É o que se depreende de duas pesquisas globais feitas por gigantes do setor de gestão de riqueza, o grupo suíço UBS e a gestora americana BlackRock. Os resultados encontram ressonâncias no comportamento dos ultrarricos brasileiros, que têm o patrimônio mais internacionalizado.
No mapeamento do UBS, foram entrevistados 230 profissionais de escritórios de fortunas familiares, de 30 diferentes países. Na América Latina, participaram cerca de três dezenas, incluindo do Brasil. O estudo da BlackRock envolveu 125 “single family offices”, que gerenciam US$ 243 bilhões globalmente. Uma parcela de 20% das entrevistas foi capturada no bloco de América Latina e Ásia, com 41% na Europa e Oriente Médio, e, 39% dos Estados Unidos e Canadá.
Se há três anos, no começo da pandemia, havia uma certa acomodação com a distribuição do risco no portfólio, com apenas 23% dos family offices considerando mudanças estruturais nas suas carteiras, agora essa fatia sobe para 76%, segundo os dados compilados pela BlackRock.
“Eles reavaliam a alocação com mais frequência porque o cenário mudou, com um período atípico de inflação elevada, muita volatilidade e taxas de juros em alta”, resume Cristiano Castro, diretor do segmento de gestão de riqueza da BlackRock no Brasil. Além disso, com tensões geopolíticas e protecionismo, os grupos familiares tentam entender como “viver o ciclo”.
O UBS nota que a gestão ativa tem sido favorecida, com 35% dos family offices confiando mais na seleção de gestores de recursos que fazem alterações dinâmicas nas carteiras. Há mais confiança na capacidade dos hedge funds de capturar bons retornos em meio à redução do excesso de liquidez nas economias. Quase três quartos dos entrevistados (73%) acreditam que esses fundos atingirão suas metas de desempenho nos próximos 12 meses. “Eles parecem confiantes de que a performance não vai ser mais [pela estratégia] de [seguir] tendências [dos referenciais de mercado]”, diz Ana Browne, responsável pela área de soluções para clientes do UBS Wealth Management Brasil.
Os grupos familiares latino-americanos já costumavam rebalancear mais o portfólio do que os de outras regiões, talvez porque se expõem a “condições mais dinâmicas da economia”, cita Browne.
Após um 2022 que trouxe perdas tanto para a renda fixa quanto para ações globalmente, Castro, da BlackRock, diz haver uma inclinação para abrir mão de uma fatia alocada nas classes de alternativos para buscar oportunidades nos mercados públicos. Ativos ligados a infraestrutura e crédito privado internacional aparecem como opções. Há também um viés para ações de mercados emergentes, segundo Browne, do UBS.
Os ultramilionários têm encontrado oportunidades em “bonds” de um a três anos, e agora manifestam a intenção de manter os ativos até o vencimento para aproveitar a fase de taxas altas. “Tem título público de três anos com alta qualidade pagando 6% ao ano, a maioria dos family office nunca viu isso lá fora”, diz Castro, da BlackRock. Eles estão sentindo o gosto do “carrego”, o valor da renda fixa de alto retorno no tempo, tão conhecido dos brasileiros.
O levantamento do UBS também traz a renda fixa de alta qualidade em países desenvolvidos como uma das estratégias preferidas, ainda que com vencimentos de curto prazo. Comparados aos pares globais, os family offices na América Latina tiveram a maior alocação na renda fixa (30%), “o que faz sentido porque a região tem juros muito altos”, afirma Browne.
Uma foto que contrasta com investidores de outros mercados é que entre os latino-americanos há uma maior diversificação de carteiras globalmente, com apenas 19% investidos na região, enquanto europeus e americanos deixam 86% nos seus países de origem, nota Browne. Nas fortunas familiares brasileiras, o “home bias” (viés local) não aparece como se nota no público de varejo e de alta renda. A pesquisa do UBS envolve grupos que, na média, têm US$ 2 bilhões de patrimônio financeiro.
Entre os clientes brasileiros, Castro, da BlackRock, diz que muitas famílias têm de 60% a 70% dos recursos financeiros no exterior, porque querem evitar o risco de “cross border”, de deixar o patrimônio na mesma localidade em que geram a maior parte das suas receitas, “preferem colocar o dinheiro para trabalhar lá fora”.
Na pesquisa global da BlackRock, ele diz que a maioria dos family offices entrevistados (60%) foram criados após a crise disparada pela quebra do Lehman Brothers em 2008, e do efeito dominó com a securitização de hipotecas de alto risco nas carteiras. Desde então, os gestores de fortunas não tinham navegado por águas tão turbulentas como neste pós-covid.
Os juros historicamente elevados também levaram as famílias a privilegiar caixa e instrumentos equivalentes (83%). O objetivo principal não é só aproveitar as taxas de juros, mas estarem líquidas para capturar oportunidades de deslocamento de preços para alocar os recursos, “estão com faca nos dentes” para materializar novas posições nos mercados privados e de ações.
No universo dos alternativos, o executivo percebe uma maior oferta de operações de “direct lending” por gestores de recursos dedicados, que tentam suprir uma lacuna do mercado de crédito bancário tradicional, financiando diretamente as empresas. As famílias monitoram ainda as oportunidades decorrentes do pacote de investimentos em infraestrutura do governo de Joe Biden, nos Estados Unidos. Browne, do UBS, vê igualmente o aumento do interesse por “private debt”, apesar das preocupações com condições de crédito mais apertadas. A compra de participações diretas em empresas agora dá lugar a aquisição de cotas de fundos de private equity.
Ao trazer os dados globais para a realidade de mandatos de famílias brasileiras, o executivo da BlackRock diz que uma das principais consonâncias está na busca por mais liquidez e aumento da parcela de renda fixa. Da mesma forma que aqui o investidor já abre mão da liquidez para comprar títulos de dívida de três a cinco anos pelo retorno mais gordo, a alocação internacional também ganhou esse viés.
Na renda variável, depois de um fluxo recorde para fundos de índice (ETF) negociados em bolsa com foco em ações de tecnologia – e que trouxeram perdas no ano passado -, os investidores começam a olhar para carteiras de referência na Europa, Japão e em mercados emergentes. “Vários clientes perguntam sobre ações europeias e bonds em euro porque veem uma tendência de valorização da moeda em relação ao dólar. Aumentou a diversificação como forma de proteção”, afirma Castro.
Tanto no Brasil como no exterior, as famílias têm reavaliado o investimento sustentável, após anos seguidos de crescimento da temática da responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG), afirma Browne, do UBS. “É um momento de pausa e de debate para definir o que é de fato o investimento sustentável”, diz. “Nosso objetivo é apoiar o cliente para atingir a rentabilidade, a performance de excelência, ao mesmo tempo que gera impacto positivo.”
Fonte: Valor Econômico

