O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, acabou de fazer uma aposta gigante. Em questão de horas, as forças israelenses lançaram um ataque aéreo em Beirute tendo como alvo um alto comandante do movimento militante libanês Hezbollah, além de também ser acusadas pelo Hamas e Irã de assassinar o líder político do grupo palestino em um ataque em Teerã.
Israel comunicou que matou Fuad Shukr, um comandante do Hezbollah, um nome considerado próximo ao líder do grupo, Hassan Nasrallah. O país, porém, não fez comentários sobre o ataque que matou Ismail Haniyeh, o líder político do Hamas. Em geral, Israel não nega nem confirma assassinatos seletivos no Irã.
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Sem dúvida, a aposta de Netanyahu é que os ataques enviarão um recado de dissuasão aos inimigos do país, além de mobilizar os israelenses após meses de turbulências políticas. No entanto, é uma aposta de alto risco, que ameaça desencadear a guerra total no Oriente Médio que a região tanto vem temendo desde o ataque do Hamas em 7 de outubro e a subsequente ofensiva de Israel na Faixa de Gaza.
Israel vinha ameaçando uma retaliação desde que um foguete atingiu as Colinas de Golã, no sábado (27), e matou 12 jovens em um campo de futebol, um ataque atribuído pelos Estados Unidos e pelos israelenses ao Hezbollah. Ainda assim, entre as possíveis respostas, matar um dos principais auxiliares de Nasrallah no coração de Beirute estava entre as opções mais extremas.
É a primeira vez que Israel lança um ataque contra o Hezbollah na capital libanesa desde 7 de outubro. Shukr é o líder de maior hierarquia do grupo que Israel mata em muitos anos, apesar do Hezbollah não confirmar a morte.
Por sua vez, o assassinato de Haniyeh, pouco depois de ele ter se reunido com autoridades estrangeiras que participavam da posse do novo presidente do Irã, também aumenta as apostas a um novo patamar. O ataque em Teerã é um golpe doloroso e humilhante não apenas para o Hamas, mas também para a república islâmica, em um momento altamente delicado.
Também indica que Israel — que não esconde sua disposição de atacar líderes do Hamas não importa onde estejam —está preparado para aumentar as apostas, enquanto os EUA e seus aliados tentam desesperadamente conter a escalada. A região, já dominada pela angústia há meses, agora ficará na aflitiva espera quanto a alguma resposta do Hezbollah, de seu patrocinador, o Irã, ou do chamado eixo da resistência, uma rede de grupos militantes apoiados pelo Irã. O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, foi rápido em ameaçar Israel com a promessa de “vingar o sangue de [Haniyeh]”.
Israel e Irã já se empurraram ao limite de um conflito antes, mas até agora conseguiram recuar, de forma mais notável em abril quando trocaram ataques de mísseis e drones precisamente moderados.
O Irã tem deixado claro que não deseja um conflito direto com Israel ou os EUA. Seu principal objetivo é a sobrevivência da república, o que significa manter o conflito longe de seu território e recorrer aos militantes que apoia para atacar em seu lugar. Ainda assim, a decisão de lançar o primeiro ataque direto a Israel a partir de solo iraniano em abril mostrou que também está disposto a aumentar as apostas caso se sinta provocado ou sob pressão.
Os vários ataques feitos por Israel desde 7 de outubro pouco fizeram para dissuadir seus inimigos. Há meses, o país tem trocado golpes cada vez mais agressivos com o Hezbollah, embora esses combates tenham se restringido em grande medida à região de fronteira entre Israel e Líbano. É difícil imaginar que o assassinato de Shukr não provoque uma resposta mais forte e faça os adversários mergulharem ainda mais fundo em seu perigoso ciclo de escalada.
Há muito existe o medo de que um erro de cálculo ou alguma provocação desencadeie uma nova fase no conflito — desde 7 de outubro, Israel tem sido atacado por grupos apoiados pelo Irã em várias frentes e lançado ataques no Irã, Síria, Líbano e Iêmen. Agora, a questão crucial é se os limites do inaceitável, cada vez mais turvos, foram, ou estão prestes a ser, cruzados.
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Israel não faz segredo de sua determinação em empurrar os combatentes do Hezbollah para longe da região fronteiriça, seja por meio de diplomacia apoiada pelos EUA ou por meios militares. Washington precisou até persuadir o governo de extrema direita de Netanyahu a não lançar um ataque preventivo contra o grupo militante libanês nos primeiros dias da guerra na Faixa de Gaza.
Também é razoável supor que tanto Israel quanto o Hezbollah têm se preparado para uma guerra total desde 2006, quando lutaram um conflito de 34 dias. Na época, o Hezbollah desferiu um doloroso golpe em Israel, e autoridades israelenses têm deixado claro que desta vez iriam muito mais longe, não se limitando a atacar redutos militantes.
Isso seria catastrófico para o Líbano, um país assolado por problemas econômicos e políticos e que correria o risco de um colapso total no caso de uma invasão israelense. Para Israel, contudo, as consequências também seriam grandes. O Hezbollah, considerado de forma geral o grupo mais armado do mundo sem ser um Estado, é um inimigo muito mais forte que o Hamas.
Autoridades iranianas já declararam que Teerã apoiaria o Hezbollah com todos os seus meios se uma guerra total eclodisse. Isso pode não envolver ataques diretos, pelo menos de início, mas a mobilização de militantes no eixo da resistência — desde os rebeldes houthis no Iêmen até as milícias xiitas no Iraque e na Síria. Isso também significaria uma intensificação dos ataques com mísseis e drones contra Israel e traria o risco de sobrecarregar a defesas aéreas do país — um drone houthi atingiu Tel Aviv na semana passada, matando uma pessoa.
Os EUA, que mantém seu compromisso “inabalável” de defender Israel, também correriam o risco de serem levados ainda mais para dentro no conflito e suas forças no Iraque e na Síria provavelmente seriam alvos. O transporte marítimo internacional — já sob ataque dos houthis no Mar Vermelho — poderia enfrentar ameaças mais graves. Os países árabes, por sua vez, temem os possíveis efeitos colaterais.
É o cenário de pesadelo que as potências regionais vêm alertando ao longo de toda a guerra de Israel na Faixa de Gaza. Até agora, contudo, os esforços liderados pelos EUA para acabar com a guerra não deram resultado e sofrem um duro golpe com a morte de Haniyeh, o principal interlocutor do Hamas com os mediadores. Em vez disso, os EUA — e a região — ficarão às voltas para administrar, dia a dia, uma crise que se torna cada vez mais complexa e mortal.
Fonte: Valor Econômico

