Grande demanda pelos GLP-1, lucrativa classe de medicamentos para o diabetes e a perda de peso, está testando a capacidade das fábricas capazes de formular soluções farmacêuticas, filtrá-las em seringas e selar e embalar o produto
Por Oliver Barnes e Ian Johnston, Financial Times — Londres
05/03/2024 16h04 Atualizado há 23 horasPresentear matéria
O grupo farmacêutico americano Eli Lilly está correndo para garantir os serviços de terceiros e aumentar a produção de seu medicamento contra a obesidade Zepbound, ao mesmo tempo em que lança seu concorrente ao supressor de apetite de grande sucesso do grupo dinamarquês Novo Nordisk, o Wegovy.
A companhia sediada em Indianápolis, nos EUA, firmou acordos com a National Resilience, fabricante apoiada pelo governo dos Estados Unidos, e com a italiana BSP Pharmaceuticals, para o envase e acabamento de suas canetas injetoras, segundo informaram fontes a par dos acordos.
A grande demanda pelos GLP-1, a nova e lucrativa classe de medicamentos para o diabetes e a perda de peso que inclui o Wegovy e o Zepbound, está testando a capacidade das fábricas capazes de formular soluções farmacêuticas, filtrá-las em seringas e selar e embalar o produto, parte de um processo conhecido como “fill-finish” (algo como envase e acabamento).
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“Houve muito investimento em linhas de envase de alta velocidade e grande capacidade durante a pandemia de covid-19 e havia dúvidas sobre como essa capacidade seria usada no futuro. Então, os GLP-1 surgiram e agora o problema é quase o oposto”, diz Jim Miller, um consultor que aconselha farmacêuticas sobre estratégias de produção.
O Zepbound, cujo componente ativo tirzepatida também é usado no Mounjaro, o medicamento de tratamento de diabetes da Lilly, tornou-se o primeiro medicamento que pode competir palmo a palmo com o Wegovy quando foi aprovado para uso na perda de peso em novembro nos EUA. O Wegovy, juntamente com os medicamentos à base de tirzepatida da Eli Lilly, ambos administrados via injeções semanais, deverão gerar US$ 18,2 bilhões em vendas globais este ano, segundo projeções do grupo de pesquisas GlobalData.
A corrida para garantir capacidade de produção acontece no momento em que o Wegovy e o Mounjaro, que normalmente também são prescritos “off-label” para a perda de peso, encontram-se em falta, segundo a Food and Drug Administration dos EUA. A BSP e a National Resilience fazem parte de um grupo de fabricantes terceirizados altamente especializados que estão se beneficiando do “boom” dos medicamentos contra a obesidade.
O mercado global de desenvolvimento e produção por contrato, que apoia as empresas farmacêuticas na fabricação de produtos e na condução de testes clínicos, deverá crescer de US$ 72 bilhões para US$ 90 bilhões nos próximos dois anos, segundo números publicados pela Catalent, uma fabricante que opera sob contrato.
No mês passado, a Novo Nordisk pagou US$ 11 bilhões por três unidades de “envase e acabamento”, que usará na produção do Wegovy e do Ozempic, seu tratamento para o diabetes, como parte de um acordo em que a controladora do grupo dinamarquês adquiriu a Catalent, sediada nos EUA, por US$ 16,5 bilhões.
“A magnitude do investimento demonstra claramente a necessidade urgente de aumento da capacidade de envase e acabamento”, disse Peter Welford, analista da Jefferies. No entanto, as fábricas não possibilitarão à Novo Nordisk aumentar a produção antes de 2026. Antes das aquisições, no mês passado, o presidente-executivo da Novo Nordisk, Lars Fruergaard Jørgensen, alertou: “Haverá uma demanda que supera o que podemos produzir e provavelmente também a concorrência”.
A Novo Nordisk e a Eli Lilly investiram bilhões de dólares na expansão das linhas de produção internas para enfrentar seus dois principais gargalos: a produção de ingredientes ativos e o envase e acabamento. O grupo dinamarquês anunciou em novembro planos para aplicar US$ 6 bilhões na ampliação da unidade de 1,2 milhão de metros quadrados na Dinamarca, onde ela produz a semaglutida, o ingrediente ativo do Wegovy e do Ozempic. Sua concorrente americana anunciou investimentos de US$ 5,5 bilhões para ampliar a capacidade de produção de suas quatro fábricas globais.
Embora a produção de semaglutida e da tirzepatida envolva um processo de fermentação complexo, o medicamento da Eli Lilly é ainda mais difícil de produzir porque contém dois aminoácidos que não são naturais, segundo especialistas. Com as novas instalações de produção devendo levar vários anos para entrar em operação, as empresas estão dependendo muito dos fabricantes contratados.
Os GLP-1 responderam por mais da metade das canetas injetoras produzidas por um fabricante terceirizado não identificado citado por analistas da Evercore. A Thermo Fisher, a Catalent e a Simtra (todas dos EUA), assim como a Vetter da Alemanha, controlam mais da metade do mercado de terceirização de envase e acabamento, segundo estimativas internas de um fabricante terceirizado às quais o “Financial Times” teve acesso.
Peter Soelkner, diretor-gerente da Vetter, que tem capacidade para produzir pelo menos 210 milhões de doses injetáveis por ano, diz que os fabricantes terceirizados estão “testemunhando um aumento de demanda em áreas terapêuticas específicas como a dos GLP-1”.
A National Resilience, uma fabricante sob contrato que surgiu durante a pandemia como parte dos esforços dos EUA para trazer capacidade de produção para casa e que no ano passado recebeu um empréstimo de US$ 410 milhões do Departamento de Defesa dos EUA, vai envasar as canejas injetoras do Zepbound em sua fábrica de Cincinnati, que terá capacidade para envasar 200 milhões de doses por ano até 2025. A BSP, uma empresa de controle familiar especializada em envase e acabamento de medicamentos injetáveis contra o câncer, começou a instalar os equipamentos necessários para produzir a tirzepatida no segundo semestre do ano passado.
Até o fim do ano que vem, sua unidade na cidade italiana de Latina, perto de Roma, será capaz de produzir 61 milhões de doses injetáveis de medicamentos para tratamentos que não os de câncer. A BSP já produziu para a Eli Lilly o tratamento com anticorpos bamlanivimab contra a covid-19. A Eli Lilly disse que usou “um amplo portfólio de fabricantes contratados para acelerar a produção”, mas não quis revelar mais detalhes. A BSP e a National Resilience não quiseram comentar.
Os gargalos são comuns no estágio de envase e acabamento da produção de medicamentos porque a maioria dos fabricantes opera suas linhas de produção “perto da capacidade total”, afirma Gil Roth, presidente da Pharma & Biopharma Outsourcing Association, um órgão setorial global cujos membros incluem a Catalent e a Thermo Fisher. Cada dose precisa ser inspecionada antes que um lote possa ser despachado, seja visualmente ou por máquina, o que vem ocorrendo cada vez mais.
Até agora em 2024, seis fabricantes por contrato anunciaram planos para ampliar a capacidade de envase e acabamento de medicamentos injetáveis, iniciativas que segundo Roth foram em parte motivadas pela “enorme oportunidade de mercado” proporcionada pelos GLP-1 e outros medicamentos injetáveis. “Com os GLP-1, há expansão, mas os gargalos mais uma vez são conseguir equipamentos altamente especializados e ter mão de obra para manusear esses produtos”, acrescenta ele.
No entanto, Naresh Chouhan, analista da Intron Healthcare que cobre o mercado global de fabricantes terceirizados de medicamentos, diz não esperar que terceirizados menores possam proporcionar mudança considerável para a Eli Lilly ou a Novo Nordisk. “Essas instalações são grandes, altamente regulamentadas e caras de construir e operar”, acrescenta ele. “É improvável que tenhamos grandes quantidades de capacidade ociosa no mercado.”
Novo Nordisk, Eli Lilly e Pfizer têm pílulas para a perda de peso em desenvolvimento, o que poderia resolver os problemas de oferta de envase e acabamento. Mas uma pílula oral pode criar seus próprios problemas de fornecimento, com uma dose diária de 50 mg de semaglutida da Novo Nordisk exigindo 146 vezes mais ingrediente ativo do que uma injeção semanal, segundo analistas do Barclays. Os problemas de oferta não serão resolvidos em breve, alerta Miller.
“Não é como se a Lilly e a Novo fossem capazes de atender à demanda. Acontece que pode levar de três a cinco anos para uma instalação começar a operar”, diz ele.
Fonte: Valor Econômico