gringo esperto está comprando, estratégicos estão comprando. E você?”, questiona.
A carteira segue bem diversificada, com cerca de 22 nomes, com um terço em commodities, especialmente petróleo, outra parcela em papéis mais defensivos, com foco no setor elétrico, e a terceira parte em “atacantes”, aquelas que podem fazer diferença no jogo, com ações como Petz, Vivara, Mercado Livre, Totvs e Unidas.
Na Tower Three, o fundo de ações direcional está sempre 100% alocado, enquanto no long bias, que pode ficar entre 30% e 70%, a posição atual é de 40%, segundo o sócio-fundador Ricardo Almeida. Há um mês, a parcela era de 60%. O gestor diz ver coisas ainda caras na bolsa, mas mudou um pouco o portfólio, com mais consumo doméstico porque o PIB tem surpreendido para cima.
Na sua carta do início do mês, a asset já mostrava preferência por papéis ligados à economia local e infraestrutura, com menor exposição a companhias de commodities. Itaú, Bradesco, B3, Movida, CCR, Rumo, Hypermarcas, Ambev, Raia Drogasil, Petrobras, Centauro, Arezzo, Lojas Americanas e Equatorial compunham a carteira.
A gestão da Skade Capital não parou de procurar ações baratas e segue comprando para não perder o momento da recuperação, diz o sócio Alexandre Steinberg. “O ‘trigger’ [gatilho] pode ser qualquer coisa, o fim da guerra [entre Rússia e Ucrânia], por exemplo, e se você não está comprado acaba ficando para trás. A gente não fica com medo de perder porque no tempo o valor vem.”
A casa prefere ficar um pouco mais distante das “blue chips”, os papéis de maior liquidez na bolsa, e tem privilegiado ações que considera ainda descontadas, como Randon, Ioschpe, Gerdau ou BRF. “A gente voltou para o básico, para as companhias que vão continuar existindo e que por serem grandes têm mais condições de se adaptar, repassar preços, ganhar mercado, fazer aquisições”, afirma Steinberg.
Sua percepção é que o investidor voltará para as ações quando a Selic começar a cair e que o Brasil, como começou mais cedo no ajuste, pode ser um dos primeiros a reduzir os juros. “Num período de dois a três anos, dá para ganhar bastante dinheiro.”
Fonte: Valor Econômico
