Por Gary Silverman, Financial Times — Nova York
17/08/2022 11h45 Atualizado há 21 horas
Hoje, há exatos 40 anos, Henry Kaufman, ex-economista do Salomon Brothers, ajudou a dar a largada de uma das maiores ondas de alta dos mercados americanos na história. Conhecido como “Doctor Doom” (“Doutor Apocalipse”, ou “Doutor Catástrofe”) por suas previsões pessimistas, ele inflamou os investidores ao mudar de opinião e prever que haveria uma queda dos juros na esteira da dolorosa campanha do banco central dos Estados Unidos para domar a inflação.
Hoje, aos 94 anos, Kaufman continua dedicado a assuntos financeiros e em recente entrevista mostrou energia suficiente para falar extensamente de seu livro lançado em 2021, “The Day the Markets Roared” (“O dia em que os mercados rugiram”, em inglês), sobre a célebre previsão para os juros em 17 de agosto de 1982. Perguntado sobre como ele estava, Kaufman respondeu em tom provocador: “Por enquanto, tudo bem.”
Suas opiniões sobre a política monetária dos EUA são menos otimistas. Ele teme que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de hoje, sob o comando de Jerome Powell, não esteja combatendo a inflação com a mesma determinação exibida por Paul Volcker, que elevou energicamente os juros quando o presidiu nas décadas de 1970 e 1980.
“Ainda estou esperando que ele aja com ousadia – ‘ousadia’ significa que ele precisa chocar o mercado”, disse Kaufman sobre Powell. “Se você quer mudar a opinião de alguém, se você quer mudar a atitude de alguém, você não pode [só] dar um tapa na mão, você tem que atingi-los na cara.”
Kaufman disse que o presidente do Fed agiu errado depois de ter mudado de posição quanto à inflação em novembro. Deixou passar muitos meses entre o momento em que alertou para a “inflação persistentemente maior” e o início dos aumentos dos juros pelo Fed em março.
“Seu prognóstico foi certo, sua inação foi errada”, disse Kaufman. Como resultado, os mercados deparam-se com uma situação muito diferente daquela em que estavam quando Kaufman, no Salomon Brothers, distribuiu seu lendário memorando prevendo a queda das taxas de juros.
“Hoje, a taxa de inflação é maior do que a de juros. Naquela época, as taxas de juros eram maiores que as de inflação. É uma justaposição”, disse. “Temos um longo caminho a percorrer. A inflação tem que cair ou as taxas de juros vão subir mais”.
Os juros já haviam começado a cair antes de Kaufman tornar público seu prognóstico em 1982, mas foi o fato de prever um declínio prolongado que mexeu com os mercados. O motivo para o impacto foi seu status na época, o equivalente no fim do século XX ao de um influenciador das redes de relacionamento social on-line dos dias de hoje. Kaufman era tão conhecido por seu pessimismo que, assim que os investidores souberam de seu novo ponto de vista, as ações decolaram.
Depois de ter atingido o pior ponto de um ciclo de baixa apenas alguns dias antes, o índice Dow Jones subiu 38,81 pontos, ou 4,9%, para 831,24, na época a maior alta em pontos na história. Na sequência, veio a forte onda de alta dos anos 80 e – com várias interrupções notáveis – as ações continuaram escalando ainda mais nas décadas seguintes. O Dow Jones fechou na terça-feira aos 34.152,01 pontos.
“Tive previsões pessimistas por um longo tempo […]. Quando mudei de ideia, isso induziu uma reação”, disse Kaufman, acrescentando que é difícil imaginar hoje a previsão de alguém do setor privado tendo esse tipo de impacto. “Não havia muitos economistas [na área de atuação de Kaufman]. Isso me dava uma vantagem distintiva.”
Quanto ao futuro, as preocupações de Kaufman com a inflação tornam mais difícil para ele ter tanta certeza em suas previsões quanto em agosto de 1982.
“Eu não diria que estou pessimista”, disse, destacando que os preços das ações dos EUA “não estão realmente muito longe” do pico de 2021 e que ainda poderiam ser impulsionados por mais progressos na luta mundial contra a covid-19. Ele diz que é difícil fazer previsões em circunstâncias tão “difusas”.
“Hoje, a política monetária está um pouco atrasada”, disse Kaufman. “Naquela época, a política monetária de Paul Volcker estava adiantada […]. Ele estava no processo de reverter as expectativas do mercado.”
Fonte: Valor Econômico

