Kamala Harris usou a primeira semana de campanha eleitoral para apresentar o plano econômico voltado à classe média americana que colocará em prática se vencer o republicano Donald Trump na eleição presidencial dos EUA, em novembro.
“O fortalecimento da classe média é o objetivo que definirá minha presidência”, disse a candidata a uma multidão entusiasmada de eleitores no ginásio de uma escola em Wisconsin, na terça-feira. “Mas Donald Trump quer fazer o país de vocês andar para trás.”
A provável candidata democrata já está adotando os aspectos mais populares dos planos e conquistas legislativas de Joe Biden e tentando deixar em evidência as diferenças em relação às propostas de Trump. Por outro lado, a candidata espera ser menos afetada do que o atual presidente pela crise gerada pelo elevado custo de vida nos últimos anos.
Altos funcionários e ex-integrantes do governo Biden dizem que Kamala deverá levar adiante o plano do atual presidente de investir no setor industrial, recuperar a infraestrutura do país e estimular a energia verde.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/W/o/uHMmHxStOYu1dqMObBYw/foto26int-102-memes-a19.jpg)
Mas Kamala também deverá voltar as baterias para a chamada “economia do cuidado”, oferecendo maior acesso a creches, licença familiar remunerada e financiamento estudantil. Estes são planos que Biden não conseguiu aprovar no Congresso.
Além disso, na visão dos eleitores americanos, Kamala pode ser uma defensora até melhor que o presidente das políticas econômicas do governo Biden. O presidente virou alvo fácil dos ataques implacáveis dos republicanos, entre eles Trump, que jogou no incumbente a culpa pela inflação descontrolada.
Biden teve dificuldades para convencer os eleitores de que a situação do país melhoraria em um novo mandato seu, apesar de ter tirado os EUA da pior retração econômica desde a Grande Depressão e conseguido crescimento recorde dos empregos em sua presidência.
“A inflação disparou durante o mandato do presidente Biden, por isso as pessoas fazem uma relação pavloviana”, disse Ernie Tedeschi, ex-economista-chefe do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, agora diretor de economia do Budget Lab, um centro de pesquisa da Universidade de Yale. Segundo ele, esta relação direta não é “totalmente justa”. Mas acrescentou: “Existe uma chance real de os eleitores não culparem tanto a vice-presidente Kamala quanto culparam o presidente Biden.”
Ex-promotora e senadora pela Califórnia, Kamala não tem experiência sólida em economia. Como vice-presidente, seus principais conselheiros econômicos foram Mike Pyle, ex-economista da BlackRock que recentemente integrou o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca e atualmente está na Macro Advisory Partners, e Deanne Millison, que agora trabalha em políticas industriais na Ford Motor Company.
Mas altos funcionários do governo Biden afirmam que a visão de Kamala para a política econômica é de centro-esquerda e que ela provavelmente indicará a continuidade das políticas de Biden em vez de um distanciamento delas.
“Sinto que os principais valores que norteiam as políticas deste governo são apoiados firmemente pela vice-presidente”, disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, em entrevista coletiva na cúpula do G20 no Brasil, nesta semana.
“Ela obviamente olha pelas famílias de classe média. [Kamala] sabe que elas são a fonte do poder econômico dos EUA”, acrescentou Yellen. “Ela tem focado em gerar bons empregos, reduzir custos para os americanos em áreas fundamentais como creche e saúde e capacitar trabalhadores para a indústria do futuro”.
As políticas defendidas agora por Kamala para ampliar a rede de segurança social dos EUA faziam parte do Build Back Better (“Reconstruir Melhor”), o histórico plano de US$ 3,5 trilhões lançado por Biden em 2021, mas foram excluídas pelo Congresso antes da aprovação final.
“Eu imagino um plano curto e incisivo, composto por aqueles trechos do programa de Biden voltados à família que estavam à espera do segundo mandato que não veio”, disse Tedeschi.
Ben Harris, que foi um dos principais assessores econômicos de Biden e agora trabalha na Brookings Institution, lembra que Kamala também tem a oportunidade de focar na habitação, considerando seu histórico como senadora em defesa dos aluguéis mais baratos.
Essa abordagem ampliaria o trabalho realizado pelo governo atual, que priorizou questões relacionadas à habitação nos últimos meses. A Casa Branca anunciou recentemente um plano para limitar os reajustes dos aluguéis em todo o país e destinou mais recursos para a expansão da oferta de moradias acessíveis.
Felicia Wong, que participou do conselho consultivo de transição de Biden e atualmente preside a organização progressista Roosevelt Forward, acredita que Kamala defenderá os sindicatos com mais vigor. Um dos primeiros comícios da vice-presidente desde que se tornou candidata foi um evento com membros da Federação Americana de Professores, o segundo maior sindicato de docentes do país.
“Uma das melhores maneiras de manter o progresso da nossa nação é dar voz aos trabalhadores: proteger a liberdade de se organizar, defender a liberdade de negociar coletivamente, acabar com ações antissindicais”, disse Kamala no evento em Houston, Texas, na quinta-feira.
O maior desafio de Kamala será tentar desqualificar Trump e outros republicanos que se apresentam como o partido da classe trabalhadora, especialmente nos chamados estados-pêndulos, aqueles com resultados eleitorais menos previsíveis.
Kamala já criticou Trump por políticas que, segundo ela, prejudicariam as famílias trabalhadoras, como a redução de impostos para americanos ricos e grandes corporações, tarifas generalizadas sobre importações e deportação em massa de imigrantes. Kamala deve manter a promessa de Biden de não aumentar impostos para quem ganha menos de US$ 400.000 por ano.
“Em novembro, os eleitores terão que escolher entre estas duas estradas diferentes para o futuro”, diz Bharat Ramamurti, ex-diretor adjunto do Conselho Econômico Nacional no governo Biden. “Acho que quanto mais a equipe de campanha se concentrar na agenda real de Trump, mais conseguirá convencer os eleitores de que este é o caminho errado.”
Com o cenário econômico melhor — a inflação está em queda após atingir o maior patamar em quatro décadas em 2022 e o Federal Reserve, o banco central americano, se prepara para reduzir os juros —, a equipe de campanha de Kamala poderá destacar as conquistas econômicas do governo Biden-Kamala e tentar gerar otimismo em relação aos planos da candidata para estimular o crescimento.
Uma pesquisa recente conduzida pela Blueprint, uma empresa de pesquisa de opinião democrata, revelou que os eleitores se mostraram divididos entre Kamala e Trump quando perguntados sobre qual candidato conseguiria reduzir mais a inflação de bens e serviços.
“Eles têm a chance de encontrar eleitores mais receptivos para ouvi-los falar sobre a economia e a recuperação dos últimos anos”, disse Ramamurti.
Fonte: Valor Econômico

