O futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, procurou esvaziar apostas de que a autoridade monetária poderá intensificar ainda mais o aperto na taxa de juros diante da piora nos mercados provocada pelas incertezas sobre a política fiscal.
“Eu acho que a barra é alta para fazer qualquer tipo de mudança no ‘guidance’ [projeção]”, afirmou, referindo-se à indicação dada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de que fará mais duas altas de 1 ponto percentual na taxa Selic nas suas próximas reuniões, de janeiro e março. Na semana passada, a Selic subiu de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.
Com a alta do dólar dos últimos dias, a curva de juros apresentou forte alta, precificando uma chance maior de o BC ter que intensificar ainda mais o ritmo de aperto monetário.
“Talvez fique um pouco engraçado eu dizer isso, mas vocês sabem que sou bem apegado a ‘guidance’”, brincou, referindo-se a uma decisão em maio passado que provocou mal estar nos mercado por ter dado um voto dissidente pelo corte de 0,5 ponto percentual, ante uma maioria pela queda de 0,25 ponto. Na ocasião, sua justificativa foi a de que votou da forma como havia sinalizado anteriormente.

Ao lado de Galípolo, o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez questão de destacar que a abordagem mais conservadora do comitê — que surpreendeu os mercados — foi liderada pelo futuro comandante da autoridade monetária.
“[O protagonismo de Galípolo] foi a tônica das últimas duas reuniões, com peso maior, obviamente, na última reunião”, disse Campos Neto, que terá nesta sexta-feira o seu último dia de fato no cargo. “Nós entendíamos que isso facilitava a passagem do bastão”, afirmou. Campos Neto vai sair de férias, e Galípolo vai assumir interinamente a chefia do BC, até a sua posse definitiva, em 1º de janeiro.
A declaração de Campos Neto procura esclarecer dúvidas que havia entre participantes do mercado sobre se Galípolo, que foi escolhido para o cargo pelo governo Lula, estava de acordo com a abordagem mais austera na administração dos juros. “O Roberto [Campos Neto] foi muito claro que entendia que essa era uma reunião para deixar a responsabilidade comigo”, afirmou Galípolo.
O futuro presidente do BC disse que “não sobra nenhuma dúvida” de que a autoridade monetária deu um passo “claro” na direção de colocar a taxa de juros “em um patamar restritivo com alguma segurança”. “O Banco Central deu este passo claro e transparente de que vai buscar a taxa de juros no patamar restritivo necessário, pelo tempo que for necessário, para atingir a meta.”
Galípolo participou de entrevista à imprensa sobre o Relatório de Inflação junto com Campos Neto, e o diretor de política econômica, Diogo Guillen. O evento realizado no edifício-sede do BC em Brasília também serviu como uma passagem de bastão entre a antiga e a nova gestão.
Galípolo revelou que conversou com Lula ontem e, para ele, em toda a conversa houve “clareza” do chefe do Executivo sobre como inflação é ruim para a população. Ele tambem disse ter identificado “confiança” de Lula no BC e nos diretores de que vão fazer o trabalho para entrega a inflação dentro da meta.
Sobre o tema fiscal, Galípolo disse que, nas conversas que tem com o presidente Lula e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, há um “reconhecimento” de que existem problemas a ser resolvidos. Afirmou que também vê nas autoridades um entendimento de que “ esse é um trabalho contínuo que deve permanecer e continuar”. “Hoje existe um esforço por parte do governo de tentar fazer a aprovação hoje no Congresso do que está aí nesse diálogo que é necessário com a sociedade e com o Congresso”, afirmou.
Ele negou que informe previamente o presidente Lula sobre decisões tomadas pelo BC. “Não há processo da ciência ao presidente sobre que o Banco Central vai fazer”, afirmou. “Ele jamais chegou perto de discutir comigo sobre o que faria, e o que o Banco Central vai fazer, em qualquer tipo de reunião.”
O diretor de política monetária explicou a escolha de apresentar um ‘guidance’ (orientação de passos futuros dos juros) ao dizer, como estava na ata do Copom, que alguns riscos se materializaram. Até então, o Copom evitava dar sinalizações firmes com a alegação de que, num cenário muito incerto, havia chances de seus planos mudarem.
Questionado sobre a escolha de fazer um movimento mais forte nos juros de uma vez só em vez de um movimento mais prolongado, Campos Neto disse que o objetivo é ganhar o máximo de credibilidade e fazer com que tenha o máximo de convergência nas expectativas da forma mais suave possível. “A mensagem que a gente tentou passar é que a elevação de 1 ponto percentual, com essa sinalização [de mais duas altas da mesma magnitude], é um passo no caminho de sinalizar que o BC está comprometido em atingir a meta.”
A ata da última reunião do Copom apontava que o cenário para convergência da inflação havia se tornado mais adverso e menos incerto porque alguns fatores de risco se tornaram realidade. É o caso da resiliência na inflação de serviços, da desancoragem das expectativas de inflação do mercado e da depreciação cambial. Por isso, seria possível dar a sinalização para as altas da taxa de juros no futuro, “se confirmando o cenário esperado”, segundo o documento.
Fonte: Valor Econômico

