O capital de risco tem sido um estímulo importante para a transformação da China em uma superpotência tecnológica. Os fundos de capital de risco não só ajudaram a estimular empresas chinesas de primeira categoria, do tipo de Alibaba e Tencent, como também levaram expertise, oportunidades de fazer contatos importantes e mercados para uma série de “unicórnios” — as startups que valem mais de US$ 1 bilhão.
Mas agora, por uma série de razões, o setor de startups da China estagnou. Alguns comentários de dentro do próprio setor estão carregados de fatalismo. “O setor todo simplesmente acabou de morrer na nossa frente”, disse um executivo ao Financial Times. “O espírito empreendedor está morto. É algo muito triste de ver.”
Se esse tipo de sentimento persistir, as implicações são sombrias. A visão econômica do presidente Xi Jinping, o líder forte da China, se apoia pesadamente nas aspirações tecnológicas. O “relatório de trabalho” oficial de Pequim de março deste ano exortou o país a construir um sistema industrial e científico capaz de empurrar o mundo na direção de novas fronteiras tecnológicas.
Liberar o que Xi chama de “novas forças produtivas de qualidade” é hoje a maior prioridade econômica da China. Os assim chamados setores do futuro, como os de biotecnologia, nova energia, novos materiais, equipamentos avançados, tecnologia da informação (TI) de última geração, aeroespacial e outros, são essenciais para concretizar os objetivos de Pequim. Todos eles exigem a inovação que deriva em grande parte de um ecossistema vibrante de startups.
É fato que a China teve um avanço impressionante na área da tecnologia. Há apenas 20 anos o país era, na melhor das hipóteses, uma potência de tecnologia média. Mas em 2023, segundo o think-tank australiano ASPI, a China liderava o mundo em 57 das 64 tecnologias avançadas, o que fazia dela uma concorrente de igual para igual com os EUA.
Essas conquistas, contudo, vêm do passado. A trajetória futura do avanço tecnológico da China é muito menos certa. A arrecadação de recursos para investimentos na China por parte de fundos de capital de risco nacionais e estrangeiros caiu de maneira vertiginosa desde 2022, o que levou a uma redução drástica no número de startups fundadas na China no ano passado e até o momento neste ano, de acordo com provedores de dados.
Os motivos disso se dividem em duas grandes categorias. Na primeira estão as causas macroeconômicas, como a desaceleração mais geral da China desde o início da pandemia de covid-19 e o estouro da bolha imobiliária. No caso da segunda, a responsabilidade pode ser atribuída ao próprio Xi. As duras medidas regulatórias contra as empresas privadas de tecnologia mais importantes, como Alibaba e Tencent, prejudicaram suas avaliações no mercado de ações e semearam uma incerteza profunda a respeito da atitude ideológica de Pequim em relação à iniciativa privada.
Além disso, a rivalidade estratégica generalizada entre os EUA e a China ajudou a afugentar o capital de risco internacional do mercado chinês, em parte porque os investidores sabem que encontrar uma “saída” por meio da abertura de capital em mercados de ações internacionais se tornou mais difícil.
Tudo isso tem efeitos secundários. Estudantes chineses que fazem cursos no exterior veem menos oportunidades no antes atraente setor de tecnologia da China. Também existe um forte aumento nas ações judiciais. A publicação empresarial chinesa Caixin noticiou em agosto que uma importante estatal de capital de risco, a Shenzhen Capital Group, entrou com 35 processos contra empresas que em geral não conseguiram abrir seu capital na data definida e não recompraram suas ações.
O estrangulamento do ecossistema de startups da China serve como uma acusação ao programa econômico de Xi. Se a China pretende manter seu predomínio tecnológico, precisa de uma reforma completa.
O setor privado desfavorecido precisa ganhar um status igual ao dos setores estatais. A redução cada vez maior da transparência que bloqueia os mercados financeiros da China precisa ser revertida para que a confiança do investidor possa ser reconstruída. Acima de tudo, o próprio Xi precisa perceber que a inovação não segue decretos administrativos. A criatividade flui quando centenas de escolas de pensamento competem entre si.
Fonte: Valor Econômico

