A escolha por Donald Trump do arqui-isolacionista JD Vance como seu colega de chapa consolidou os temores da Europa de que um segundo mandato de Trump possa reduzir drasticamente os laços de segurança transatlânticos, aumente as tarifas e interrompa um apoio fundamental dos Estados Unidos à Ucrânia.
Vance, 39, já classificou as garantias de segurança dos EUA como uma muleta que permitiu à Europa “ignorar sua própria segurança” e disse que a ajuda americana à Ucrânia não é necessária.
A escolha de Trump intensificou os temores dos aliados dos EUA de que ele pretende realizar um governo protecionista que levará em conta a “América em primeiro lugar”, com grandes implicações para a defesa e a segurança econômica da Europa.
“Esse seria o sinal para a Rússia realçar seu poder ao longo de mais de uma década com a China e aplicar mais coerção contra a Otan”, acrescentou. “Estamos entrando em um período muito sombrio.”
A liderança de Trump nas pesquisas antes das eleições de novembro e o desempenho instável do presidente Joe Biden no primeiro debate presidencial transmitido pela TV já deixaram as capitais europeias temerosas com um retorno do republicano à Casa Branca.
Em reação à indicação de Vance como vice-presidente na chapa de Trump, Guy Verhofstadt, um membro do Parlamento Europeu e ex-primeiro-ministro da Bélgica, postou no X que “haverá mais estouros de champanhe no Kremlin”.
Ele acrescentou: “A Europa e o Reino Unido já estão se preparando, ou ainda estão se remexendo nas espreguiçadeiras do Titanic”?
Em outro sinal de possíveis tensões transatlânticas, Vance sugeriu em um discurso na semana passada que o Reino Unido sob seu novo governo trabalhista poderá se tornar um “país islâmico”.
Referindo-se a uma discussão sobre qual será o “primeiro país verdadeiramente islâmico a obter uma arma nuclear”, ele mencionou o Paquistão e o Irã, e então acrescentou: “Talvez na verdade seja o Reino Unido, uma vez que o Partido Trabalhista acaba de assumir o poder”.
Trump disse este ano que Londres se tornou “irreconhecível” porque “abriu suas portas para a jihad”, referindo-se aos protestos pró-Palestina. Cerca de 6,5% da população britânica é muçulmana.
A vice-primeira-ministra britânica, Angela Rayner, disse nesta terça-feira (16) não reconhecer a caracterização feita por Vance do Reino Unido sob o novo governo trabalhista, acrescentando que o país está “interessado em trabalhar com os nossos aliados internacionais”.
Em uma entrevista concedida no ano passado, o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, elogiou o livro de memórias de Vance “Hillbilly Elegy”, dizendo que ele o levou às lágrimas.
Mas acrescentou ser “trágico” que um autodeclarado adversário conservador de Donald Trump, que analisa tão incisivamente as injustiças da sociedade americana, tenha se “transformado em um defensor ferrenho desse populista de direita, apenas para ganhar seu apoio e ele mesmo se tornar senador”.
De um modo geral, muitas autoridades europeias temem que Trump venha a usar um segundo mandato para impor tarifas gerais sobre as importações, que prejudicariam a economia da União Europeia, e também estão preocupadas com o impacto de suas políticas sobre a Otan e a guerra na Ucrânia.
Os EUA concordaram em enviar um sistema de defesa aérea Patriot adicional para Kiev este mês, depois que a Ucrânia pediu reforços para repelir os bombardeios quase diários contra alvos civis e infraestruturas críticas.
Vance já disse várias vezes que a Ucrânia deveria ceder território para acabar com a guerra, argumentando que tal acordo seria do melhor interesse de Washington.
A posição está estreitamente alinhada aos termos apresentados pelo presidente russo Vladimir Putin no mês passado, para iniciar as discussões de paz.
Kiev rejeitou os pedidos por negociações de paz com Moscou, enquanto a Rússia estiver ocupando grandes partes do país. Mas Trump pretende exigir tais discussões imediatamente se vencer a eleição e tem “planos bem fundamentados” sobre como fazer isso, disse na semana passada o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, depois de se encontrar com ele.
“A pessoa que disse abertamente que a ‘Ucrânia terá que ceder algum território para os russos’ não pode ser a melhor representação da política dos EUA”, disse Inna Sovsun, uma legisladora ucraniana do partido liberal Golos. “A Rússia é nosso inimigo comum.”
“A escolha de Vance é um sinal claro para nós”, disse ela, afirmando que a Ucrânia terá de “pensar em uma nova estratégia de comunicação com os americanos” se Trump vencer a eleição.
Alguns países europeus receberam bem a indicação de Vance e demonstraram otimismo com um possível segundo mandato de Trump.
Em relação à política sobre a Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Péter Szijjártó, postou uma foto de Trump e Vance com os dizeres “A esperança de paz”, enquanto Balázs Orbán, outra autoridade de alto escalão, acrescentou no X: “Um governo Trump-Vance parece ideal”.
As autoridades ucranianas veem a decisão do presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, de permitir que o pacote de ajuda de US$ 60 bilhões seja aprovado no Congresso este ano, como um vislumbre de esperança de que a ajuda futura possa continuar durante um governo Trump.
Embora o ex-presidente, que tem muita influência sobre os republicanos na Câmara dos Deputados, seja cético em relação à ajuda dos EUA à Ucrânia, sugeriu, em abril, estar aberto à aprovação do pacote de financiamento.
Ihor Zhovkva, assessor de política externa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, disse acreditar que Trump manteria um acordo de segurança recente firmado entre Washington e Kiev. “Na verdade, não ouvi Trump falar sobre a ideia de desacelerar a liderança mundial exercida pelos EUA”, disse Zhovkva.
Mas aliados de Trump como Vance e Ric Grenell, que é visto como um dos principais candidatos a secretário de Estado, sinalizaram que procurariam abandonar o apoio aberto a Kiev se o ex-presidente vencer a eleição em novembro.
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Fonte: Valor Econômico

